O Conselho Federal de Medicina (CFM) anunciou nesta quinta-feira (12) que poderá adotar medidas judiciais nas esferas comum e ético-profissional contra os responsáveis pela situação na qual se encontram os hospitais federais do Rio de Janeiro. A decisão partiu do Plenário do CFM após denúncia da Defensoria Pública da União (DPU) de que 13 mil pessoas estão à espera de cirurgia nestas unidades, colocando pacientes e cidadãos em situação de risco de morte. Os conselheiros federais aprovaram nota pública (leia abaixo), na qual informam que convocarão os gestores médicos destas unidades a dar esclarecimentos e solicitarão à Defensoria acesso à integra do relatório.
Segundo o DPU, o tempo de espera por um procedimento chega, em alguns casos, há sete anos. Do grupo de pacientes prejudicados, constam 730 crianças que aguardam atendimento em diferentes especialidades (cirurgias vasculares, cardíacas, neurológicas e ortopédicas a urológicas, oftalmológicas e torácicas). Na avaliação do CFM, a situação resulta de problemas profundos e graves de falta de financiamento e de gestão incompetente do Sistema Único de Saúde (SUS).
“Estes problemas escondem interesses inconfessáveis do governo no sentido da implantação de modelos exóticos de administração por meio de fundações e da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), por exemplo”, ponderou o 2º vice-presidente do CFM, Aloísio Tibiriçá. Para ele a rede federal deveria ser uma referência nos estados e municípios, mas, “ao contrário disso, os fatos comprovam que o Governo Federal tem abandonado a saúde pública, a começar pelos seus hospitais”. Tibiriçá, que também é conselheiro do Cremerj, afirma ainda que é notável o desrespeito aos médicos e outros profissionais da saúde, que sofrem com baixos salários e ausência de perspectivas de carreira, o que leva à rotatividade e escalas incompletas.
Levantamento recente do Conselho de Medicina aponta, por exemplo, que o Governo Federal tem executado mal o orçamento disponível para a saúde. Ao longo de 12 anos, cerca de R$ 94 bilhões do orçamento federal deixaram de ser gastos. Pouco menos da metade (R$ 40 bilhões) seriam utilizados em investimentos. Outro trabalho feito pelo CFM, o qual foi usado pela Defensoria Pública da União em seu relatório, aponta que o fechamento de leitos tem atingido a oferta de assistência em todo país. Desde 2010, quase 13 mil leitos foram desativados na rede pública de saúde em todo o país, sendo mais de 4.600 deles só no estado do Rio de Janeiro.
Luta do Cremerj - A denúncia da Defensoria carioca dialoga com o trabalho que tem sido feito ao longo dos últimos meses pelo Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj). Nas visitas realizadas às unidades, o Cremerj constatou o quadro de sucateamento e abandono desses hospitais, responsáveis diretos pela assistência de milhares de pacientes.
Na semana passada, conselheiros do Cremerj se reuniram com representantes do Ministério da Saúde no Estado para exigir uma solução definitiva para os problemas. “Esta realidade nos preocupa porque, em visitas e fiscalizações, está claro que a situação é gravíssima. Se não houver contratação imediata de médicos e demais profissionais, o que já é grave vai piorar, porque mais serviços serão fechados”, declarou o presidente do Cremerj, Sidnei Ferreira.
Nas seis unidades federais no Rio (Hospital da Lagoa, Cardoso Fontes, de Bonsucesso, de Ipanema, do Andaraí e dos Servidores), é comum encontrar situações de falta de leitos, problemas de instalações, falta de equipamentos e insumos. Os problemas constatados nas visitas extrapolam muito a falta de médicos especialistas. Também inexiste uma política pública de estímulo para atração e fixação de médicos e de outros profissionais da saúde nos quadros. No próximo dia 17 de dezembro, o corpo clínico do Hospital do Andaraí pretende suspender os atendimentos eletivos e realizar um ato público no pátio da unidade como forma de protesto.
Recursos humanos - Sem concursos públicos, com salários baixos e com a ausência de plano de carreira e de acesso à educação continuada, a rotatividade no número de médicos e outros profissionais da saúde nas unidades federais é grande. No entanto, mesmo se as equipes estivessem completas o sucateamento estrutural impediria que o atendimento da população ocorresse com a qualidade e a agilidade necessárias.
O último concurso realizado para seleção de médicos para os hospitais e institutos federais no Rio de Janeiro aconteceu em 2010. Desde então, os hospitais vêm suprindo o déficit de profissionais por meio de contratações temporárias. Segundo a Defensoria Pública, o déficit atual é de pelo menos 1.200 médicos. “As emergências estão lotadas e os médicos podem acabar sendo responsabilizados injustamente. As unidades precisam de uma solução rápida. Os médicos merecem condições dignas de trabalho e a população tem direito a um atendimento de qualidade”, afirmou Sidnei Ferreira.
Ação Civil Pública - A partir do quadro identificado, a Defensoria Pública, por intermédio do 2º Ofício de Direitos Humanos e Tutela Coletiva, decidiu propor uma Ação Civil Pública (ACP) para obrigar o Ministério da Saúde a apresentar em, no máximo, 60 dias, um cronograma completo com datas para a realização das cirurgias. O pedido inclui que seja dada prioridade a menores de idades e aos idosos. Também pede-se que a gravidade dos diagnósticos das doenças seja levado em consideração. Pela ACP, a fila deve ser zerada em dois anos.
A ACP pretende também obrigar o Ministério da Saúde a realizar concurso público para profissionais de saúde, visando a suprir a carência nos hospitais federais. Busca ainda a condenação da União ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 1,2 bilhão, em função do dano experimentado por pacientes e seus familiares que esperam há anos pela realização das cirurgias.
De acordo com o defensor público federal Daniel Macedo, “os dados refletem as consequências de diversos fatores que contribuem para essa situação de calamidade, dentre os quais a falta generalizada de insumos e medicamentos, os baixos salários, a alta rotatividade dos profissionais de saúde, o sucateamento dos hospitais, a má administração de recursos públicos e a ausência de concursos públicos periódicos”.
Confira abaixo a Nota na íntegra:
NOTA DO CFM A SOCIEDADE
CFM pode adotar medidas judiciais e éticas contra responsáveis pelo caos nos hospitais federais do RJ
O Conselho Federal de Medicina (CFM) expressa sua indignação diante do quadro de sucateamento que atinge os seis hospitais federais do Rio de Janeiro. Os problemas apontados em relatório da Defensoria Pública da União (DPU) demonstram a total falta de respeito dos gestores para com pacientes, médicos e outros profissionais da saúde, comprometendo a assistência e a vida de milhares de cidadãos. No total 13 mil pacientes aguardam por uma cirurgia, alguns deles há sete anos.
Por meio do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj), foram realizadas visitas às unidades ao longo dos últimos meses. As vistorias constataram uma realidade que atinge a oferta de serviços de saúde sob a ótica de direitos humanos. As falhas incluem instalações inadequadas, falta de leitos, equipamentos e insumos básicos, entre outros.
Também é notável o desrespeito aos médicos e outros profissionais da saúde, que sofrem com baixos salários e ausência de perspectivas de carreira, o que leva à rotatividade e escalas incompletas. Semana passada, o Cremerj já havia exigido do Ministério da Saúde a solução definitiva para estes problemas em reunião realizada com os seus representantes no Estado.
Nesta quinta-feira (12), o CFM decidiu solicitar à Defensoria Pública da União acesso à integra do relatório divulgado e a outras informações sobre o assunto. Os gestores médicos destas unidades também poderão ser convocados a dar esclarecimentos. A análise dos dados e dos depoimentos embasará possíveis medidas judiciais (nas esferas comum e ético-profissional) contra os responsáveis pela situação exposta, a qual tem colocado milhares de pacientes e cidadãos em situação de risco de morte.
Finalmente, o Conselho Federal de Medicina ressalta que o caso do Rio de Janeiro não é exceção no Brasil. Infelizmente, inúmeras denúncias têm sido feitas em diferentes estados apontando os efeitos da falta de investimentos; da precariedade dos mecanismos de fiscalização e controle; da ausência de gestão; e do descompromisso com políticas públicas de longo prazo. Apenas com o enfrentamento desta realidade é que os cidadãos terão acesso à assistência a qual têm direito e merecem.
Fonte: CFM
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.