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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Tempo de Guarda do Prontuário Médico

Quando é analisado o tema do dever de resguardar sigilo médico, reiteradas vezes vem à tona a questão relacionada ao tempo que o prontuário deve ser guardado pelo profissional ou pela Instituição de Saúde.

Apesar de outros entendimentos, a guarda do prontuário médico deve ser por tempo indeterminado, isto é, não há um tempo determinado, certo, que, após decorrido, o profissional ou a Instituição de Saúde possa eliminar completamente seus arquivos.

Inicialmente, cumpre esclarecer que prontuário médico é “o documento único constituído de um conjunto de informações, sinais e imagens registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada, de caráter legal, sigiloso e científico, que possibilite a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo.” (Art. 1º, da Resolução CFM 1.638/2002).

Logo, o prontuário médico nada mais é do que todo o acervo documental referente a um determinado paciente, onde constam os exames realizados, as informações fornecidas pelo paciente, os prognósticos, o diagnóstico, o quadro clínico do paciente, fichas de ocorrências, prescrições, relatórios de enfermagem, relatórios do cirurgião e do anestesiologista, etc.

A elaboração do prontuário é um dever ético do profissional da medicina, sendo que a não observância desta obrigatoriedade implica em infração ética prevista no art. 69 do Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1.246/88):

“É vedado ao médico:
Art. 69 – Deixar de elaborar prontuário médico para cada paciente”

Portanto, verifica-se que a elaboração de prontuário não se revela apenas como uma cautela do médico, mas corresponde a um dever ético para com seu paciente.

Outrossim, não basta a mera elaboração do prontuário médico, devendo servir este documento tanto para os profissionais da área da saúde como para o paciente, sendo que este tem direito ao acesso às informações contidas no prontuário a qualquer tempo. É isso que estabelece o art. 70 do Código de Ética Médica:

“É vedado ao médico:
Art. 70 – Negar ao paciente acesso a seu prontuário médico, ficha clínica ou similar...”


Perceba-se que o que é vedado eticamente é o impedimento por parte do médico do acesso ao prontuário pelo paciente e não a retirada do prontuário. Isso porque, o prontuário pertence ao paciente, mas deve ficar sob a guarda do médico ou da Instituição de Saúde. Isto é, o direito do paciente limita-se a ter acesso ao seu prontuário a qualquer tempo, independentemente de justificativa.

Neste sentido, tem-se a Resolução CFM nº 1.821/2007, que em suas considerações estabelece:

“CONSIDERANDO que o prontuário do paciente, em qualquer meio de armazenamento, é propriedade física da instituição onde o mesmo é assistido – independente de ser unidade de saúde ou consultório -, a quem cabe o dever de guarda do documento;

CONSIDERANDO que os dados ali contidos pertencem ao paciente e só podem ser divulgados com sua autorização ou a de seu responsável, ou por dever legal ou justa causa...”


Resta evidente, assim, que as informações existentes no prontuário são de propriedade do paciente, mas a sua guarda é obrigação da Instituição de Saúde onde ele é assistido, devendo ser assegurado ao paciente acesso a estas informações a todo tempo.

Ainda na Resolução CFM nº 1.821/07 consta a diretriz para a guarda atemporal do prontuário médico, sob pena de se impossibilitar o acesso às informações pelo paciente (ou por seus representantes legais).

“(...)
CONSIDERANDO que o prontuário e seus respectivos dados pertencem ao paciente e devem estar permanentemente disponíveis, de modo que quando solicitado por ele ou seu representante legal permita o fornecimento de cópias autênticas das informações pertinentes...”.


Assim, o prontuário deve ser mantido permanentemente, a fim de, como dito acima, possibilitar o acesso às informações nele existentes a qualquer tempo pelo paciente ou seu representante legal.

É bem verdade que o art. 8º da Resolução CFM nº 1.821/07 estabelece que a preservação do prontuário em papel deva ser feita pelo prazo mínimo de 20 (vinte) anos.

“Art. 8º Estabelecer o prazo mínimo de 20 (vinte) anos, a partir do último registro, para a preservação dos prontuários dos pacientes em suporte de papel, que não foram arquivados eletronicamente em meio óptico, microfilmado ou digitalizado.”

Aparentemente, este lapso temporal mínimo está em flagrante contradição com o previsto no art. 7º, da mesma Resolução, bem como em relação ao art. 70 do Código de Ética Médica (acima transcrito).

Isso porque, o Código de Ética Médica (art. 70) estabelece que deva ser assegurado o livre acesso do paciente ou de seu representante às informações contidas no prontuário. Ainda, o art. 7º da mesma Resolução (1.821/07) não estabelece prazo mínimo para a guarda dos prontuários arquivados de outra forma que não a em suporte de papel:

“Art. 7º Estabelecer a guarda permanente, considerando a evolução tecnológica, para os prontuários dos pacientes arquivados eletronicamente em meio óptico, microfilmado ou digitalizado.”

Contudo, melhor interpretação é aquela dada pelo Parecer CREMEC nº 14/2007, que estabelece que o prazo mínimo para a guarda do prontuário de papel é de 20 anos e que, após este período, o prontuário pode ser arquivado eletronicamente ou microfilmado e, então, guardado de forma permanente.

Segundo este Parece do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará:

“O tempo de guarda dos prontuários médicos arquivados eletronicamente, e dos microfilmados, é permanente.
A Res. CFM. Nº 1.639/02 autoriza a eliminação do suporte em papel de prontuários médicos, quando microfilmados ou digitalizados, decorrido o prazo mínimo de 20 (vinte) anos do último registro, salvo os definidos pela Comissão Permanente de Avaliação de Documentos da instituição detentora do arquivo como de valor médico-científico, histórico e social, cuja manutenção do suporte em papel é permanente.”


Assim sendo, o prontuário deve ser guardado em suporte de papel pelo prazo mínimo de 20 (vinte) anos e, após isso, pode ser microfilmado ou arquivado de alguma forma eletrônica (digitalizado, por exemplo). Este “novo” arquivo deverá ser guardado permanentemente.

Destarte, o prazo de 20 (vinte) anos não é para a guarda do prontuário, mas sim destina-se a estabelecer prazo mínimo pelo qual o prontuário dever ser mantido em suporte de papel. Após este prazo mínimo, o suporte de papel pode ser substituído por microfilmagem ou qualquer outro meio eletrônico de arquivo, o qual deve ser guardado de forma permanente.

Esta interpretação já tornaria sem sentido outra discussão bastante comum no que diz respeito ao prazo mínimo para guarda do prontuário, qual seja, o prazo estabelecido pelo art. 10 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O citado art. 10 do ECA, em seu inciso I, estabelece que o prontuário referente a partos deve ser mantido pelo prazo mínimo de 18 (dezoito) anos:

“Art. 10 – Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes públicos e particulares, são obrigados a:
I – Manter registro das atividades desenvolvidas, através de prontuários individuais pelo prazo de dezoito anos.”.


O prazo estipulado pelo ECA destinava-se a assegurar o direito do paciente menor de idade, uma vez que, obrigando a guarda pelo prazo mínimo de 18 (dezoito) anos, após este período o paciente já adquiriria a maioridade civil e poderia decidir sobre a sua vida. Ainda, o ECA não poderia estipular prazo maior, posto que a pessoa somente se encontra sob a égide deste regramento legal até que completesse a maioridade civil, aos 18 anos, deixando, a partir de então, de ser criança ou adolescente.

Porém, como a Resolução CFM nº 1.821/07 estipula o prazo mínimo de 20 (vinte) anos de conservação de qualquer prontuário em suporte de papel, o lapso temporal indicado pelo ECA (18 anos) encontra-se suplantado, não havendo nenhum conflito entre a Resolução e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Outro ponto que merece comentário refere-se ao destino do prontuário que estava sob a guarda de profissional médico que vem a falecer ou Instituição de Saúde que encerra as suas atividades.

Neste sentido, podem ser observados a Resolução CRM-PR nº 41/1992 e o Processo Consulta CFM nº 3.120/94, dentre outras, que estabelecem, de forma uníssona, que o arquivo de médico falecido ou de Instituição que encerrou suas atividades pode ser incinerado.

Evidentemente, se o paciente der continuidade ao acompanhamento médico com outro profissional e/ou em outra Instituição, basta requerer que o prontuário seja entregue ao atual profissional assistente, devendo esta transferência do arquivo também fazer parte do prontuário.

Quando isso não ocorrer, não se pode obrigar os herdeiros do médico falecido ou os responsáveis pela Instituição a manterem os arquivos dos pacientes, sob pena, inclusive, de ser violado o direito/dever de sigilo quanto às informações ali existentes.

Parece mais apropriada a proposta contida na Resolução do Conselho Regional de Medicina do Estado do Paraná, segundo a qual deve ser tentada a devolução do prontuário ao paciente, esclarecendo que se a documentação não for retirada, o material será incinerado:

“1º - O responsável pelo arquivo ou fichário médico, quando desativado sob qualquer motivo, poderá destruir as fichas ou prontuários, preferencialmente por incineração, obedecidos os seguintes critérios:
a) publicar em jornal de grande circulação local, no mínimo em duas ocasiões, intervaladas por prazo não inferior a 10 (dez) dias, nota esclarecendo o motivo da desativação do arquivo, colocando à disposição dos clientes interessados as fichas ou prontuários;
b) a publicação deverá explicar local para a entrega do material, em horários não inferior a duas sessões de duas horas;
c) esses documentos médicos somente serão entregues ao cliente ou responsável legalmente habilitado, mediante identificação contra recibo;
d) a destruição dos documentos deverá aguardar um prazo não inferior a 30 (trinta) dias após a última publicação.”


Embora não se trate de obrigação estabelecida por lei, isto é, não se trata de conduta que necessariamente deve ser observada, uma vez que ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei (art. 5º, inciso II, da Constituição Federal), a conduta contida na Resolução CRM-PR nº 41/1992 parece satisfazer e cumprir todas as normas éticas médicas.

Por fim, impende destacar que prontuário classificado como arquivo de valor médico-científico deve ser guardado em suporte de papel permanentemente, ainda que arquivados de outra forma.

Portanto, baseado no acima exposto, o prontuário médico em suporte de papel deve ser arquivado por pelo menos 20 anos, contados da última movimentação, e após este prazo pode ser microfilmado ou arquivado digitalmente, de modo que suas informações sejam mantidas eternamente.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

A Responsabilidade Subjetiva dos Laboratórios de Anátomo Patologia e Citopatologia

Em que pese a quase unanimidade da doutrina e da jurisprudência entenderem ser objetiva a responsabilidade dos laboratórios, no caso específico de laboratório de anátomo patológico e citopatologia a responsabilidade é subjetiva, quando a questão de discórdia versar sobre a interpretação do material fornecido para análise.

Mister se faz destacar que a presente análise recai apenas e tão somente sobre alegações de erro do resultado do exame, não se adequando ao caso as hipóteses de troca de resultados, atraso na entrega, ou qualquer outra situação que não se relacione direta e exclusivamente com o ato de análise do material.

Impende notar, preliminarmente, que a responsabilidade civil requer a existência de três pressupostos: conduta “inadequada”; dano; e nexo causal entre a conduta e o dano suportado.

O Código Civil impõe, como regra geral, a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Isto é, para que alguém seja responsabilizado é necessário demonstrar que houve culpa do agente. A culpa pode ser por imprudência, negligência ou imperícia.

De forma simples, a imprudência revela uma ação, onde o agente fez algo de forma diferente da que deveria ter feito ou mesmo fez algo que não deveria ter feito. Isto é, teve uma conduta (ação) diferente daquela que era esperada.

A negligência é a desídia, a falta de atenção, caracterizada por uma omissão. O agente deixou de fazer algo que deveria ter feito. Por fim, a imperícia é a falta de conhecimento para a realização da conduta.

Ao contrário do Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor determina como regra a responsabilidade objetiva, segundo a qual não é necessário se apurar se a culpa está presente para responsabilizar o agente. Bastam restar presentes o defeito na prestação do serviço (conduta “indequada”), o dano e o nexo causal entre o dano suportado pelo consumidor para que fosse devida a reparação do dano pelo prestador do serviço.

Estabelece o caput do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor que a responsabilidade das pessoas jurídicas prestadoras de serviço é objetiva. Assim, a responsabilidade dos laboratórios seria objetiva.

A questão da natureza da responsabilidade do laboratório de anátomo patologia e citopatologia torna-se importante na medida em que num caso concreto, caso haja dois resultados divergentes entre si, aplicando-se a responsabilidade objetiva, não se apurará a culpa do profissional que analisou o material.

Contudo, no caso de laboratórios de anátomo patologia e citologia, o resultado do exame não depende de uma análise por uma máquina ou equipamento, mas sim da interpretação por parte de um profissional qualificado para tal conduta.

Destarte, a responsabilidade recai sobre a análise de um profissional, e não de algum equipamento, razão pela qual deve ser aplicada a responsabilidade subjetiva prevista no §4º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece que a responsabilidade dos profissionais liberais é subjetiva e não objetiva (exceção).

Decorrência disso, para que o consumidor tenha acolhido o seu pedido de indenização, necessário se faz estar presente a conduta culposa do profissional que analisou o material fornecido.

Isto é, somente após configurada a culpa do profissional, em alguma de suas modalidades, a saber, negligência, imprudência ou imperícia, é que o laboratório poderia ser responsabilizado.

Tal entendimento decorre da análise da jurisprudência relativa à questão da alegação de “erro” de médico (pessoa física) em ações judiciais em face dos hospitais (pessoa jurídica).

Em decisão ”divisora de águas”, publicada em 22.08.2005, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça se posicionou no sentido de que deve ser apurada a responsabilidade do profissional liberal (médico) para que o estabelecimento de saúde (hospital) possa ser responsabilizado, verbis:

“Superior Tribunal de Justiça

REsp nº 258.389-SP. Relator: Min. Fernando Gonçalves.
Ementa: Civil. Indenização. Morte. Culpa. Médicos. Afastamento. Condenação. Hospital. Responsabilidade objetiva. Impossibilidade.

A responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação técnico-profissional dos médicos que neles atuam ou a eles sejam ligados por convênio, é subjetiva, ou seja, depende da comprovação de culpa dos prepostos, presumindo-se a dos preponentes.
Neste sentido são as normas dos arts. 159, 1521, III, e 1545 do Código Civil de 1916 e, atualmente, as dos arts. 186 e 951 do novo Código Civil, bem com a súmula 341 – STF (É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto).
Em razão disso, não se pode dar guarida à tese do acórdão de, arrimado nas provas colhidas, excluir, de modo expresso, a culpa dos médicos e, ao mesmo tempo, admitir a responsabilidade objetiva do hospital, para condená-lo a pagar indenização por morte de paciente.
O art. 14 do CDC, conforme melhor doutrina, não conflita com essa conclusão, dado que a responsabilidade objetiva, nele prevista para o prestador de serviços, no presente caso, o hospital, circunscreve-se apenas aos serviços única e exclusivamente relacionados com o estabelecimento empresarial propriamente dito, ou seja, aqueles que digam respeito à estadia do paciente (internação), instalações, equipamentos, serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia, etc), e não aos serviços técnicos-profissionais dos médicos que ali atuam, permanecendo estes na relação subjetiva de preposição (culpa).
Recurso especial conhecido e provido para julgar improcedente o pedido.” (original sem destaques).
Nota-se, pela análise da decisão, que se o consumidor ingressou com ação judicial alegando “erro” de médico, o hospital somente será responsabilizado a reparar os danos se for verificado que houve culpa do profissional liberal. Caso não haja culpa do profissional, a pessoa jurídica (hospital) não pode ser responsabilizada.

Igual entendimento deve ser aplicado, por analogia, nos casos em que o consumidor alega “erro” no resultado de exame que a análise do material dependa de um profissional (pessoa física) e não de aparelhos ou equipamentos que devem ser mantidos pelo laboratório.

Portanto, com fundamentos na legislação e na importante decisão acima mencionada, a responsabilidade dos laboratórios de anátomo patologia e citopatologia deve ser classificada como subjetiva, isto é, somente após a constatação de culpa do profissional (pessoa física) que analisou a amostra é que poderá ocorrer a responsabilização civil do laboratório (pessoa jurídica).

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Afastada responsabilidade de hospital se a paciente não forneceu todas as informações necessárias

Mais uma vez foi proferida decisão reafirmando a tese de que a pessoa jurídica (hospital) não pode ser responsabilizada civilmente quando não restou caracterizada a culpa dos profissionais (médicos) que atenderam o paciente.
O MM Juiz da 35ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo/SP decidiu que o hospital não pode ser responsabilizado se o profissional que prestou atendimento ao paciente empregou todos os esforços, técnicas e conhecimentos disponíveis na realização do parto.
Os autores ingressaram com ação judicial pleiteando danos morais em razão de morte do feto durante o parto.
A demanda foi movida em face do hospital e do plano de saúde, tendo sido alegado que a responsabilidade destas pessoas jurídicas é objetiva e, assim, não seria necessária a apuração da existência de culpa para a responsabilização dos requeridos.
O hospital requerido afirmou que seria necessária a apuração de culpa do profissional que realizou o parto e que somente se demonstrada a conduta culposa deste profissional é que o nosocômio poderia ser responsabilizado.
Após produzidas as provas necessárias, incluindo a pericial, o Magistrado decidiu pela improcedência da ação, justamente porque os elementos probatórios demonstraram que o profissional atendeu a paciente corretamente, considerando a situação apresentada no momento do atendimento (parto).
Conforme mencionado pelo Magistrado "a parturiente, ao que constou de todo o prontuário já deu entrada no Hospital em avançado trabalho de parto, por certo premida pela emergência, não levou consigo os exames do pré-natal, nem levou ao conhecimento da equipe médica e de enfermagem o risco peculiar da gestação e doença renal bilateral do feto descrita no laudo necroscópico de fls. 74 e segs. como cística, de aspecto sui generis de difícil caracterização, de enorme aumento de volume abdominal (macrossomia localizada), cujo gigantismo não foi superado pelos médicos durante a tentativa de parto vaginal."
Desta decisão ainda cabe recurso.
Proc. nº 583.00.2005.097668-3

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Conduta correta do profissional liberal afasta responsabilidade da pessoa jurídica

O MM Juiz da 1ª Vara Cível da Comarca de Atibaia/SP decidiu que o hospital não pode ser responsabilizado se o profissional que prestou atendimento ao paciente empregou todos os esforços, técnicas e conhecimentos disponíveis para a obtenção do diagnóstico.
Os autores ingressaram com ação judicial pleiteando danos morais e materiais em razão de suposta"erro de diagnóstico".
A demanda foi movida em face das pessoas jurídicas prestadoras de serviço hospitalar, tendo sido alegado que a responsabilidade destas pessoas jurídicas é objetiva e, assim, não seria necessária a apuração da existência de culpa para a responsabilização dos requeridos.
Os requeridos afirmaram que seria necessária a apuração de culpa do profissional que atendeu o paciente e que, somente se demonstrada a conduta culposa deste profissional é que as pessoas jurídicas poderiam ser responsabilizadas.
Após produzidas as provas necessárias, o Magistrado decidiu pela improcedência da ação, justamente porque os elementos probatórios demonstraram que o profissional que atendeu o paciente corretamente, considerando a situação apresentada no momento do atendimento, bem como que conduta diversa daquela realizada poderia, inclusive, causar maiores danos à paciente, nos seguintes termos: "... a médica prescreveu o tratamento adequado e não tinha à sua disposição dados necessários para indicar a biópsia antes de março de 2000; aliás, curioso notar que, na hipótese que infelizmente não se concretizou, de nada encontrar, poderiam estar, a médica e os requeridos, respondendo a um processo por danos decorrentes de intervenção desnecessária, já que segundo o apurado, com dor bilateral e sem localização específica, sofreria a paciente várias lesões. "
Desta decisão ainda cabe recurso.
Proc. nº 048.01.2003.003190-0

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

O Atendimento ao Profissional da Saúde - III

Após a apresentação da defesa (contestação), o profissional da área da saúde ficará muito mais tranqüilo e as indagações deixarão de ser a respeito da tese de defesa e passarão a versar sobre os trâmites processuais e o tempo que será necessário para que se tenha a decisão sobre o caso.
Neste momento, o profissional é informado que somente na ocasião de uma eventual audiência de conciliação a sua efetiva participação poderá ser importante.
Isso se deve ao fato de que os andamentos processuais, após a apresentação da defesa, são estritamente jurídicos e o profissional pouco (ou nada) poderá contribuir, cabendo ao advogado conduzir a causa.
Em relação à audiência de conciliação, a experiência mostra que alguns Magistrados, atendendo às normas de processo civil, têm indagado previamente as partes sobre a real utilidade de realização da audiência de conciliação. Caso as partes se manifestem alegando impossibilidade de acordo, desnecessário se torna o ato e o Magistrado pode dar o regular e jurídico início à fase de instrução do processo.
E, além disso, dependendo da situação, uma vez que a lei processual não exige a presença da parte na audiência de tentativa de conciliação, a efetiva presença e contribuição do cliente somente será necessária ou no momento da realização da prova pericial ou da audiência de instrução.
Em relação à prova pericial, o cliente deverá indicar um assistente técnico para atuar no processo. O assistente técnico é um profissional da área de atuação do cliente, da confiança deste, que atuará elaborando os quesitos, participando do exame pericial e confeccionando laudo sobre a prova pericial.
Quesitos são perguntas feitas pelas partes (ou também pelo Juiz) dirigidas ao Perito Judicial (profissional de confiança do Juiz que analisará o caso de forma imparcial), sendo que as respostas a estas perguntas devem corroborar a tese de defesa.
No exame pericial participam apenas o Perito, Assistentes técnicos e o periciando (em caso de perícia direta).
Após realizada a prova pericial, o Perito Judicial encaminha seu laudo (parecer) para o processo e o Juiz, então, dá vista às partes para manifestação sobre este laudo.
Assim, percebe-se que o cliente, no que diz respeito à prova pericial, tem atuação no sentido de escolher o profissional de sua confiança que atuará como Assistente Técnico, pode participar da elaboração dos quesitos, bem como pode elucidar algum fato e opinar sobre o laudo pericial.
Por fim, o último ato processual de participação do cliente é na audiência de instrução. Na realidade, a atuação neste ato processual inicia-se algum tempo antes, quando da oportunidade de serem arroladas testemunhas. Neste momento, o cliente deve informar os dados de pessoas que poderão ajudar na sua defesa, prestando depoimento em Juízo. Estas pessoas podem ser outros profissionais (testemunha técnica), pessoas que participaram diretamente dos fatos narrados na petição inicial (testemunha presencial) ou pessoas que podem comprovam a idoneidade do cliente (testemunhas de caráter).
Além de informar os dados das testemunhas, o cliente deve estar preparado para comparecer na audiência, caso seja devidamente intimado (pessoalmente) para prestar seu depoimento.
Encerrada a instrução processual, a participação do cliente somente será necessária após a decisão judicial, momento em que, dependendo do teor da sentença, cliente e advogado decidirão o que é melhor para se fazer.
Outrossim, importante destacar que o breve resumo processual acima demora, em média, 3 (três) anos para se desenrolar (expectativa otimista), o que causa muita angústia no cliente, fazendo com que ele o procure diversas vezes, indagando por que o processo está parado.
Em razão disso, salutar seria informar, desde o primeiro momento, que o processo judicial é longo e, ainda que de forma bem resumida, expor as fases processuais ao cliente, a fim de que ele já se torne preparado para uma longa jornada.
Mais uma vez, muito importante a paciência no atendimento ao cliente durante o processo, haja vista ele não ter a obrigação de saber os trâmites processuais e, evidentemente, o fato de ser demandado, como antes já fora dito, causa muito constrangimento e sofrimento ao profissional da área da saúde.
O mais importante é manter sempre o cliente informado sobre os andamentos processuais, quer seja através de consulta ao “site” do escritório, quer seja através de contatos diretos entre advogado e cliente, minimizando, assim, a angústia do profissional da área da saúde.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

O Atendimento ao Profissional da Saúde - II

Para o profissional da área da saúde, o lapso temporal mais tormentoso, estressante e angustiante durante todo o processo corresponde ao período compreendido entre o recebimento da citação e o protocolo da defesa.
Ao receber a citação, o profissional da área da saúde entra em contato com o advogado e solicita informações sobre o processo, buscando em seu advogado a segurança sobre o desenrolar do caso, principalmente no que diz respeito a prazos e forma como será elaborada a defesa.
Neste primeiro momento é muito importante deixar claro para o profissional da área da saúde a questão do prazo. Via de regra, os pacientes ingressam com ações atribuindo valores elevadíssimos e, portanto, o rito processual a ser seguido é o ordinário.
Assim sendo, o prazo para apresentação de defesa é de 15 dias. Primeiro ponto a ser esclarecido: o prazo de 15 dias é contado somente a partir da juntada aos autos do comprovante de citação (Mandado/AR) e não da data em que o profissional recebeu a citação. O profissional irá relutar, indagar se o advogado tem certeza, mas, ao final, aceitará a informação.
Porém, a questão do prazo para a defesa não se encerra no esclarecimento quanto ao seu início. Na maioria dos casos o autor demanda em face de mais de uma pessoa, incluindo pessoa física, estabelecimento de saúde e planos de saúde no pólo passivo. Assim, também deve ser esclarecido ao profissional da área da saúde que o prazo para apresentar a defesa passa de 15 para 30 dias, por força do disposto no art. 191 do Código de Processo Civil.
Mais uma vez ele irá perguntar se o advogado tem certeza, mas, igualmente, acabará por acatar a informação.
Pode parecer pouco, mas o simples fato de ter ciência de que o prazo não começa da data em que foi recebida a citação e que, se o caso, o prazo é de 30 dias, tranqüiliza muito o profissional da área da saúde.
A questão feita na seqüência é de como a defesa será elaborada. Neste ponto é importantíssimo esclarecer que a defesa, no que tange às alegações técnicas, será feita com a anuência do profissional da área da saúde.
Para tanto, o advogado deve marcar uma reunião com o cliente e, já em posse dos documentos que instruíram a petição inicial, elaborar a parte técnica. De suma importância também é a participação de profissional da área da saúde vinculado ao escritório, posto que, assim, cliente e “assistente técnico” poderão dialogar na mesma linguagem e encontrar a melhor forma de elucidar a questão técnica ao Juízo.
Após a elaboração da parte técnica, o advogado, após a manifestação, preferencialmente por escrito, do cliente no sentido de que concorda com as alegações técnicas, elabora aparte jurídica e encaminha a peça ao protocolo.
Somente após a informação de que foi feito o protocolo da peça o profissional ficará um pouco mais calmo.
O que aqui está descrito de forma resumida, é o procedimento que tem-se demonstrado mais tranqüilizador ao profissional da área da saúde, posto que, assim, ele tem plena ciência do prazo e do cronograma de elaboração de sua defesa, inclusive podendo participar desta fase, trazendo as informações técnicas necessárias.
Portanto, a condução do caso entre o primeiro contato do profissional da área da saúde e o protocolo da defesa deve ser feita da maneira mais clara, elucidativa e participativa, a fim de tranqüilizar o cliente e possibilitar a elaboração de uma defesa mais completa sob os primas jurídico e técnico, o que, certamente, garantirá a satisfação do profissional da área da saúde.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

O Atendimento ao Profissional da Saúde - I

Engana-se o advogado que pensa que atender profissional da área da saúde requer os mesmos cuidados que atender outros clientes. O profissional da área da saúde é muito mais exigente do que a grande maioria dos demais clientes.
Em razão disso, é muito importante que o advogado tenha atenção redobrada com o cliente da área da saúde, posto que, acima de tudo, este cliente está entregando a defesa de sua reputação nas mãos do advogado que ele procura.
Isso porque, não bastasse o valor da indenização pleiteado na ação judicial, o profissional da área da saúde sente-se, por integrar o pólo passivo da demanda, ofendido em sua honra.
Por isso, não são raros profissionais da área da saúde que, ao serem demandados, indagam se poderão, após julgada improcedente a ação, ingressar com ação judicial em face daquele que os demandou, pleiteando indenização por danos morais.
Quando o profissional da área da saúde procura o advogado, este deve estar preparado para um tipo todo especial de cliente, que deseja participar ativamente de todo o processo, principalmente até a apresentação da defesa (contestação).
O advogado deve ter calma e paciência com o cliente, servindo até como um "psiciólogo" e uma pessoa que o cliente vai utilizar como ouvinte para todas as indignações relativas àquele processo, servindo como um ponto de apoio para o desabafo do cliente.
Assim, para ter sucesso no atendimento ao profissional da área da saúde é necessário que o advogado esteja preparado para seguir passos, seguindo alguns a saber:
O profissional estará completamente indignado por ser processado. Assim, o advogado deve ter, além de calma, competência para filtrar as informações que lhe são passadas, excluindo aquelas que não terão serventia para o caso discutido.
O diretor/representante de uma empresa quando é demandado, geralmente, não toma aquele fato como uma questão pessoal, uma vez que a demanda pode não envolver a atividade fim a que se destina a empresa. No caso de prestadores de serviço na área da saúde, como dito acima, como na maioria das vezes a ação é decorrente de algum suposto defeito na prestação da atividade fim, é o nome do cliente que está em jogo.
O profissional, via de regra, não desistirá de explicar a situação com base no conhecimento médico, o que é muito bom, mas estas informações deverão ser "traduzidas" para termos de fácil compreensão de todos, tentando, assim, elucidar a questão não só para o Julgador, mas também para a parte Demandante. Lembremos que muitas das ações judiciais envolvendo profissionais da área da saúde existem justamente porque o paciente não compreendeu corretamente aquilo que lhe fora dito pelo prestador do serviço.
Certamente o advogado deve solicitar manifestações do cliente, elaborando a defesa e enviando ao cliente para que ele tenha conhecimento dos termos utilizados na parte da defesa técnica que envolve a atividade do cliente.
Ainda que o profissional da área da saúde não consiga compreender exatamente todas as fases processuais, é importante que ele seja informado e esclarecido, principalmente no que tange à morosidade das demandas e os gastos que serão necessários até o final do processo, haja vista na maioria das ações ser necessária a realização de perícia, acarretando pagamentos de perito e assistente técnico.
Enfim, o profissional da área da saúde deve receber atenção especial, e o advogado que milita nesta área empolgante deve estar atento a estas peculiaridades para poder prestar o melhor serviço ao seu cliente.
As informações acima mencionadas evidentemente não esgotam o tema, mas servem de ínicio para a demonstração da situação diferenciada que envolve a prestação do serviço de advocacia para o profissional da área da saúde.
Nos próximos textos serão abordadas as fases do processo judicial, desde o primeiro contato até o definitivo arquivamento do processo, sob a ótica da prestação do serviço a este tipo muito especial de cliente: os profissionais da área da saúde.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

A Postura do Poder Judiciário frente às Alegações de "Erro" em Exames Laboratoriais

*texto publicado na Revista NewsLab nº 82 - Junho/Julho 2007 - págs. 102/104
São cada vez mais freqüentes as ações judiciais envolvendo laboratórios. É crescente o número de pacientes que buscam a tutela jurisdicional sob o fundamento de que teria ocorrido “erro” no resultado do exame laboratorial.

Assim, fez-se necessário o desenvolvimento de um árduo trabalho, no qual buscou-se demonstrar aos Julgadores todas as características dos exames laboratoriais, fazendo com que as sentenças deixassem de ser totalmente a favor dos pacientes, passando a analisar detidamente os fatos e as circunstâncias de cada caso.

Apenas a título de exemplo, há decisões que desconsideram se o exame contratado pelo paciente (solicitado pelo médico assistente) é mais específico ou mais sensível. Alguns Julgadores afirmam que se foi realizado outro exame (mais específico) e obteve-se resultado diverso do primeiro (mais sensível), o laboratório que forneceu o primeiro resultado “errou”, devendo ser responsabilizado civilmente por este, arcando com indenização.

Noutro caso exemplar tem-se o exame de HIV. Fácil encontrar decisão onde o Julgador afirma que pelo simples fato do método ELISA constatar a possibilidade de contaminação, o laboratório, caso este “diagnóstico” não seja confirmado, mesmo que através de outro método, deve também indenizar o paciente.

Evidentemente, como dito acima, este tipo de decisão está deixando de ser proferida pelos Julgadores, uma vez que foram convencidos de que exames laboratoriais não são cálculos exatos.

Ademais, o caput do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor estabelece que as pessoas jurídicas, tal qual o laboratório, somente podem ser responsabilizadas civilmente se constatado o defeito na prestação do serviço. Por seu turno, o parágrafo primeiro deste artigo dispõe sobre o que é defeito na prestação do serviço, concluindo que “o serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: o modo de seu fornecimento (inciso I); o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam (inciso II); e a época em que foi fornecido (inciso III).”.

A fim de demonstrar a alteração e a efetiva conscientização da maioria dos Julgadores, apresenta-se decisão judicial proferida pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, a qual julgou a ação improcedente, considerando a tecnologia disponível à época da realização do exame e não a atual técnica.

Resumidamente, o Laboratório não teve que indenizar um paciente que recebeu um resultado falso-positivo para o exame de Aids. O resultado falso-positivo ocorre quando existe a possibilidade de se obter um resultado positivo para o vírus, mesmo sem a presença dos anticorpos anti-HIV no sangue.

O paciente ingressou com ação de indenização por danos morais alegando que sofreu abalos psicológicos que influenciaram, inclusive, sua vida conjugal. A primeira instância negou o pedido e o autor recorreu.

A 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina confirmou a sentença. Considerou que o laboratório comprovou ter utilizado a melhor tecnologia à época (1995), ainda que fosse incapaz de detectar a existência de anticorpo não específico responsável pelo resultado falso-positivo.

O desembargador relator do caso esclareceu que o laudo pericial confirmou esta situação. “A amostra (...) apresentou resultado falso-positivo, inerente às metodologias disponíveis na ocasião (...) e o laboratório seguiu plenamente as condutas de diagnóstico sorológico previstas pelo Ministério da Saúde”.

Como bem salientado pelo Julgador, tendo o laboratório demandado tomado as devidas precauções técnicas e providências investigativas em razão do falso-resultado positivo de teste de HIV no apelante realizado, não há falar em conduta culposa por parte do estabelecimento, tanto mais diante da possibilidade de falibilidade do teste.

Nota-se, portanto, que o Julgador ateve-se ao fato de que não ocorreu defeito na prestação do serviço por parte do laboratório, uma vez que para a realização do exame foi empregada a técnica disponível e existente à época dos fatos.

Em outra decisão exemplar, também em exame de HIV, o processo foi extinto, uma vez que uma paciente pretendia receber indenização por danos morais de um Hospital pelo diagnóstico não confirmado de que era portadora da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (Aids).

A defesa do demandado argumentou que o resultado positivo do primeiro exame não é suficiente para afirmar que a pessoa tem Aids. Além dele, são necessários outros dois exames de triagem, o “western-blot” e o de carga viral, que ela não fez no demandado.

O juiz concordou com a defesa, no sentido de que o prontuário médico da paciente e a declaração de uma das testemunhas mostram que, apesar de ter sido encaminhada para o laboratório, a paciente não fez os exames de confirmação. Ao contrário, foi uma única vez ao departamento, quando já tinha os resultados do exame realizado em laboratório particular, que confirmaram a não existência da doença.

O Julgador declarou que o fato da mesma ter sido encaminhada para o departamento de doenças infecto-contagiosas não significa que ela passou a ser tratada como portadora de HIV, porque lá existem pessoas que ainda serão submetidas à nova coleta de sangue ou com doenças sexualmente transmissíveis.

Questão tormentosa para os laboratórios diz respeito à digitação dos dados do exame laboratorial. Porém, também neste contexto o Poder Judiciário tem analisado as ações com mais cautela, considerando cada caso isoladamente, sem pré-conceitos, como na decisão em que foi afirmado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul concluiu que erro de digitação em resultado de exame não configura dano moral, mas sim mero dissabor, desconforto ou contratempo.

Assim, o laboratório não foi condenado a reparar uma cliente que recebeu o resultado de um exame com erro na digitação de alguns números.

De acordo com o processo, o resultado mostrou que a paciente era portadora de leucemia. O médico pediu um novo exame, feito em outro laboratório, que desmentiu o diagnóstico. O erro estava na digitação do número de leucócitos.

Na ação, a paciente disse que sofreu abalo moral e que precisou tomar calmantes até saber do novo resultado. O laboratório sustentou que de fato ocorreu um erro “gritante”, mas que a autora não retornou como é instruído aos pacientes em caso de dúvidas. O Tribunal proferiu decisão favorável ao laboratório.

Por fim, ponto de curial importância revela-se a informação ao paciente, ainda que o exame seja dirigido ao médico assistente. Esta informação faz-se ainda mais importante quando há a possibilidade de ocorrência de resultados falso-positivos ou falso-negativos.

Além da informação acima mencionada, é deveras aconselhável que os laboratórios forneçam todas as informações possíveis, inclusive quanto à necessidade de realização de exames complementares, muito embora a responsabilidade pelo efetivo diagnóstico do paciente seja do médico assistente, na medida em que este vale-se de outros elementos (exames clínicos, histórico do paciente, etc.) para a obtenção do final diagnóstico.

A título de exemplo, traz-se ao conhecimento decisão também do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na qual restou expresso que laboratório que recomenda novo teste de Aids para ter um diagnóstico conclusivo sobre a existência da doença não tem de indenizar por danos morais.

O Tribunal confirmou sentença de primeira instância e negou indenização a uma mulher grávida. O primeiro resultado do laboratório apontou que ela era portadora do vírus HIV, o que foi modificado em exame posterior feito em hospital.

Para o desembargador relator as provas trazidas aos autos indicam que o Laboratório agiu com as devidas precauções. Ressaltou que no comprovante do exame fornecido à usuária consta em destaque: “Resultado não é definitivo. Sugere-se confirmação pelo método Western-Blot.”.

Segundo o TJ-RS, a empresa-ré agiu com as diligências esperadas ao cientificar a consumidora sobre a falibilidade do exame e de ser indispensável outro para confirmação. O laboratório destacou que o exame não era conclusivo, como foi provado pelo documento fornecido à autora.

Conforme o desembargador, o laboratório responde pelo serviço prestado, independentemente da averiguação de culpa, sendo imprescindível apenas a comprovação do dano e da relação de causalidade. Segundo o Código do Consumidor, esclareceu, tal responsabilidade é afastada quando comprovada a inexistência do defeito, culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

O desembargador concluiu que o serviço foi prestado de modo satisfatório pelo laboratório: “Foram adotadas as medidas preventivas adequadas ao risco da fruição da atividade, de forma a preservar a segurança dos consumidores, inclusive, prestando as informações adequadas atinentes ao serviço realizado.”.

Desse modo, de modo conciso pode-se constatar que os Tribunais têm analisado as questões inerentes aos exames laboratoriais sem um pré-conceito em desfavor dos laboratórios, apreciando e considerando todas as características de cada um dos exames, o que tem contribuído para o insucesso das aventuras jurídicas dos pacientes que buscam o Poder Judiciário para obtenção de enriquecimento ilícito ás custas dos laboratórios.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Por que os pacientes preferem demandar em face da pessoa jurídica?

A pergunta acima formulada comumente é feita pelos representantes de Hospitais, Clínicas, etc. quando recebem citações de processos em que a reclamação do paciente versa única e exclusivamente sobre determinado ato médico praticado no interior destes estabelecimentos.

Antes de tudo, deve-se ressaltar que estamos tratando apenas e tão somente das demandas em que o paciente ficou insatisfeito com o serviço realizado pelo médico que o atendeu. Ou seja, não se está analisando as demandas em que poderia ter ocorrido algum defeito na prestação do serviço pela própria pessoa jurídica.

Tendo em vista o atual quadro, podemos afirmar que a inclusão da pessoa jurídica possui razões derivadas de fundamentos diversos, devendo-se ressaltar o fundamento legal e o fundamento econômico.

Primeiramente, as pessoas jurídicas são incluídas no pólo passivo das ações judiciais porque a legislação assim permite. Tal permissão decorre do disposto nos artigos 7º, parágrafo único e 25, §1º do Código de Defesa do Consumidor; e 932, inciso III do Código Civil e Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal, dentre outros.

A Súmula e o Código Civil afirmam, resumidamente, que o empregador é responsável pelos danos causados pelos empregados. Por sua vez, o Código de Defesa do Consumidor dispõe que todos os integrantes da cadeia de prestadores de serviço são responsáveis solidariamente.

Assim, a legislação nacional admite que as ações sejam propostas em face das pessoas jurídicas, eis que estas respondem solidariamente pelos danos causados pelos profissionais que atuam em suas dependências.

Questão interessante que será objeto de análise futura refere-se ao alcance da norma que determina que a solidariedade entre os profissionais e as pessoas jurídicas, conforme exemplo abaixo.

A pessoa jurídica é responsável pelos atos praticados por profissional que apenas utiliza as dependências, sem possuir relação de trabalho ou de subordinação entre eles? Exemplo disso ocorre quando o paciente procura um determinado médico para a realização de certo ato cirúrgico. Este ato cirúrgico poderia ser realizado no Hospital A, no B ou no C. A escolha é que seja feito no Hospital A. Acontecendo o defeito na prestação do serviço, este hospital responde solidariamente?

Importante salientar que não é necessária a inclusão do profissional no pólo passivo da demanda. Isto é, uma vez que o paciente entenda que efetivamente existe a solidariedade no caso concreto, a ação pode ser proposta somente em face da pessoa jurídica.

Isso se torna possível na medida em que a existência de solidariedade permite que o paciente busque a satisfação do seu direito contra um ou contra todos os prestadores do serviço, não havendo a necessidade de todos serem demandados.

Ainda sob o aspecto da legislação, outro ponto que contribui para que as ações sejam propostas em face da pessoa jurídica é a questão da natureza da responsabilidade civil.

Mister se faz esclarecer que é inegável que a prestação do serviço na área da saúde corresponde a uma relação de consumo, onde o paciente é o consumidor e o profissional e a pessoa jurídica são os prestadores de serviço.

Nosso sistema jurídico é baseado na responsabilidade subjetiva, segundo a qual, para que seja atribuída responsabilidade a uma pessoa deve ser apurada a culpa, em qualquer de suas modalidades (imperícia, imprudência ou negligência). Esta é a modalidade de responsabilidade dos profissionais liberais.

Porém, por força do disposto no caput do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade das pessoas jurídicas é objetiva, isto é, independe da apuração de culpa.

Cumpre notar que, após enormes esforços, faz-se crescente na doutrina e na jurisprudência nacional o firme conceito de que, nos casos envolvendo prestação de serviço na área da saúde, em que a pessoa jurídica é demandada por ato praticado por um profissional, antes de se responsabilizar a pessoa jurídica, é necessário que se apure se o profissional agiu com culpa na prestação do serviço ao paciente.

Em suma, a alegação do paciente é que para a responsabilização das pessoas jurídicas bastam que sejam provados o dano e o nexo causal entre o dano do paciente e a conduta do prestador do serviço.

Contudo, repita-se, tem-se conseguido crescente êxito nas ações judiciais argüindo a tese da necessidade de apuração de culpa do profissional, mitigando a aparente fragilidade da pessoa jurídica nas demandas envolvem prestação de serviços na área da saúde.

Portanto, analisando a questão sob a ótica do paciente, este entende estar devidamente amparado pela legislação na busca de eventual indenização, sendo possível propor a demanda em face das pessoas jurídicas.

Há, ainda, além do fundamento legal, o fundamento econômico a justificar a propositura de ações judiciais em face das pessoas jurídicas prestadoras de serviço na área da saúde.

Economicamente, o paciente opta por demandar em face da pessoa jurídica para que tenha mais possibilidade de ver satisfeito o seu direito na hipótese de procedência da ação.

Evidentemente, havendo a condenação dos réus (que é a expectativa do paciente), via de regra, é mais fácil executar a pessoa jurídica do que a pessoa física.

Primeiro porque a dificilmente a pessoa jurídica “sumiria”, tornando difícil a sua localização, ainda que atualmente não seja necessária a citação pessoal para o início da execução. Eventual arrolamento de bens tornar-se-ia menos tormentoso para o paciente-credor.

Segundo porque a pessoa jurídica teria maiores condições de suportar a condenação do que a pessoa física. Isto é, a pessoa jurídica supostamente teria mais fôlego financeiro para pagar o valor da condenação do que a pessoa física.

Com efeito, vale a pena salientar que cabe direito de regresso da pessoa jurídica em face da pessoa física, caso comprovada a responsabilidade do profissional liberal.

Portanto, do ponto de vista econômico a demanda em face da pessoa jurídica possui maiores condições de efetivamente ser satisfeita do que em relação à pessoa física.

Desse modo, percebe-se que o paciente, através do fundamento legal, busca meios de facilitar a procedência da ação, uma vez que, no seu entender, não seria necessário provar a culpa do profissional que efetivamente prestou o serviço em nome da pessoa jurídica e, sob o aspecto econômico, havendo a procedência, a pessoa jurídica possui maior liquidez para pagar o valor da indenização.

Código de Defesa do Consumidor
“Art. 7. (omissis)
Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.”

“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”

“Art. 25 (omissis)
§1º Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções Anteriores.”

Código Civil
“Art. 932 são também responsáveis pela reparação do dano:
III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.”

Supremo Tribunal Federal
“Súmula 341. É presumida a culpa do patrão ou do comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto.”

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

A Importância da Equipe Multidisciplinar da Defesa do Profissional da Área da Saúde

Nos últimos anos, notadamente na última década, pôde-se notar uma maior ocorrência de demandas, judiciais e administrativas, em face de profissionais e empresas que atuam na área da saúde, quais sejam, médicos, dentistas, enfermeiros, clínicas, hospitais, laboratórios, etc.
O crescente número de demandas ocasionou, evidentemente, uma maior procura, por parte dos demandados, de advogados especializados nas matérias relacionadas à área da saúde.
Isso porque, o nível de complexidade das questões discutidas nos processos envolvendo pessoas físicas e/ou jurídicas da área médica requer um profundo conhecimento do advogado que milita nestas contendas, sob pena de, ao invés de dar assistência ao cliente, prejudicá-lo.
Porém, devido ao grande número de processos e à infinidade de matérias da área da saúde abordadas nestes processos, apenas advogados especializados não conseguiriam dar o devido respaldo ao cliente.
Neste sentido, faz-se necessária a presença, dentro dos escritórios de advocacia, atuando conjuntamente com os advogados, de profissionais da própria área da saúde, como médicos, enfermeiros e dentistas, formando, assim, uma equipe multidisciplinar, capaz de efetivamente atender às necessidades do cliente.
Desse modo, o cliente, ao entrar em contato com o escritório, muitas vezes em situação psicológica de profunda angústia, desespero e preocupação, vê-se amparado por profissionais capazes de oferecer não só as corretas orientações quanto às questões legais e processuais da demanda, mas também de orientar e discutir a matéria técnica que deu origem à reclamação.
Importante ressaltar que, além destes profissionais da área da saúde auxiliarem no primeiro contato com o cliente, oportunidade esta em que o cliente procura pelo escritório, eles também acompanham todo o desenrolar da demanda.
Assim, a equipe de profissionais da saúde presta os primeiros esclarecimentos ao cliente, participa da elaboração da defesa, formula, com a técnica necessária, os quesitos a serem respondidos pelo Perito Judicial (por ocasião da realização da prova técnica pericial), acompanha a realização desta prova pericial (através do assistente técnico), bem como desenvolve a manifestação sobre o laudo pericial emitido pelo Perito Judicial.
Com efeito, pode-se concluir que a existência desta equipe multidisciplinar é de vital importância para a satisfação do cliente, uma vez que somente através da conjugação dos esforços e dos conhecimentos dos profissionais de diversas áreas é que se pode oferecer a melhor prestação de serviço ao cliente.
E é justamente isso que a regra de experiência nos mostra: sem o auxílio de profissionais da área da saúde, dificilmente a parte técnica “extra jurídica” dos processos poderia ser realizada com a qualidade necessária a atender os anseios do cliente.
Em sua publicação “Meditações XVII”, o poeta inglês do século XVI John Donne afirma que “nenhum homem é uma ilha, que se basta a si mesma”. Este conceito deve ser considerado dentro dos escritórios de advocacia que militam nos processos envolvendo matérias da área da saúde, não se concebendo acreditar que apenas advogados bastam para a defesa dos interesses do cliente, sendo certo que somente através de uma equipe multidisciplinar pode ser prestado o melhor serviço ao cliente.
Portanto, os escritórios de advocacia não podem (não devem) acreditar que o cliente da área de saúde necessita apenas de advogados, fazendo-se necessária a integração entre os advogados e profissionais daquela área com o fim único de atender as reais necessidades do cliente.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Prova da conduta correta do paciente X Inversão do ônus da prova

Dentro das ações envolvendo responsabilidade civil por má prática médica, em raríssimos casos o Juiz, ao proferir a sentença, analisa se o paciente se portou de forma correta, ante as recomendações médicas. Mesmo durante a instrução processual, em poucos processos vislumbra-se uma indagação quanto à correta conduta do paciente.
Por outro lado, muitas vezes ocorre a inversão do ônus da prova, isto é, o demandado deve provar ou que agiu corretamente ou que não há nexo entre a sua conduta e os danos que o paciente alega ou ainda que o defeito na prestação do serviço deu-se por culpa de terceiro ou do próprio paciente. Se o demandado não conseguir provar alguma dessas excludentes, será responsabilizado civilmente pelos danos reclamados pelo paciente.
De forma simplificada, segundo a lei, mais especificamente o Código de Defesa do Consumidor, pode ocorrer a inversão do ônus da prova quando o estado atual do paciente é visivelmente mais grave do que ao anterior ao ato médico (verossimilhança) ou quando o paciente não possuir condições técnicas de provar que houve alguma falha na prestação do serviço (hipossuficiência).
Porém, será que a inversão do ônus da prova desincumbe o paciente de provar que seguiu todas as orientações médicas? Acredito que não, posto que em relação a estes fatos (cumprimento de seu dever de paciente) não há verossimilhança, tampouco hipossuficiência que permitam concluir pela desnecessidade de prova de sua conduta.
Muito ao contrário. Imputar ao demandado a obrigação de provar que o paciente agiu corretamente torna a relação consumerista e processual completamente desbalanceada, uma vez que o paciente pode obter proveito de uma conduta irregular cometida por ele mesmo.
Exemplos mais comuns disso são os exames laboratoriais e as cirurgias plásticas. Nos exames laboratoriais os pacientes muitas vezes não respeitam o jejum necessário ou mesmo não realizam o correto modo para fornecimento de amostra para análise. Nas cirurgias plásticas, os pacientes não respeitam o determinado pelo profissional e fazem exercícios impróprios, fumam, não usam cintas, faixas, etc.
E, mesmo não cumprindo a sua parte na relação, ingressam com ações judiciais alegando defeito na prestação do serviço e, como não precisam provar que agiram corretamente, saem "vencedores" da lide, eis que foi invertido o ônus da prova e não foi perquirido se a conduta do paciente foi correta.
Desse modo, tem-se que buscar uma conscientização do Poder Judiciário, no sentido de analisar a realidade não só em relação à conduta do prestador do serviço, mas também em relação à conduta do paciente, sendo certo que a inversão do ônus da prova não poderia englobar a conduta do paciente porque não há nem hipossuficiência, tampouco verossimilhança.
Talvez este seja o caminho para a definitiva aceitação e aplicação da teoria da carga dinâmica da prova, segundo a qual, resumidamente, o Magistrado determina que as provas sejam produzidas pela parte que possui capacidade para produzir aquela prova específica, prestigiando-se, assim, também no processo civil a busca pela verdade real.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Justiça Gratuita e Valor da Indenização

Há muito se tem dito que o pedido de assistência judiciária gratuita tornou-se um ardil instrumento para pessoas ingressarem com ações judiciais sem qualquer respaldo fático ou jurídico, posto que, se vencidos, estes autores simplesmente deixam de ganhar com o processo.
Isso porque, nas ações em que o autor é beneficiário da justiça gratuita, a improcedência da ação não acarreta nenhum prejuízo ao autor (não perde nada), sendo que apenas deixa de ganhar o que pleiteou. Em simples palavras, o autor não coloca a mão no bolso, enquanto o demandado teve que contratar advogado, eventualmente pagar para produzir provas, etc.
Também pelo fato de litigarem sob a "proteção" dos benefícios da justiça gratuita, estes autores atribuem à causa valores exorbitantes, uma vez que não terão que arcar com as custas de distribuição. Assim, tanto faz o valor atribuído à causa e, se é pra pedir sem pagar, por que não formular pedido com valor mais alto?
Talvez se os benefícios da justiça gratuita fossem concedidos apenas e tão somente aos que realmente deles necessitam, teríamos menos ações (aventuras jurídicas) e mais arrecadação para o Estado, posto que haveria maior recolhimento de custas, além do que, certamente os valores atribuídos à causa não seriam de ordem de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para mais.
Exemplo disso, tem-se o processo nº 583.00.2006.188539-2, em trâmite perante a 41ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo/SP, onde a autora requereu os benefícios da justiça gratuita e estimou seus danos morais em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). O juiz sabiamente indeferiu o pedido e, então, a autora fez uma nova análise do seu sofrimento moral e percebeu que um pouco menos de R$ 37.000,00 (trinta e sete mil reais) seriam suficientes para indenizar o alegado dano. Ou seja, repentinamente o ressarcimento dos danos morais caiu para menos de 20% do valor inicial...
Este exemplo faz pensar se realmente a Lei 1060/50, que em sua formatação corretamente possibilita que pessoas de menor capacidade financeira tenham acesso ao Poder Judiciário, está sendo bem aplicada ou se está ocorrendo abuso deste direito por parte de pessoas que simplesmente buscam o enriquecimento ilícito através do Poder Judiciário.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Paciente leigo não pode exigir indenização porque interpretou de forma equivocada resultado de exame laboratorial

Em decisão publicada hoje, 17.08.2007, o Juiz da 47ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro julgou improcedente ação movida por paciente em face de laboratório, afastando pretensão de indenização na ordem de 100 (cem) salários mínimos.
Segundo a Autora, o Laboratório teria fornecido resultado incorreto de exame de citopatologia oncótica, uma vez que outros exames posteriores apresentavam resultados diferentes, sendo que este fato teria acarretado danos morais.
O Laboratório alegou que o resultado fornecido correspondia à análise do material, fazendo-se a ressalva de que para se chegar ao diagnóstico seriam necessários exames complementares. Ainda, a interpretação do resultado do exame não deveria ser feita pela própria paciente, leiga no assunto, mas sim pelo médico assistente. Por fim, foi informado ao Juízo que poderia ocorrer a regressão espontânea das alterações celulares no período compreendido entre um exame e outro.
O conjunto probatório confirmou todas as alegações do Laboratório, tendo o Perito atestado, inclusive, que o resultado apresentado pelo Laboratório correspondia ao material analisado. Assim, com base nas provas colacionadas aos autos, a sentença foi pela improcedência da ação, notadamente pelo fato de que resultado de exame não é diagnóstico e que não houve defeito na prestação do serviço por parte do Laboratório.
Dessa decisão ainda cabe recurso.
Processo nº 2002.001.146293-3.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Cirurgia plástica é obrigação de resultado?

Invariavelmente os doutrinadores expressam suas opiniões quanto à natureza da obrigação da cirurgia plástica: se de meio ou se de resultado. Chegam a fazer distinções entre cirurgia plástica estética estritamente estética (embelezadora) e as demais modalidades de cirurgias plásticas.
A primeira pergunta que se coloca é qual o fundamento para esta distinção se todas as cirurgias plásticas envolvem um profissional e um paciente? Ora, a dificuldade existente em uma cirurgia plástica embelezadora é a mesma que se verifica em qualquer outra cirurgia plástica.
Isso porque, de modo bem simples, o comportamento da pele em ambos os casos é imprevisível, não havendo como estabelecer previamente como será este comportamento e as conseqüências da intervenção cirúrgica.
Portanto, em razão das "partes" envolvidas e do "material" trabalhado não há qualquer diferença entre a cirurgia estética embelezadora e as demais cirurgias plásticas.
Importante destacar que os doutrinadores clássicos colocam a cirurgia plástica como obrigação de resultado ao lado da obrigação do engenheiro entregar uma obra ou de um pintor desenhar um quadro. Com a devida escusa, pelos conhecimentos técnico-científicos atuais não se pode, em hipótese alguma, igualar o comportamento da pele ao de uma tela de pintura ou ao de materiais de construção.
Outra pergunta que ainda não foi respondida pelos julgadores e doutrinadores diz respeito à promessa de resultado por parte do cirurgião. Será que os cirurgiões efetivamente prometem resultados? Será que os outros médicos, por exemplo os que atendem em plantões, não afirmam que o paciente vai ficar bem? Será que esta promessa é um compromisso ou meramente uma espécie de conforto, alento para o paciente? E, ainda, será que a promessa do cirurgião, ante a imprevisibilidade do comportamento da pele humana, de que o paciente adquirirá uma certa forma é válida, é possível?
Apesar de todos afirmarem que existiu, quantos julgadores e/ou doutrinadores entraram em um consultório médico para saber se efetivamente houve a promessa de resultado?
Será que a mera presunção de que houve a promessa de resultado é capaz de alçar a cirurgia plástica embelezadora à condição de obrigação de resultado? Isto é, se o profissional explicar ao paciente que irá empregar todos os meios possíveis, sem prometer resultado algum, ainda estaremos diante de uma obrigação de resultado? De quem seria esta prova?
O Conselho Federal de Medicina, através da Resolução nº 1.621/2001, já se pronunciou no sentido de que a cirurgia plástica ainda que embelezadora é obrigação de meio. O Poder Judiciário e a grande maioria dos doutrinadores afirmam ser obrigação de resultado? Quem está com a razão: o CFM, que teoricamente não possui conhecimentos técnicos para distinguir obrigação de meio de obrigação de resultado ou os Juristas que não possuem conhecimento técnico para analisar se a cirurgia plástica embelezadora é diferente das demais?
Alguns juristas dizem que a cirurgia plástica embelezadora não possui finalidade terapêutica. Será que isso é verdade? Será que as pessoas que, via de regra, submetem-se a anastesia geral, pagam elevados valores pelo serviço, têm conhecimento de vários casos em que houve complicações, dentre outras coisas, não possuem nenhuma "patologia"? Será que estas pessoas não sofrem dores na alma por algum motivo? Ou será que elas simplesmente não têm o que fazer e resolvem se submeter a este tipo de tratamento por qualquer "bobeira"?
E ainda, se o sofrimento psicológico que levou estas pessoas a procurarem um profissional não é considerado antes da cirurgia, porque o Poder Judiciário condena os profissionais em danos morais e estéticos? Se a cirurgia é somente embelezadora, presume-se que o paciente se achava "feio". Se ele não ficou bonito, porque a "feiúra" pós cirurgia deve ser indenizada e a "feiúra" pré cirurgia é totalmente desconsiderada?
A questão está ficando tão absurda que os Autores das ações judiciais nem se dão mais ao trabalho de alegar que o profissional prometeu resultado. Tornou-se cálculo matemático: "cirurgia plástica embelezadora = obrigação de resultado", em que pesem os pacientes alegarem expressamente que não estavam satisfeitos com o corpo.
Não há dúvidas de que os Tribunais apresentam entendimento no sentido de que a cirurgia plástica embelezadora é obrigação de resultado, mas será que algum julgado chegou a responder metade destas questões?
Certamente se fossem analisadas estas questões o entendimento jurisprudencial e doutrinário seria de que a cirurgia plástica ainda que meramente embelezadora é obrigação de meio e não obrigação de resultado, conforme, aliás, têm se orientado a doutrina e a jurisprudência francesa.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Laboratório não pode ser responsabilizado por suposta troca de resultados de exames pelo médico assistente

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro decidiu que o laboratório não presta serviço defeituoso se entrega à médica assistente resultado de exame compatível com a amostra encaminhada.

A paciente ingressou com ação judicial pleiteando danos morais em razão de suposta troca de exames laboratoriais, decorrendo disso tratamento medicamentoso desnecessário.

A demanda foi movida em face da médica assistente e do laboratório.

A primeira instância julgou a ação improcedente, considerando que o laboratório entregou à médica assistente resultado de exame relativo à amostra encaminhada pela profissional, sendo que este material pertencia a outra paciente e não à autora. No que diz respeito à médica, a sentença entendeu que as provas demonstraram que a autora não foi atendida pela médica no período afirmado na petição inicial e, assim, não se comprovou que a médica teria trocado os resultados dos exames.

Houve recurso por parte da autora e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro deu provimento em parte à apelação, mantendo a decisão em relação ao laboratório, mas responsabilizando a médica pela suposta troca de exames.

O valor arbitrado a título de danos morais foi de R$ 14.000,00. Desta decisão ainda cabe recurso.

TJ/RJ - Apelação Cível nº 15.321/07

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

A Importância Processual da Documentação Odontológica

Tão qual aconteceu com os profissionais da área médica, cada vez mais se fazem presentes ações judiciais e administrativas em face dos profissionais que atuam na área da odontologia.

Assim sendo, frente a esta nova realidade, os profissionais da odontologia precisam alterar a sua forma de atendimento aos pacientes, principalmente no que tange à documentação.

A documentação odontológica ou prontuário, que compreende toda a documentação produzida durante a realização do atendimento do paciente (fichas clínicas, exames, radiografias, fotografias, modelos, etc.), elaborada pelo cirurgião-dentista, constitui elemento de prova nos processos judiciais e administrativos movidos contra este, constituindo o mais perfeito instrumento de defesa.

Isso porque, nas ações judiciais, o Poder Judiciário entende que algumas especialidades odontológicas constituem obrigações de resultado, ou seja, incumbe ao profissional demonstrar que não agiu com culpa (imperícia, imprudência ou negligência).

Embora não sejamos partidários deste entendimento, uma vez que nos filiamos à parte da doutrina e também da jurisprudência que entende ser a obrigação dos profissionais da odontologia obrigação de meio, não podemos deixar de instruir estes profissionais, a fim de melhorar o atendimento prestado ao cliente e aumentar as chances de êxito nos processos judiciais e administrativos.

Diuturnamente, nossos Tribunais têm decidido processos em que não foi possível o profissional demonstrar que não agiu com culpa porque restou prejudicada a prova pericial, ante a ausência de documentação.

Importante destacar que a prova pericial, nas ações judiciais onde se discute a prestação de serviços odontológicos, é de suma importância para o deslinde do caso, posto que o Perito (profissional com conhecimentos na área odontológica) elaborará parecer analisando, em todos os aspectos, o serviço prestado.

E, em que pese o Juiz não estar adstrito a julgar com base nas conclusões do Perito, certamente a conclusão do Expert terá bastante peso na sentença a ser proferida pelo Magistrado.

Logo, consoante acima mencionado, se o entendimento hoje predominante é o de que, em algumas especialidades odontológicas, incumbe ao profissional provar que não agiu com culpa, e este profissional não possui documentação suficiente para demonstrar todas as medidas tomadas em relação ao paciente (autor da ação), invariavelmente há a condenação do profissional.

No que tange aos processos administrativos perante os Conselhos Regionais de Odontologia, a condenação dos profissionais pode advir da simples ausência desta documentação, eis que o Código de Ética Odontológica (Resolução CFO-42/2003) prevê em seu artigo 5º, incisos VIII, XVI e XVII a necessidade de documentação dos atos praticados e dos atendimentos prestados.
Assim, resta evidente que uma boa documentação do todo ocorrido, revela uma garantia de que o profissional, em caso de ser demandado, terá como comprovar todo o procedimento realizado em relação àquele paciente que move a ação.

Através de várias pesquisas realizadas junto aos profissionais da odontologia percebe-se que alguns destes profissionais não têm conhecimento pleno das normas existentes no Código de Defesa do Consumidor, as quais são aplicadas nas relações entre o prestador do serviço (profissional da odontologia) e o consumidor (paciente). São desconhecidos por parte dos profissionais, por exemplo, a necessidade de informação ao paciente e o prazo prescricional para o paciente ingressar com a ação judicial.

Porém, não basta elaborar a documentação de forma completa e guardá-la corretamente, o profissional deve ter a consciência de que o paciente tem o direito de obter esta documentação, eis que trata-se de direito do paciente previsto no inciso XVI, do art. 5º, do Código de Ética.

Cumpre esclarecer que o profissional deverá arquivar uma cópia de toda documentação daquele paciente que deseja abandonar o tratamento ou continuá-lo com outro profissional, pois a entrega de toda a documentação elaborada pelo profissional ao paciente o deixará sem elementos que provem os tratamentos realizados.

Sem o intuito de esgotar o tema, mas com o firme propósito de mais uma vez alertar os profissionais da odontologia (e de forma indireta todos os profissionais que atuam na área da saúde), faz-se necessário indicar as principais cautelas que devem ser tomadas no que tange à documentação dos pacientes.

Dentre os principais pontos a serem documentados, podem ser citados: o registro da anamnese; a elaboração de ficha clínica; a descrição do plano de tratamento; cópias das receitas prescritas ao paciente; fornecimento de atestados odontológicos; modelos; radiografias; orientações para o pós-operatório; orientações sobre a higienização bucal; e o registro de abandono de tratamento pelo paciente. Preferencialmente, todas as etapas do atendimento e do tratamento devem ser registradas e colhida a assinatura do paciente em cada uma delas.

Portanto, torna-se cada vez mais imprescindível a conscientização dos profissionais da área da odontologia quanto à necessidade de documentação de todo o procedimento realizado junto ao paciente, notadamente pelo fato de que esta documentação, além de ser dever previsto no Código de Ética, também pode ser a principal prova a favor dos profissionais nas demandas judiciais e administrativas (perante os Conselhos Regionais).