Discriminação é mais frequente nos locais de trabalho. Trinta e uma pessoas afirmam ter sido despedidas por estarem infectadas. Mas é a discriminação nos serviços de saúde que é mais surpreendente.
Três décadas a conviver com a infecção VIH/Sida não chegaram para acabar com o problema da discriminação em Portugal. O primeiro estudo para avaliar o estigma que persiste relativamente a pessoas portadoras do vírus permitiu perceber que a discriminação ainda é frequente, tanto nos locais de trabalho como nos estabelecimentos de ensino, e mesmo nos serviços de saúde onde os doentes são tratados.
Algumas das conclusões do Stigma Index Portugal, que inquiriu 1062 pessoas infectadas com VIH/Sida, são surpreendentes: cinco mulheres disseram ter sido coagidas, por técnicos de saúde, a interromper a gravidez, 45 foram pressionadas para fazer a esterilização e 84 garantiram que lhes aconselharam a não ter filhos.
Foi justamente a discriminação nos serviços de saúde que mais impressionou o coordenador deste estudo e director do Centro Antidiscriminação (CAD), Pedro Silvério Marques: “É mais grave porque os profissionais de saúde têm a obrigação de estar mais informados”. Como é que ainda é possível haver quem aconselhe mulheres infectadas com VIH/Sida a abortar numa altura em que se sabe que o risco de transmissão do vírus é “praticamente nulo”, pergunta.
Mas há mais. Apesar de só 3% dos inquiridos afirmarem ter sentido discriminação por parte dos profissionais de saúde, nos 12 meses anteriores à realização do inquérito, 8,6% disseram que lhes foram recusados alguns cuidados de saúde. “Face à realidade actual da infecção, não se compreende este tipo de reacções por parte de profissionais de saúde”, insiste Silvério Marques.
No entanto, é nos locais de trabalhos que as queixas de discriminação são mais frequentes. Um terço do total dos inquiridos que foram despedidos (a maior parte estava desempregada) apontou “como razão [para o despedimento] o facto de viverem com VIH”. São 31 pessoas. Além disso, 56 garantiram que lhes foi recusada uma oportunidade de trabalho por esse motivo e 197 relataram que lhes alteraram as funções no local de trabalho. Os resultados do inquérito indicam que “20% dos patrões, 18% dos clientes e 13% dos colegas de trabalho tiveram atitudes discriminatórias ou muito discriminatórias”.
O problema também se faz sentir nos estabelecimentos de ensino. Dezasseis inquiridos disseram ter sido impedidos de frequentar um estabelecimento de ensino por terem VIH/Sida e dois afirmaram que os seus filhos foram excluídos de escolas, por sua causa, por serem portadores do vírus.
"Preferiram calar-se"
Silvério Marques esclarece que todos os inquiridos que afirmaram ser vítimas deste tipo de discriminação têm mais de 24 anos, o que faz pensar que em causa estarão "estabelecimentos de ensino para adultos, de ensino técnico ou recorrente ou cursos de formação profissional". Este esclarecimento seguiu-se à reacção do vice-presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, que, confrontado com a notícia, garantiu “ter a certeza” de que as escolas públicas portuguesas não estão a recusar alunos com VIH/Sida ou filhos de pais com esta doença.
A maior parte dos inquiridos que dizem ter sido vítimas de discriminação decidiu não se queixar. Uma das perguntas que se fazia aos inquiridos, que responderam sob garantia de anonimato, era a de se queriam algum apoio ou acompanhamento do CAD. “ Preferiram calar-se, ou porque não acreditam no sistema ou porque não se querem expor mais”, explica Silvério Marques.
A discriminação faz-se sentir ainda no âmbito familiar e da comunidade. Alguns dos inquiridos disseram mesmo ter sido forçados a mudar de casa. “Há pessoas que são postas na rua pela família, há familiares que se recusam a sentar à mesa [com infectados]”, relata o coordenador do estudo.
Silvério Marques defende, a propósito, que a legislação antidiscriminação poderia ser melhorada, incluindo-se um artigo sobre a discriminação em ambiente familiar ou social e abrindo a porta a que estes casos fossem considerados crimes públicos, de forma a que qualquer pessoa os possa denunciar. O CAD recebe em média 25 queixas por ano.
Projecto internacional que em Portugal foi coordenado pelo Centro Antidiscriminação, com a associação SER+ e o Grupo Português de Activistas sobre Tratamentos de VIH/Sida, este estudo foi financiado pelo Programa ADIS-SIDA. Os locais de entrevistas foram os hospitais e centros hospitalares de Lisboa, Porto, Setúbal e Faro, os distritos em que a prevalência dos casos notificados até 31 de Dezembro de 2011 era superior a 5%, além de várias associações que trabalham nesta área.
Fonte: www.publico.pt
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.