Tribunal de Justiça de São Paulo começa a aplicar penalidades a operadoras que tentaram se livrar de condenações por negar coberturas
Operadoras de planos de saúde começaram a ser multadas por má-fé no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), o maior do Brasil. As condenações têm ocorrido em casos nos quais as empresas se negam a cobrir algum tipo de tratamento ou reajustam indevidamente mensalidades – como aplicar aumentos maiores para idosos.
Na maioria das vezes, as empresas são multadas por questionarem entendimentos do Tribunal que, de tão majoritários, são estabelecidos em súmulas – por exemplo, a que obriga planos a cobrirem o stent (tubo que evita entupimento das artérias) quando o paciente passa por uma cirurgia vascular ou cardíaca. As súmulas servem justamente para evitar que os desembargadores tenham de decidir várias vezes sobre o mesmo tema.
Para alguns desembargadores, tais questionamentos servem apenas para atrasar o fim de julgamentos em que as operadoras seriam, invariavalmente, condenadas e, por isso, são entendidos como litigância de má-fé. Na maioria dos casos as multas são relativamente pequenas: 1% do valor da causa.
Mas, no caso mais emblemático até agora, a Amil – maior grupo de saúde suplementar do País – terá de pagar, além do 1%, R$ 1 milhão por negar atendimento a um cliente no momento em que ele sofria um infarto. O dinheiro vai para o Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), por decisão do desembargador Teixeira Leite. Ele não quis conceder entrevista.
A Amil argumentou que o beneficiário havia contratado o plano menos de dois anos antes, e por isso, estava em período de carência. Essa exigência, além de ilegal, é contrária ao entendimento majoritário do Tribunal. A própria Amil já havia sido condenada em outros oito casos, citou o magistrado. A condenação foi mantida em julgamento na quinta-feira (12).
“A família deixou um cheque-caução no hospital e conseguimos a liminar [garantindo o atendimento], mas ficou com receio e transferiu o paciente para um hospital público”, diz Ricardo Augusto Morais, advogado do beneficiário.
Em nota, a Amil afirmou que a decisão é um “desrespeito à legislação vigente”.
Contra súmulas
A aplicação de penas por litigância de má-fé é algo novo. Em 2013, fora o caso da Amil, houve ao menos outras 35 condenações em que súmulas do TJ-SP e litigância de má-fé estão entre os temas principais, segundo levantamento da reportagem. Em 2012, apesar de oito casos semelhantes terem sido analisados, eles não resultaram em multa ou levaram à extinção da pena que havia sido estabelecida por juízes de primeira instância.
E, por enquanto, a maioria das multas têm sido aplicadas pela 10 ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, em casos relatados pelo desembargador José Paulo Camargo Magano, que não quis comentar o assunto.
A litigância de má-fé começou a ser mais punida agora porque as súmulas do TJ sobre planos de saúde são recentes – oito foram editadas em 2012 e sete, em 2013. A análise é de Rafael Robba, do Vilhena e Silva Advogados Associados.
“O TJ-SP tende a pacificar esse entendimento e aplicar a litigância de má-fé como uma forma de inibir recursos contra súmulas”, afirma. “Já percebi que outras Turmas têm aplicado [as multas]``.
Stent e reajuste
Entre as multas analisadas pelo iG, a súmula sobre stent foi a mais citada – aparece em 11 dos 35 casos . O entendimento de que a operadora tem de arcar com esse equipamento está tão pacificado que, em fevereiro de 2012, o TJ-SP editou súmula sobre o assunto.
A regra, entretanto, foi usada para justificar a punição por litigância de má-fé envolvendo outras próteses. Em julho deste ano, a Unimed de Jundiaí (SP) foi punida em 1% do valor da causa por tentar se livrar da obrigação de cobrir o pagamento de uma prótese para uma operação no joelho.
Outro tema recorrente (cinco das 35 condenações) é a negativa de tratamento que não esteja estabelecido na relação mínima de procedimentos a serem cobertos pelos planos, alvo de súmula de fevereiro de 2013. Em novembro, o TJ-SP manteve a condenação à Unimed Paulistana por ter negado uma cirurgia com videolaparoscopia a um beneficiário. A multa foi a mesma.
Sócia da área Cível do Nomura, Riva, Luz Bressanin e Yoon – escritório que tem uma grande operadora entre seus clientes –, a advogada Tatiana Tibério Luz questiona as multas por má-fé, em referência às penalidades estabelecidas por causa do reajuste por faixa etária de planos de saúde de idosos.
“Não me parece que os recursos interpostos pelas operadoras de plano de saúde seriam manifestamente protelatórios. Isso porque o reajuste aplicado por mudança de faixa etária, é admitido em alguns casos, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça”, diz.
A Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde) e a Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), representantes do setor, não quiseram comentar. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) – procurada na véspera da publicação da reportagem – informou não ter informações suficientes para se pronunciar, neste momento, sobre a questão.
A Unimed Jundiaí disse acreditar que as condenações podem ser revertidas e informou que ``pauta sua conduta no contrato firmado entre as partes, bem como no absoluto respeito aos beneficiários do plano de saúde``. A Unimed Paulistana informou que não se pronunciaria por não haver uma decisão definitiva.
Veja a lista das súmulas
Súmula 90: Havendo expressa indicação médica para a utilização dos serviços de “home care”, revela-se abusiva a cláusula de exclusão inserida na avença, que não pode prevalecer.
Súmula 91: Ainda que a avença tenha sido firmada antes da sua vigência, é descabido, nos termos do disposto no art. 15, § 3o, do Estatuto do Idoso, o reajuste da mensalidade de plano de saúde por mudança de faixa etária.
Súmula 92: É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita o tempo de internação do segurado ou usuário (Súmula 302 do Superior Tribunal de Justiça).
Súmula 93: A implantação de “stent” é ato inerente à cirurgia cardíaca/vascular, sendo abusiva a negativa de sua cobertura, ainda que o contrato seja anterior à Lei 9.656/98.
Súmula 94: A falta de pagamento da mensalidade não opera, per si, a pronta rescisão unilateral do contrato de plano ou seguro de saúde, exigindo-se a prévia notificação do devedor com prazo mínimo de dez dias para purga da mora.
Súmula 95: Havendo expressa indicação médica, não prevalece a negativa de cobertura do custeio ou fornecimento de medicamentos associados a tratamento quimioterápico.
Súmula 96: Havendo expressa indicação médica de exames associados a enfermidade coberta pelo contrato, não prevalece a negativa de cobertura do procedimento.
Súmula 97: Não pode ser considerada simplesmente estética a cirurgia plástica complementar de tratamento de obesidade mórbida, havendo indicação médica.
Súmula 99: Não havendo, na área do contrato de plano de saúde, atendimento especializado que o caso requer, e existindo urgência, há responsabilidade solidária no
atendimento ao conveniado entre as cooperativas de trabalho médico da mesma operadora, ainda que situadas em bases geográficas distintas.
Súmula 100: O contrato de plano/seguro saúde submete-se aos ditames do Código de Defesa do Consumidor e da Lei n. 9.656/98 ainda que a avença tenha sido celebrada antes da vigência desses diplomas legais.
Súmula 101: O beneficiário do plano de saúde tem legitimidade para acionar diretamente a operadora mesmo que a contratação tenha sido firmada por seu empregador ou associação de classe.
Súmula 102: Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.
Súmula 103: É abusiva a negativa de cobertura em atendimento de urgência e/ou emergência a pretexto de que está em curso período de carência que não seja o prazo de 24 horas estabelecido na Lei n. 9.656/98.
Súmula 104: A continuidade do exercício laboral após a aposentadoria do beneficiário do seguro saúde coletivo não afasta a aplicação do art. 31 da Lei n. 9.656/98.
Súmula 105: Não prevalece a negativa de cobertura às doenças e às lesões preexistentes se, à época da contratação de plano de saúde, não se exigiu prévio exame médico admissional.
Fonte: Vitor Sorano - Portal iG
Espaço para informação sobre temas relacionados ao direito médico, odontológico, da saúde e bioética.
- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.