As informações colhidas nesses dois dias de audiência vão subsidiar o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade
Terminou na manhã desta terça-feira (26) o segundo e último dia da audiência pública sobre o Programa Mais Médicos no STF (Supremo Tribunal Federal), em Brasília. Ao longo da manhã foram ouvidos representantes de entidades médicas e da sociedade civil. Entre eles, abrindo a sessão, o presidente da Fenam (Federação Nacional dos Médicos), Geraldo Ferreira Filho, que afirmou ``O programa em si é o maior absurdo trabalhista visto no Brasil nos últimos tempos. O que será dos médicos brasileiros se esse governo continuar?``
A audiência começou na segunda-feira (25), quando, ao longo de todo o dia, foram ouvidos 17 expositores, entre representantes do governo federal, do Ministério Público, além de associações de médicos, entre outros.
As informações colhidas nesses dois dias de audiência vão subsidiar o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 5035 e 5037, que contestam dispositivos da Medida Provisória (MP) 621/2013, que instituiu o Programa Mais Médicos. O relator dos processos e responsável pela convocação da audiência é o ministro Marco Aurélio.
O presidente da Fenam também admitiu que a situação de escassez de profissionais na área de saúde preocupa há tempos e que, em abril, participou de uma reunião com a presidente Dilma Rousseff. Assim, como outras pessoas da área, o presidente da Fenam disse que o anúncio do programa causou espanto.
``A principal preocupação da Fenam é com a precarização do trabalho. O trabalho temporário é uma arma de precarização já que temos direitos históricos trabalhistas vindos do Estado``, comentou ele, ressaltando que o país não pode ``jogar na lata do lixo`` conquistas como férias, décimo terceiro salário, aposentadoria, licença da gestante e outros direitos. ``Não podemos trair compromissos históricos dos direitos trabalhistas``, concluiu.
Faltam preceptores
Quem fechou a sessão foi o graduando em medicina Juracy Barbosa Júnior, representando a Associação de Médicos Residentes. O rapaz criticou o programa: ``Recebemos a notícia com certo espanto, não por sermos contra. Não vi ninguém dizer que é contra médicos virem assistir a população dos rincões. Divergimos da metodologia do processo, pois exime o profissional de fora de uma avaliação``.
O estudante comentou que o acadêmico brasileiro fica seis anos sendo duramente avaliado, começando pelo vestibular, que é o mais concorrido de todos. Depois, passa os dois últimos anos atuando no SUS (Sistema Único de Saúde): ``E estamos ouvindo que os estudantes não conhecem o SUS, mas tanto alunos de entidades públicas como privadas passam os dois últimos anos em hospitais, na maioria das vezes, públicos. Devem prover mais médicos, mas não em quantidade, mas em qualidade``.
Juraci Barbosa Júnior, como outros que participaram da audiência, comentou os erros que alguns médicos participantes do programa vêm cometendo: ``O panorama de ensino que temos não propicia o programa como veio. Ele precisa de lapidação. Quem procuraria um médico sem qualidade? A pessoa no interior do país não tem direito de ter um médico de qualidade avaliada? É o revalida que faz isso. O resultado de como foi feito o Mais Médico já começou a aparecer: inúmeros casos de erros grotescos, como receitas de medicamento para cavalo para ser humano e insulina em dose letal``.
Sobre a situação da residência médica, ele também levantou vários problemas dizendo que a situação não é nada boa e que o programa Mais Médicos irá causar aberrações: ``A partir do ano que vem, como vou me tornar um especialista se ficar dois anos no SUS? Quantos anos um cardiologista vai levar para poder atender? A medicina brasileira é reconhecida no mundo todo, todos sabem que vários estrangeiros vêm se tratar aqui``.
O estudante também levantou outro ponto importante: a falta de preceptores nas escolas de medicina e de hospitais-escolas e citou o caso da Universidade Federal do Rio de Janeiro, campus de Macaé, onde alunos estão sem aula por falta de preceptores. ``Ou vocês acreditam em profissionais formados só por livros? A prática é fundamental``.
Riscos significativos
Jadete Barbosa Lampert, diretora da Abem ( Associação Brasileira de Educação Médica), afirmou que o Mais Médicos é um avanço no sentido de oferecer assistência, mas com riscos significativos no sentido da qualidade que pode estar comprometida dentro de vários aspectos. ``É um momento histórico do Brasil, a consciência dessa iniquidade da assistência em saúde no país que reflete a formação do profissional, das escolas que são abertas hoje e que focam na qualidade da formação docente``.
A Abem se posicionou pela rejeição da Medida Provisória (MP) 621/2013, que instituiu o programa e Lampert lembrou que o cenário de prática médica vai além do hospital e passa pela orientação: ``Vejo o ensino mais focado no aluno e não no professor. A escola se aproxima da prática e precisa do médico preceptor, com formação prática e pedagógica``.
A terceira a discursar na tribuna foi Lucia Nader, diretora da ONG Conectas Diretos Humanos, cuja missão ``é promover a efetivação dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito, no Sul Global - África, América Latina e Ásia``.
Para ela, ``é um dano irreparável à sociedade brasileira que um programa desse tipo tenha uma discussão partidária``. Ela questiona ainda o fato de iniciativas similares não terem sido contestadas antes, ao afirmar que há anos o Brasil faz intercâmbio com médicos estrangeiros.
``Migrar é um direito humano, é parte da experiência humana e o povoamento territorial brasileiro é fruto dessa ousadia``, afirmou Lúcia Nader, ao citar o artigo 13 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ela refuta, ainda, qualquer forma de xenofobia contra esses profissionais.
Preocupação maior
O ministro-chefe interino da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República Marcelo Cortês Neri, que também é presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) comentou que em todas as pesquisas feitas no país, a saúde aparece como a principal preocupação da população.
Ele citou que as pessoas reclamam da falta de médicos, demora de atendimento e como principal problema a falta de médico. Neri também comentou que 74% aceitariam médicos imigrantes.
Porém, ele enfatizou: ``Os médicos estão onde há maior poder aquisitivo, onde fazem graduação e residência ou onde estão os melhores recursos. Vemos isso em cidades como Ribeirão Preto e Presidente Prudente, formadoras de médicos no interior de São Paulo. E para terminar, quero citar uma correlação: os médicos também estão onde a expectativa de vida é maior``.
Matheus Stivali, também do Ipea, falou em seguida e comentou que trazia a resposta a uma questão do ministro Marco Aurélio: quais os impactos sistêmicos do programa Mais Médicos sobre o SUS. Para isso, usou dois critérios, econômico, que foi citado por Neti, e o segundo, política de saúde e taxa de médicos por habitantes.
``O programa ataca em duas frentes. Médico é um recurso humano que precisa de muito investimento e não vamos conseguir muitos a curto prazo. Neste ponto a imigração de profissionais pode resolver. No caso de longo prazo, a solução é aumentar vagas de graduação e residência. Um ponto importante é dar preferencia a algumas especialidades, pois se deixar para o mercado, dificilmente os profissionais irão para a atenção da família``.
Para ele, a modificação dos cursos de medicina, a longo prazo, pode auxiliar na fixação dos profissionais nas áreas carentes.
Fonte: UOL
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.