A Justiça do Reino Unido começou nesta segunda-feira (16/12) a discussão final sobre o direito de morrer. A Suprema Corte britânica vai decidir se a lei que veda o suicídio assistido e a eutanásia no país viola a Convenção Europeia de Direitos Humanos, que prega o respeito à vida privada de cada um. Serão quatro dias de depoimentos e a decisão final será anunciada só no próximo ano.
Do julgamento, podem sair dois veredictos e, nos dois casos, a bola passa para o Parlamento britânico. Se os juízes decidirem que escolher a hora de morrer é um direito de todos, os parlamentares terão de aprovar nova legislação regulamentando a eutanásia e o suicídio assistido. Caso contrário, só mesmo os deputados poderão modificar a lei em vigor e descriminalizar a prática.
Atualmente, o suicídio assistido é crime na Inglaterra. Em 1961, foi aprovado o chamado Suicide Act 1961, que descriminalizou a tentativa e o suicídio consumado, mas reforçou que aquele que aconselha ou colabora para que outra pessoa se mate tem de ser punido. Desde então, o assunto vem sido levantado nos tribunais pelo país.
O apelo que está sendo julgado pela Suprema Corte foi proposto por três pessoas que compartilham histórias muito parecidas. A mais famosa é do engenheiro Tony Nicklinson, que ficou conhecido em toda a Inglaterra pela sua longa batalha judicial para poder morrer de maneira digna, com uma injeção letal. Ele sofreu um derrame em 2005 e, como sequela, ficou mudo e sem nenhum movimento no corpo. Nicklinson morreu de pneumonia em agosto do ano passado, depois de ver fracassar mais um pedido judicial para tomar injeção letal. Quem assumiu sua briga e levou o caso para a Suprema Corte foi sua mulher, Jane Nicklinson.
Reforçam a luta pelo direito de morrer outros dois tetraplégicos — Paul Lamb, que ficou preso a uma cadeira de rodas depois de um acidente de carro, e um homem chamado apenas de Martin, que tem tido sua identidade preservada.
Tarefa legislativa
No dia 31 de julho, a Corte de Apelação rejeitou recurso de Nicklinson e manteve a jurisprudência dominante sobre o assunto, que prega que só o Parlamento pode autorizar a eutanásia. Na ocasião, o tribunal decidiu por unanimidade que só os parlamentares podem decidir questões sensíveis que envolvam valores culturais e morais. Foi assim com o aborto, que hoje é permitido na Inglaterra, e com a pena de morte, abolida há quase 50 anos.
“O Parlamento representa a consciência da nação. Os juízes, não. A nossa responsabilidade é encontrar os princípios legais pertinentes e aplicar a lei”, argumentou Lord Judge, autor do voto condutor. Mesmo entendimento já tinha sido adotado pela Corte Superior de Justiça, em agosto de 2012.
A Corte de Apelação também teve de analisar a clareza de um guia sobre o assunto feito pelo Ministério Público em 2010, que orienta os promotores sobre quando processar alguém por suicídio assistido. De acordo com o manual, o MP não deve processar quem ajudou outra a se suicidar quando a assistência foi motivada por misericórdia, quando o suicida já tomou a decisão conscientemente e não foi encorajado por ninguém.
Os juízes de apelo consideraram que não está claro se é fundamental que quem ajuda o suicida tenha algum vínculo afetivo com ele. Determinaram que o MP esclarecesse esse ponto. O Ministério Público recorreu e, agora, a Suprema Corte também vai analisar a clareza do manual.
O esclarecimento é importante principalmente para pessoas que querem viajar para os únicos quatros países europeus onde o suicídio assistido é permitido (Suíça, Holanda, Bélgica e Luxemburgo), mas precisam de ajuda para deixar a Inglaterra. Martin, um dos homens que levou à discussão a Suprema Corte, quer viajar para a clínica de suicídio assistido Dignitas, na Suíça, mas não tem nenhum parente ou amigo disposto a levá-lo. Ele pede a garantia de que, se for acompanhado por um enfermeiro, este não vai ser processado.
O suicídio assistido também está sendo discutido na Corte Europeia de Direitos Humanos. Em outubro, a câmara principal de julgamentos decidiu analisar o recurso de uma idosa que mora na Suíça e quer morrer. Embora não exista nenhuma lei no país que restrinja o direito ao suicídio assistido, manual de ética dos médicos diz que só pacientes em estado terminal ou com sequelas graves podem receber injeção letal. A idosa que apela não está doente, mas se diz cansada de viver. Ainda não há data prevista para a conclusão do julgamento.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.