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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

A Responsabilidade Subjetiva dos Laboratórios de Anátomo Patologia e Citopatologia

Em que pese a quase unanimidade da doutrina e da jurisprudência entenderem ser objetiva a responsabilidade dos laboratórios, no caso específico de laboratório de anátomo patológico e citopatologia a responsabilidade é subjetiva, quando a questão de discórdia versar sobre a interpretação do material fornecido para análise.

Mister se faz destacar que a presente análise recai apenas e tão somente sobre alegações de erro do resultado do exame, não se adequando ao caso as hipóteses de troca de resultados, atraso na entrega, ou qualquer outra situação que não se relacione direta e exclusivamente com o ato de análise do material.

Impende notar, preliminarmente, que a responsabilidade civil requer a existência de três pressupostos: conduta “inadequada”; dano; e nexo causal entre a conduta e o dano suportado.

O Código Civil impõe, como regra geral, a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Isto é, para que alguém seja responsabilizado é necessário demonstrar que houve culpa do agente. A culpa pode ser por imprudência, negligência ou imperícia.

De forma simples, a imprudência revela uma ação, onde o agente fez algo de forma diferente da que deveria ter feito ou mesmo fez algo que não deveria ter feito. Isto é, teve uma conduta (ação) diferente daquela que era esperada.

A negligência é a desídia, a falta de atenção, caracterizada por uma omissão. O agente deixou de fazer algo que deveria ter feito. Por fim, a imperícia é a falta de conhecimento para a realização da conduta.

Ao contrário do Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor determina como regra a responsabilidade objetiva, segundo a qual não é necessário se apurar se a culpa está presente para responsabilizar o agente. Bastam restar presentes o defeito na prestação do serviço (conduta “indequada”), o dano e o nexo causal entre o dano suportado pelo consumidor para que fosse devida a reparação do dano pelo prestador do serviço.

Estabelece o caput do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor que a responsabilidade das pessoas jurídicas prestadoras de serviço é objetiva. Assim, a responsabilidade dos laboratórios seria objetiva.

A questão da natureza da responsabilidade do laboratório de anátomo patologia e citopatologia torna-se importante na medida em que num caso concreto, caso haja dois resultados divergentes entre si, aplicando-se a responsabilidade objetiva, não se apurará a culpa do profissional que analisou o material.

Contudo, no caso de laboratórios de anátomo patologia e citologia, o resultado do exame não depende de uma análise por uma máquina ou equipamento, mas sim da interpretação por parte de um profissional qualificado para tal conduta.

Destarte, a responsabilidade recai sobre a análise de um profissional, e não de algum equipamento, razão pela qual deve ser aplicada a responsabilidade subjetiva prevista no §4º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece que a responsabilidade dos profissionais liberais é subjetiva e não objetiva (exceção).

Decorrência disso, para que o consumidor tenha acolhido o seu pedido de indenização, necessário se faz estar presente a conduta culposa do profissional que analisou o material fornecido.

Isto é, somente após configurada a culpa do profissional, em alguma de suas modalidades, a saber, negligência, imprudência ou imperícia, é que o laboratório poderia ser responsabilizado.

Tal entendimento decorre da análise da jurisprudência relativa à questão da alegação de “erro” de médico (pessoa física) em ações judiciais em face dos hospitais (pessoa jurídica).

Em decisão ”divisora de águas”, publicada em 22.08.2005, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça se posicionou no sentido de que deve ser apurada a responsabilidade do profissional liberal (médico) para que o estabelecimento de saúde (hospital) possa ser responsabilizado, verbis:

“Superior Tribunal de Justiça

REsp nº 258.389-SP. Relator: Min. Fernando Gonçalves.
Ementa: Civil. Indenização. Morte. Culpa. Médicos. Afastamento. Condenação. Hospital. Responsabilidade objetiva. Impossibilidade.

A responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação técnico-profissional dos médicos que neles atuam ou a eles sejam ligados por convênio, é subjetiva, ou seja, depende da comprovação de culpa dos prepostos, presumindo-se a dos preponentes.
Neste sentido são as normas dos arts. 159, 1521, III, e 1545 do Código Civil de 1916 e, atualmente, as dos arts. 186 e 951 do novo Código Civil, bem com a súmula 341 – STF (É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto).
Em razão disso, não se pode dar guarida à tese do acórdão de, arrimado nas provas colhidas, excluir, de modo expresso, a culpa dos médicos e, ao mesmo tempo, admitir a responsabilidade objetiva do hospital, para condená-lo a pagar indenização por morte de paciente.
O art. 14 do CDC, conforme melhor doutrina, não conflita com essa conclusão, dado que a responsabilidade objetiva, nele prevista para o prestador de serviços, no presente caso, o hospital, circunscreve-se apenas aos serviços única e exclusivamente relacionados com o estabelecimento empresarial propriamente dito, ou seja, aqueles que digam respeito à estadia do paciente (internação), instalações, equipamentos, serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia, etc), e não aos serviços técnicos-profissionais dos médicos que ali atuam, permanecendo estes na relação subjetiva de preposição (culpa).
Recurso especial conhecido e provido para julgar improcedente o pedido.” (original sem destaques).
Nota-se, pela análise da decisão, que se o consumidor ingressou com ação judicial alegando “erro” de médico, o hospital somente será responsabilizado a reparar os danos se for verificado que houve culpa do profissional liberal. Caso não haja culpa do profissional, a pessoa jurídica (hospital) não pode ser responsabilizada.

Igual entendimento deve ser aplicado, por analogia, nos casos em que o consumidor alega “erro” no resultado de exame que a análise do material dependa de um profissional (pessoa física) e não de aparelhos ou equipamentos que devem ser mantidos pelo laboratório.

Portanto, com fundamentos na legislação e na importante decisão acima mencionada, a responsabilidade dos laboratórios de anátomo patologia e citopatologia deve ser classificada como subjetiva, isto é, somente após a constatação de culpa do profissional (pessoa física) que analisou a amostra é que poderá ocorrer a responsabilização civil do laboratório (pessoa jurídica).