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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Saúde via Justiça

Aqueles que escolhem o caminho fácil de condenar a corrida ao Judiciário são os mesmos que tergiversam sobre o acesso universal

Parece ter avançado o debate sobre as decisões que obrigam o Sistema Único de Saúde (SUS) a fornecer, para pacientes que recorrem à Justiça, medicamentos, insumos, órteses, próteses e tratamentos não disponíveis na rede pública.
Finalmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) alçaram a discussão a patamares mais elevados do que pretendiam muitos gestores.
Perderam aqueles que insistem em generalizar as ações judiciais como fraudulentas e geradoras de desigualdades, ao mesmo tempo em que pregam a ``reserva do possível``, com o objetivo de criar falso dilema entre o direito individual e o interesse coletivo.
O orçamento é uno e os recursos que a ele se integram têm várias destinações, desde publicidade governamental até obras públicas. Assim, o ``ônus`` da decisão só recairá sobre as políticas de saúde se esse for o desejo do gestor público.
O Judiciário, num Estado democrático, é legítimo para decidir sobre o direito à saúde.
Foi o que ressaltou o Supremo, após ampla consulta à sociedade, ao indeferir recursos do poder público contra decisões judiciais, refutando os argumentos de economia, ordem pública e potencialidade danosa ao sistema de saúde.
A inclusão de um direito fundamental como a saúde na Constituição se deu exatamente para que ele seja respeitado pelos parlamentares, no momento de fazer as leis e votar o orçamento, e pelos governantes, ao implementarem as políticas. O Judiciário, quando determina a submissão do Executivo às leis, nada mais faz do que cumprir a importante tarefa de sobrepor o direito ao poder político ou ao poder econômico.
Serão bem-vindas as recentes decisões do CNJ, que instituiu o Fórum Nacional do Judiciário para o monitoramento de demandas de assistência à saúde, previu o apoio técnico de médicos e farmacêuticos às decisões dos magistrados e recomendou aos juízes que evitem autorizar o fornecimento de medicamentos em fase experimental e sem registro sanitário. Pesa ainda o fato de não haver definição clara, rápida e amplamente divulgada, por parte do Ministério da Saúde e de secretarias de saúde, sobre qual é o papel de cada nova droga ou tratamento lançado no mercado.
Com isso, além das ações na Justiça, o padrão de prescrição poderá seguir muito mais a recomendação dos produtores do que as contidas em diretrizes médicas isentas e baseadas em evidências científicas. No caso de medicamentos de alto custo e uso restrito, faltam no SUS instâncias que esclareçam as situações de potencial benefício do paciente. Devem ser revistos os ``consensos`` terapêuticos desatualizados ou contaminados pela ação da indústria, e eliminados os atrasos no registro, na compra e na distribuição de medicamentos e insumos.
Distorções existem até nas pesquisas clínicas realizadas no Brasil. A serviço do marketing, muitos estudos visam ambientar a nova droga, de olho no mercado futuro.
Pleno exercício da autonomia profissional, a prescrição, que fundamenta a ação judicial, por vezes pode estar sujeita a influências que vão desde a má formação do médico até o assédio das empresas farmacêuticas e de equipamentos.
À medida que o processo de incorporação de tecnologias em saúde for mais regulado pelo Estado e compreendido por todos, as ações judiciais serão reduzidas, muito embora nelas reconheçamos um papel propulsor, pois o poder público é levado a pensar a saúde sob a perspectiva da proteção da vida, e não apenas sob a ótica do orçamento escasso.
Aqueles que escolhem o caminho fácil de condenar a corrida ao Judiciário são os mesmos que tergiversam sobre o acesso universal e reinventam a integralidade, pilares do SUS.
Além da luta por mais recursos, restam pouco usados o formidável poder de compra do SUS com vistas à negociação de preços justos, o licenciamento compulsório previsto nos tratados de propriedade intelectual e na lei de patentes brasileira, a aposta em uma política industrial que permita alavancar a produção nacional de genéricos.
A solução, portanto, deve passar longe da ideia de fechar as portas da Justiça, hoje uma aliada imprescindível da garantia do direito à saúde.


Fonte: MÁRIO SCHEFFER e VIDAL SERRANO NUNES JR. - Folha de S.Paulo