Inspiradas por casos de sucesso como a PatientsLikeMe e ZocDoc, plataformas online crescem no setor e revolucionam o modo de "fazer saúde"
Com quase 20 anos de profissão, a médica Leandra Resende De Carneiro recorda-se quando se deparou com um caso atípico: uma lesão perianal tumoral. A biópsia não indicava a existência de um tumor maligno e, na dúvida, Leandra expôs o caso a outros especialistas da área a fim de discutir a conduta ideal, tanto cirúrgica quanto de acompanhamento do paciente. E assim buscou opiniões de médicos que, como ela, estão conectados pela rede social WProcto – espaço destinado a profissionais da área de coloproctologia no Brasil e no mundo -, onde compartilham vídeos e fotos de casos clínicos. E não foi apenas desta vez, também houve ocasiões em que a resposta ao tratamento da Doença de Crohn (inflamação crônica do intestino) não foi satisfatória, e então recorreu aos colegas de web. “A experiência clínica de outros ajuda muito na opção por determinadas doses de medicação ou mesmo na escolha por aquela que têm dado certo”, conta ela, que é cirurgiã geral da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (MG).
Leandra está entre os 94 milhões de brasileiros que utilizam a internet e mídias sociais, aponta o Ibope, número que coloca o País à frente dos Estados Unidos e das demais nações do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, na sigla em inglês). A diferença dela em relação aos usuários comuns é que as ferramentas digitais passaram a ser fundamentais no exercício de sua profissão, participando ainda das redes DoctorsWay, Med1, Ology, Youdoc! e RadUniverse – todas dedicadas à classe médica. É disso que as plataformas digitais em Saúde se tratam: prover à comunidade de profissionais do setor um canal de colaboração, informação e conhecimento, a partir de redes sociais, fóruns, blogs, sites e aplicativos para dispositivos móveis. Mais do que isso, as ferramentas virtuais expandem o alcance dos pacientes a conteúdos especializados, auxiliam na busca por serviços e tratamentos de qualidade e no diálogo com pessoas que vivenciam experiências semelhantes. E por que não falar da possibilidade de interação entre médicos e pacientes em consultas online?
Todas essas possibilidades já impactam – e tudo indica vão impactar cada vez mais – a qualidade dos serviços, as relações e os negócios no setor, como aconteceu no mercado norte-americano, onde a mobilidade, a internet e as mídias sociais transformaram a natureza e a agilidade da interação entre consumidores e organizações. Na vanguarda do movimento, destaca-se a PatientsLikeMe, que inspirou e tem inspirado novas iniciativas em todo o mundo. Fundada em 2004, a rede conecta pessoas que possuem a mesma doença ou condição de saúde e, ao publicarem dados reais sobre sintomas e tratamentos para mais de 1,5 mil enfermidades, os usuários criam uma base de dados que brilha aos olhos de pesquisadores, farmacêuticas, entidades regulatórias e grupos médicos.
No Brasil, não faltam exemplos de comunidades virtuais que, de 2011 para cá, têm gerado novos serviços e experiências. Entre elas, figura a start-up DoctorsWay, exclusiva para médicos, que ao completar dois anos de funcionamento aproxima-se dos 5 mil usuários e deve dobrar esse número até o final de 2013. Já o HelpSaúde, diretório que lista mais de 1,5 milhões de profissionais e estabelecimentos de saúde, registrou 32 milhões de pessoas que utilizaram a plataforma, desde o seu lançamento. Tem dado tão certo que a empresa já recebeu aportes de dois fundos de investimentos (Astella Investimentos e, mais recentemente, Kaszek Ventures) e estreou, no final do ano passado, o agendamento de consultas online.
Discutível, mas irreversível
Mas, como toda novidade, as plataformas digitais têm desafiado a Saúde a formular novas perguntas e, rapidamente, elaborar respostas a elas. Os debates compreendem dilemas éticos, veracidade do conteúdo distribuído na internet, desafios tecnológicos e de segurança da informação, habilidades de gestão corporativa e novo perfil do consumidor. E tem mais: a consolidação das redes sociais na Saúde brasileira e a democratização do conhecimento forçam quebras de paradigmas.”O nível de adoção hoje das plataformas eletrônicas no Brasil é bastante básico.
As pessoas já estão nas redes sociais, no entanto, os pacientes ainda não estão educados a buscar informação, e os médicos, por sua vez, desconhecem os benefícios que elas trazem, ou têm medo de que as atividades na internet conflitem com a conduta ética e legal da profissão”, explica o empreendedor e fundador do EmpreenderSaude, organização brasileira de fomento e apoio à inovação no setor, Vitor Asseituno.O médico identifica as restrições impostas pelo próprio Conselho Federal de Medicina (CFM) quanto à interação entre profissionais e pacientes na internet como barreira à expansão das ferramentas digitais, principalmente aquelas que propõem a troca de informações entre os dois públicos e agendamento de consultas online.
Tais limitações, segundo o especialista, têm sido discutidas entre as entidades regulatórias e devem sofrer ajustes, ou mesmo revogação. “O segmento está ganhando mais consciência sobre o assunto e percebendo que não pode coibir os médicos de utilizar os novos recursos de colaboração”, afirma Asseituno.As relações virtuais entre médicos e pacientes também geram preocupação para o cofundador da DoctorsWay Renato Campanati Vieira, que concebeu a plataforma com o propósito de conectar a comunidade médica para compartilhar e discutir casos clínicos, esclarecer diagnósticos e expandir o conhecimento.
O conteúdo é produzido por colaboradores – cerca de 45 médicos dos maiores centros do Brasil e do mundo – e, para participar, o usuário é obrigado a informar o CRM. “O foco é 100% profissional, não abrange o público leigo, até por conta de algumas características do nosso código médico”, confirma o empreendedor, que recomenda cautela e amadurecimento das discussões mais sensíveis.”Já estivemos duas vezes no CFM apresentando a DoctorsWay e fizemos alguns ajustes para que a rede seja o mais ética possível”, conta Vieira. “Hoje, converso com médicos de outros estados por meio da DW Consulting, fórum em que o usuário faz a sua pergunta, escolhe as especialidades que podem opinar, anexa imagens clínicas para auxiliar na avaliação e aguarda as respostas.
O espaço já tem mais de 230 perguntas”, comemora ele. A rede também está disponível em um aplicativo recém-lançado para Android e iOS.Enquanto o uso das mídias sociais estritas à comunidade médica parece mostrar mais aceitação no contexto brasileiro, as possibilidades que se estendem ao público em geral evocam dúvidas. Um dos pontos de atenção refere-se a bancos de dados desatualizados ou alimentados por cadastros duvidosos de profissionais que, por exemplo, nunca exerceram a medicina, defende o cofundador da DoctorsWay. “Alguns sites fornecem ranqueamento de médicos por qualidade e preço, o que o CFM também evita”, pontua ele.Esta preocupação influencia diretamente a HelpSaúde, cujo propósito e modelo de funcionamento dependem da qualidade da base de dados que disponibiliza aos mais de 250 mil pacientes cadastrados. Com cerca de 10 mil profissionais registrados que compartilham suas agendas na plataforma de busca e agendamento online, o site gerou mais de 7 mil consultas em julho e previa atingir a marca de 10 mil consultas confirmadas em agosto. “As bases que consultamos são as oficiais, como a do Ministério da Saúde, logo os dados estão corretos por natureza. Nunca tivemos problemas de dados equivocados ou perfis falsos. E ainda checamos as informações solicitando cópias de carteiras profissionais”, esclarece o fundador e CEO da HelpSaúde, Gustavo Guida Reis.
Organizações e profissionais de saúde questionam ainda a credibilidade do conteúdo compartilhado em sites não monitorados, além do risco de transmissão de informações privadas e confidenciais – por exemplo, o compartilhamento de dados sobre pacientes ou empregadores por parte dos colaboradores. Uma preocupação que, na opinião do coordenador do projeto GenteComoEu, João Sebastian do Amaral, esconde um obstáculo quanto ao acesso ao conhecimento. “Disponibilizar a informação é, antes de mais nada, um processo de equalização do poder. Ou seja, quanto mais acessível à sociedade, mais balanceadas serão as relações, já que o poder se dilui”, indica o consultor.
No GenteComoEu, há poucos meses no ar (ainda em fase de testes), pacientes que sofrem de doenças crônicas, familiares, médicos, cuidadores, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, entidades e associações ganharam um espaço de relacionamento, diálogo e troca. Idealizada e gerenciada por uma equipe de profissionais de comunicação, marketing e tecnologia com experiência em saúde, a rede permite que os usuários publiquem conteúdo, contem suas histórias e sirvam de inspiração para portadores de enfermidades menos conhecidas e que carecem de informação e pesquisas, como esclerose múltipla.Um dos supostos efeitos negativos da ampliação do conhecimento pelo paciente seria a automedicação, argumento que Asseituno rebate com veemência: “essa possibilidade já existe sem as redes sociais.
Quem quiser se automedicar, fará isso. O que precisa haver é uma mudança na regulação – e isso já está acontecendo, como foi com antibióticos, por exemplo – para dificultar o acesso a medicamentos que não podem ser usados sem prescrição”.Os impactos desse movimento, segundo Asseituno, são difíceis de prever. No entanto, o acesso à informação já produz efeitos, pois agora o paciente, antes de procurar um médico, checa o histórico profissional dele e chega para a consulta mais engajado, ciente de sua doença. Ele pergunta se pode tentar determinado tratamento que algumas pessoas já experimentaram e compartilharam na rede social da qual participa. “Fica muito feio para o médico dizer ao paciente que não sabe do que ele está falando. Isso incomoda alguns profissionais. Agora eles precisam tomar a melhor decisão possível junto com o cliente”, diz Asseituno.
Modelo de Negócio
Para se sustentarem, as mídias sociais na Saúde têm explorado, inicialmente, o formato de patrocínio, o que tem chamado a atenção de empresas farmacêuticas. Mas no HelpSaúde, por exemplo, o profissional que deseja ter serviços adicionais tem a opção de pagar uma mensalidade para acessá-los. A DoctorsWay, por sua vez, aposta em parcerias com empresas que queiram incentivar e promover a educação médica continuada, além de já se aventurar na venda de informações a partir de um braço dedicado a pesquisas de mercado. As divergências de opiniões e a desorganização do setor para reduzir os riscos que as plataformas digitais apresentam atrapalham, mas não impedem o surgimento de novas iniciativas. Asseituno, do EmpreenderSaúde, prevê: “alguns empreendedores estão desenvolvendo ferramentas adotadas em países como os Estados Unidos conscientes das limitações e esperançosos de que as regras [aquelas determinadas pelo CFM] vão mudar. Vai ser questão de acertar as arestas”.
Fonte: SaúdeWeb
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.