SUS e atendimento por diferença de classe
É constitucional a regra que veda, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a internação em acomodações superiores, bem como o atendimento diferenciado por médico do próprio SUS, ou por médico conveniado, mediante o pagamento da diferença dos valores correspondentes.
Admitir que paciente internado pelo SUS tenha acesso a melhores condições de internação ou a médico de sua confiança mediante pagamento subverte a lógica que rege o sistema de seguridade social brasileiro.
Além disso, afronta o acesso equânime e universal às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde. Viola, ainda, os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana1.
A implementação de um sistema de saúde equânime é missão do Estado, que deve buscá-la sempre que chamado a atuar. Dessa forma, deve haver esforços no sentido da promoção da igualdade de acesso, e não em sentido oposto, em clara ofensa à Constituição.
Os atendimentos realizados pela rede pública não devem se submeter à lógica do lucro, por não ser essa a finalidade do sistema. Ainda que os supostos custos extras corram por conta do interessado, a questão econômica ocupa papel secundário dentre os objetivos impostos ao ente estatal.
Há de se ressaltar que o SUS, conforme instituído pela Lei 8.080/1990, estabelece a prestação de serviços públicos de saúde e uma gama de ações de saúde, conforme o art. 2002 da Constituição Federal. É regido pelos princípios da:
a) universalidade, como garantia de atenção à saúde por parte do sistema a todo e qualquer cidadão, por meio de serviços integrados por todos os entes da Federação;
b) equidade, a assegurar que serviços de todos os níveis sejam prestados, de acordo com a complexidade que o caso venha a exigir, de forma isonômica, nas situações similares; e
c) integralidade, reconhecendo cada indivíduo como um todo indivisível e integrante de uma comunidade.
Embora os serviços de saúde devam obedecer a esses princípios, estão limitados pelos elementos técnico-científicos e pela capacidade econômica do Estado.
Além disso, a Constituição não veda o atendimento personalizado de saúde, pois admite o sistema privado. Assim, não há se falar em ferimento ao direito à saúde, tampouco à autonomia profissional do médico.
De igual modo, a diferença de classes dentro do sistema não levaria a maior disponibilidade de vagas na enfermaria, porque há um limite de admissão de pessoas para cada estabelecimento. Assim, todo paciente, mesmo em acomodações superiores, é contabilizado dentro do mesmo sistema público.
Por fim, embora não se olvide que haja precedentes do Supremo Tribunal Federal relacionados ao tema em sentido contrário, destaque-se que os julgados dizem respeito a casos individuais, baseados na situação clínica de pacientes específicos, e grande parte deles se deu na fase de implementação do SUS. Portanto, são circunstâncias diversas da presente situação.
RE 581.488, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 3-12-2015, acordão publicado no DJE de 8-4-2016. (Informativo 810, Plenário, Repercussão Geral)
1 Inteligência dos arts. 1º, III; 5º, I; e 196 da Constituição Federal.
2 “Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: I – controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; II – executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; III – ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; IV – participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; V – incrementar, em sua área de atuação, o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação; VI – fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; VII – participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.”
Fonte: STF
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.