Negativa de cirurgias, exames, consultas, próteses e órteses; demora na liberação de guias; aumentos abusivos; cancelamento unilateral do contrato. É notório que os planos de saúde são extremamente problemáticos e, reiteradamente, causam transtornos nos momentos em que o consumidor mais precisa. Basta sair às ruas e colher a impressão dos cidadãos. Não é à toa que o setor ocupa, há dez anos, o topo do ranking de reclamações recebidas pelo Idec.
Na contramão dos fatos, no último mês a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) divulgou dados referentes aos atendimentos que realizou em 2010. A forma como a Agência trata tais informações, como se o setor de planos de saúde não tivesse uma enorme gama de problemas, é totalmente inadequada. Os dados dos órgãos de defesa do consumidor, da Justiça e da própria ANS, e mesmo as experiências diárias dos consumidores, mostram o contrário.
As reclamações sobre planos de saúde registradas nos Procons, compiladas no SINDEC (Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor), aumentaram, de 2008 para 2009, 20,39%. Se considerados somente os planos regulamentados – sobre os quais recai, indiscutivelmente, o poder-dever fiscalizatório da ANS – o aumento percentual é mais expressivo: 38,86%. Ressalte-se que tal número é subestimado, pois os Procons não atendem reclamações referentes a contratos coletivos. Tais contratos são aqueles intermediados por pessoas jurídicas, como empresas, sindicatos e associações, esomam mais de 70% do mercado.
Mesmo com a ausência de registro de demandas de planos de saúde coletivos no Procon de São Paulo, no mesmo período registra-se um aumento ainda maior de reclamações referentes ao setor no órgão público: mais de 65%.
Há que se considerar que muitas das questões que dizem respeito a planos de saúde são diretamente encaminhadas ao Poder Judiciário, por dizerem respeito a atendimentos emergenciais. Pesquisa realizada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, última instância judicial a se manifestar sobre conflitos entre consumidores e operadoras de planos de saúde, demonstra que, entre 1991 e 1998 (pré-regulamentação), o Tribunal julgou 8 casos sobre planos de saúde. De 1999 a 2008 (pós-regulamentação), foram 87 casos julgados. 89,47% dos julgados dizem respeito à negativa ou limitação de cobertura ou assistência médica e deu-se ganho de causa ao consumidor em 82,1% das demandas.
E mesmo os dados divulgados pela ANS demonstram o aumento de reclamações. Dos atendimentos realizados em 2008 pela Agência, 9% diziam respeito a reclamações dos planos de saúde (7.191 reclamações). No ano seguinte, as reclamações aumentaram para 12% das consultas recebidas pelas agência (12.861,84). O aumento do número de reclamações de planos de saúde na agência, entre 2008 e 2009, é de 78,85%.
A Constituição Federal é clara ao determinar que “o Estado deve promover, na forma da lei, a defesa do consumidor” (art. 5º, XXXII). A lei consumerista é o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). Mas a ANS continua relutante a exercer o seu papel de proteção e defesa do consumidor, chegando a afirmar, em correspondência enviada ao Idec, que “O funcionamento do mercado e o respeito às leis setoriais são outros aspectos por nós analisados e que terminam, por vezes, a afastar a própria aplicação da Lei 8078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor)”.
Diante de tal cenário, a ANS insiste em mitigar o seu papel regulador e em adotar postura regulatória ineficaz. Além de resistir em aplicar o Código de Defesa do Consumidor, a Agência não regula completamente planos de saúde coletivos e planos de saúde antigos – assinados antes de janeiro de 1999.
Enquanto a ANS sustenta que os planos de saúde coletivos não precisam de sua intervenção, nos Estados Unidos acaba de ser aprovada reforma do sistema de planos de saúde que contempla a regulação estatal sobre esse tipo de plano.
Ressalte-se que Estados Unidos é um país mundialmente conhecido como extremamente liberal na condução da sua vida política, econômica e social. E mesmo lá já se chegou à conclusão que, em matéria de planos de saúde, o mercado não dá conta de se autorregular adequadamente, sendo necessária a intervenção do Estado.Quando no Brasil se fará o mesmo?
Daniela Trettel é advogada do Idec e membro do Conselho Nacional de Saúde
Fonte: Última Instância
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.