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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

ORTOTANÁSIA - Projeto de Lei do Senado nº 524/09

Dispõe sobre os direitos da pessoa em fase terminal de doença

O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre os direitos da pessoa que se encontre em fase terminal de doença , no que diz respeito à tomada de decisões sobre a instituição, a limitação ou a suspensão de procedimentos terapêuticos, paliativos e mitigadores do sofrimento.

Art. 2º A pessoa em fase terminal de doença tem direito, sem prejuízo de outros procedimentos terapêuticos que se mostrarem cabíveis, a cuidados paliativos e mitigadores do sofrimento, proporcionais e adequados à sua situação.

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, são adotadas as seguintes definições:
I – pessoa em fase terminal de doença: pessoa portadora de doença incurável, progressiva e em estágio avançado com prognóstico de ocorrência de morte próxima e inevitável sem perspectiva de melhora do quadro clínico mediante a instituição de procedimentos terapêuticos proporcionais;
II – procedimentos paliativos e mitigadores do sofrimento: procedimentos que promovam a qualidade de vida do paciente e de seus familiares, mediante prevenção e tratamento para o alívio de dor e de sofrimento de natureza física, psíquica, social e espiritual;
III – cuidados básicos, normais e ordinários: procedimentos necessários e indispensáveis à manutenção da vida e da dignidade da pessoa, entre os quais se inserem a ventilação não invasiva, a alimentação, a hidratação, garantidas as quotas básicas de líquidos, eletrólitos e nutrientes, os cuidados higiênicos, o tratamento da dor e de outros sintomas de sofrimento.
IV – procedimentos proporcionais: procedimentos terapêuticos, paliativos ou mitigadores do sofrimento que respeitem a proporcionalidade entre o investimento de recursos materiais, instrumentais e humanos e os resultados previsíveis e que resultem em melhor qualidade de vida do paciente e cujas técnicas não imponham sofrimentos em desproporção com os benefícios que delas decorram;
V – procedimentos desproporcionais: procedimentos terapêuticos, paliativos ou mitigadores do sofrimento que não preencham, em cada caso concreto, os critérios de proporcionalidade a que se refere o inciso IV;
VI – procedimentos extraordinários: procedimentos terapêuticos, ainda que em fase experimental, cuja aplicação comporte riscos.

Art. 4º Na aplicação do disposto nesta Lei, os profissionais responsáveis pela atenção à pessoa em fase terminal de doença deverão promover o alívio da dor e do sofrimento, com preservação, sempre que possível, da lucidez do paciente, de modo a permitir-lhe o convívio familiar e social.

Art. 5º É direito da pessoa em fase terminal de doença ou acometida de grave e irreversível dano à saúde de ser informada sobre as possibilidades terapêuticas, paliativas ou mitigadoras do sofrimento, adequadas e proporcionais à sua situação.
§ 1º Quando, em decorrência de doença mental ou outra situação que altere o seu estado de consciência, a pessoa em fase terminal de doença estiver incapacitada de receber, avaliar ou compreender a informação a que se refere o caput, esta deverá ser prestada aos seus familiares ou ao seu representante legal.
§ 2º É assegurado à pessoa em fase terminal de doença, aos seus familiares ou ao seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica.

Art. 6º Se houver manifestação favorável da pessoa em fase terminal de doença ou, na impossibilidade de que ela se manifeste em razão das condições a que se refere o § 1º do art. 5º, da sua família ou do seu representante legal, é permitida, respeitado o disposto no § 2º, a limitação ou a suspensão, pelo médico assistente, de procedimentos desproporcionais ou extraordinários destinados a prolongar artificialmente a vida.
§ 1º Na hipótese de impossibilidade superveniente de manifestação de vontade do paciente e caso este tenha, anteriormente, enquanto lúcido, se pronunciado contrariamente à limitação e suspensão de procedimentos de que trata o caput, deverá ser respeitada tal manifestação.
§ 2º. A limitação ou a suspensão a que se refere o caput deverá ser fundamentada e registrada no prontuário do paciente e será submetida a análise médica revisora, definida em regulamento.

Art. 7º Mesmo nos casos em que houver a manifestação pela limitação ou suspensão de procedimentos a que se refere o art. 6º, a pessoa em fase terminal de doença continuará a receber todos os cuidados básicos, normais ou ordinários necessários à manutenção da sua vida e da sua dignidade, bem como os procedimentos proporcionais terapêuticos, paliativos ou mitigadores do sofrimento, assegurados o conforto físico, psíquico, social e espiritual e o direito à alta hospitalar.

Art. 8º Esta Lei entra em vigor após decorridos noventa dias da data da sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO
Os avanços tecnológicos ocorridos especialmente nos dois últimos séculos em várias áreas do conhecimento humano resultaram no aumento da expectativa de vida da população. Na Europa dos séculos XVI e XVII, a expectativa de vida ao nascer não alcançava os cinquenta anos. Em Londres, a média desse indicador para as classes mais favorecidas situava-se em 43,5 anos. Em Genebra, os números eram ainda mais desfavoráveis: 18,5 anos para a classe baixa, 24,7 anos para a classe média e 35,9 anos para a classe alta. Atualmente, em alguns países, a exemplo do Japão, a esperança de vida ao nascer supera os oitenta anos.

O aumento da prevalência de doenças crônico-degenerativas é uma das consequências do envelhecimento da população. Câncer, diabetes, doença pulmonar obstrutiva crônica, cardiopatias, doença de Alzheimer e acidente vascular cerebral são apenas alguns exemplos de doenças que acometem a população mais idosa e que podem causar intenso sofrimento nos estágios mais avançados. Além dessas doenças, cujas causas geralmente são naturais outros agravos à saúde podem causar intenso sofrimento.

Não raras vezes, os procedimentos terapêuticos instituídos nos casos de doenças incuráveis são infrutíferos. Especialmente nos casos avançados de doenças incuráveis e progressivas que levam ao prognóstico de que a morte é iminente e inevitável, a manutenção da vida por meios artificiais pode representar sofrimento para o doente e para os seus familiares e amigos.

As leis brasileiras não dispõem sobre a matéria. No âmbito infralegal, dois atos normativos do Conselho Federal de Medicina (CFM) tratam do assunto: o Código de Ética Médica, de 1988, e a Resolução CFM nº 1.805, de 28 de novembro de 2006.

O art. 130 do Código de Ética Médica veda ao médico realizar experiências com novos tratamentos clínicos ou cirúrgicos em paciente com afecção incurável ou terminal sem que haja esperança razoável de utilidade para o mesmo, não lhe impondo sofrimentos adicionais. Por sua vez, a Resolução CFM nº 1.805, de 2006, permite ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal de enfermidade grave e incurável. Entretanto, essa Resolução teve seus efeitos suspensos por decisão liminar no âmbito da Ação Civil Pública nº 2007.34.00.014809-3, da 14ª Vara Federal, movida pelo Ministério Público Federal.

A suspensão ou a limitação de procedimentos terapêuticos desproporcionais ou extraordinários destinados unicamente a protelar a ocorrência de um evento natural – a morte – é conhecida como ortotanásia, palavra de etimilogia grega que significa “morte natural” ou “boa morte” ou “morte sem sofrimento”. É o deixar morrer em paz a que se refere a Declaração de 5 de maio de 1980, da Congregação para a Doutrina da Fé, do Vaticano.

Diferentemente da ortotanásia, a distanásia, segundo o eminente médico e advogado José Antonio Martinez, é a morte que ocorre a despeito da “obstinação terapêutica” ou da instituição de “excesso terapêutico”. É o prolongamento da vida do paciente, “criando situações que lhe são verdadeiramente cruéis, mediante certas intervenções médicas.”

As leis brasileiras não permitem a eutanásia, que é a morte decorrente de ato destinado a abreviar a vida do paciente. Em alguns casos, a eutanásia é praticada a pedido ou com o consentimento do paciente, situação em que ela passa a ser considerada suicídio assistido.

Geralmente, as religiões praticadas por grande parte da população mundial, entre elas as católicas romana e ortodoxa, o islamismo, o judaísmo, o budismo e o hinduísmo, rejeitam a eutanásia, mas condenam o prolongamento artificial e infrutífero da vida de pacientes em estado terminal de doença. Todavia, na Holanda, na Austrália, na Bélgica e no estado americano do Oregon a eutanásia é legalmente permitida ou foi descriminalizada.

O Estado da Califórnia (EUA) reconheceu, em 1976, mediante o Natural Death Act (Lei da Morte Natural), que as pessoas adultas têm “o direito fundamental de controlar as decisões em relação ao cuidado médico que se lhes pode prestar, incluindo a decisão de que não se lhes apliquem, ou se lhes retirem, as medidas que mantêm sua vida em casos de uma situação terminal”.

O projeto que submetemos à apreciação dos senhores Parlamentares tem a finalidade de permitir, nas condições que especifica, que o paciente, os seus familiares ou o seu representante legal possam solicitar a limitação ou a suspensão de procedimentos terapêuticos destinados exclusivamente a protelar a morte inevitável e iminente que sobrevém a doença incurável, progressiva e em fase terminal. A medida proposta tem a finalidade de evitar que o sofrimento do paciente que se encontre nessas situações, e até mesmo a angústia e o sofrimento dos seus familiares e amigos, se estenda por tempo indefinido.

Embora o fator econômico-financeiro não deva ser utilizado como parâmetro para a tomada de decisões quanto à manutenção, à limitação ou à suspensão de procedimentos terapêuticos, a medida proposta acarretará efeitos nesse particular, visto que a maioria das medidas destinadas a prolongar artificialmente a vida tem custo elevadíssimo e sobrecarrega o orçamento público para a saúde ou aumenta sobremaneira os gastos de planos privados de assistência à saúde. Nos casos em que a família se responsabiliza pelo pagamento das despesas médico-hospitalares, a internação de um paciente em uma unidade de terapia intensiva (UTI) durante alguns dias pode acarretar a extinção do patrimônio familiar amealhado durante anos.

A convicção de que a medida proposta concorrerá para sanar a vacância legal no que diz respeito ao direito de o paciente, seus familiares ou seu representante legal decidirem sobre a limitação ou a suspensão de tratamentos desnecessários, desumanos, infrutíferos e dispendiosos leva-nos a contar com o apoio dos Parlamentares de ambas as Casas Legislativas do Congresso Nacional para a aprovação do projeto.

Sala das Sessões,
Senador GERSON CAMATA