Rol de transtornos da Organização Mundial da Saúde será atualizado em 2015
A advogada e empresária Márcia Rocha, 47, é travesti. Usa próteses de silicone, tem pênis e se autodefine como bissexual. Foi casada duas vezes com mulheres e tem uma filha de 18 anos.
O webdesigner Leonardo Tenorio, 23, nasceu mulher, mas desde a adolescência se sente homem.
Com o uso de hormônio masculino, ganhou barba e esconde os seios sob uma faixa apertada. Agora, ele briga com o plano de saúde pelo direito de fazer uma mastectomia.
Ambos estão prestes a obter uma conquista histórica: deixar de serem classificados como doentes mentais. Hoje, o manual que orienta os psiquiatras considera transexualismo (que passou a se chamar incongruência de gênero) um transtorno.
Mas a nova versão da lista de doenças que orienta a saúde em todo o mundo, a CID-11 (Classificação Internacional de Doenças), editada pela Organização Mundial da Saúde, deverá eliminar isso. Vários comportamentos tidos hoje como transtornos, como o sadomasoquismo e o travestismo fetichista, serão varridos da CID. Outros, como o transexualismo, vão mudar de categoria.
Os trans, por exemplo, vão ganhar um novo capítulo, longe das doenças, que deve reunir outras ``condições relativas à sexualidade``, ainda a serem definidas.
A ordem é ``despatologizar`` o sexo. ``Comportamentos sexuais que são inteiramente privados ou consensuais e que não resultem em danos às outras pessoas não devem ser considerados uma condição de saúde. Não há razão para isso``, disse à Folha Geoffrey Reed, diretor de saúde mental da OMS.
Reed esteve em São Paulo em encontro para discutir pesquisas e análises que serão feitas no país sobre as novas propostas. No Brasil, a coordenação dos trabalhos é da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Segundo Reed, a ideia é reduzir preconceitos e facilitar o acesso a terapias a quem realmente precisa delas. ``Por que nós, trans, precisamos de um diagnóstico? Por que precisa de um médico para dizer que a pessoa é o que ela é? Nosso direito de autonomia é totalmente ceifado com essa atual patologização``, diz Tenorio, presidente da Associação Brasileira de Homens Trans.
POLÊMICA
A questão, porém, é complexa. Existe o temor que ao, perder a classificação de doença, esses comportamentos deixem de ser cobertos pelos sistemas de saúde. No Brasil, por exemplo, os transgêneros têm direito a cirurgias de mudança de sexo e outras terapias no SUS.
``Estamos analisando o impacto nas leis da mudança de diagnóstico como um todo para evitar qualquer eventual prejuízo ao acesso aos serviços de saúde``, afirma a psiquiatra Denise Vieira, uma das coordenadoras brasileiras da revisão da CID na área de saúde sexual.
Para a cirurgia de troca de sexo no SUS, por exemplo, a pessoa precisa ser avaliada, dois anos antes, por uma equipe de psiquiatra, cirurgião, psicólogo, endocrinologista e assistente social.
Segundo os médicos, o cuidado é porque, se feita em pacientes sem o diagnóstico de transexualismo, pode resultar em distúrbios psíquicos graves e até levar ao suicídio. Mas a burocracia só ocorre no SUS, segundo a advogada Márcia Rocha, que estampa em seu registro profissional o nome de Marcos Fazzini da Rocha.
``Quem tem dinheiro consegue colocar ou tirar o que quiser``, afirma ela, integrante da comissão de direitos da diversidade sexual e combate à homofobia da OAB/SP, citando os próprios seios.
CRIANÇA TRANS
Outra polêmica em curso é o diagnóstico da criança trans. Há grupos que defendem que elas não sejam rotuladas como tal na infância porque estudos mostram que, no futuro, muitas tendem a ser gays ou lésbicas, e não transexuais.
Para o psiquiatra Jair de Jesus Mari, professor titular da Unifesp, ainda há várias questões no campo da sexualidade que devem ser levantadas até a conclusão da revisão da CID-11, prevista para ser publicada em 2015.
``Não há um conceito biológico claro do que são transtornos mentais ou de sexualidade. Não vamos dar conta de toda a complexidade do comportamento humano.``
Fonte: Folha de S.Paulo / Cláudia Collucci
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.