A 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), por unanimidade de votos, manteve sentença que negou a mulher o direito de obrigar a filha com esquizofrenia a fazer laqueadura. Segundo o relator do processo, desembargador Fausto Moreira Diniz, a Justiça não pode obrigá-la a fazer o procedimento pois a moça atingiu a maioridade sem ter a incapacidade decretada.
O processo foi ajuizado em 9 de setembro de 2010, quando a jovem ainda era menor e estava grávida, com o parto previsto para outubro do mesmo ano. A mãe requereu a laqueadura, por considerar que sua filha não possuia condições de cuidar das crianças devido a doença.
Durante o processo, a jovem atingiu a maioridade. Consta dos autos que, apesar de o laudo médico diagnosticá-la como esquizofrênica, ela respondeu com proficiência a todas as perguntas feitas em audiência, não apresentando nenhuma debilidade aparente. O juízo de primeiro grau esclareceu que não são todos os casos da doença que levam à interdição, porque, em alguns casos, o paciente, apesar de poder sofrer surtos psicóticos temporários, pode levar uma vida normal, caso utilize medicamentos adequados.
Por entender que a jovem possui uma vida toda pela frente e, considerando que a laqueadura é irreversível, e por ela não ser interditada, o juízo julgou improcedente o pedido feito pela mãe. Foi determinado, ainda, o uso de contraceptivos, como medida alternativa à laqueadura.
Inconformada, a mãe recorreu sustentando que sua filha é incapaz de assumir os próprios atos e que já tentou usar todos os métodos contraceptivos, mas parava com o uso. Ao ajuizar o recurso, ela alegou que a filha estava grávida, novamente, mesmo se comprometendo a usar meios anticoncepcionais.
Segundo o desembargador, é importante ressaltar que a doença impossibilita o portador de exercer suas atividades profissionais regulares, o que inviabiliza a colaboração com o seu sustento. "Faz pressupor ser da total responsabilidade da autora, na condição de genitora, arcar, também, com os eventuais filhos que a sua descendente gerar", ressaltou. No entanto, como observou, a adolescente atingiu a maioridade durante o processo e, como não foi interditada, é questionável a legitimidade recursal de sua mãe.
Fausto pontuou, ainda, que a esterilização, apesar de eficiente do ponto de vista prático, é desproporcional neste caso. Em sua manifestação, o Ministério Público (MP) havia ressaltado, também, que obrigar a moça a fazer a laqueadura acaba por ferir direitos fundamentais como o da dignidade humana, à vida e à saúde.
O relator do processo utilizou jurisprudências para basear sua decisão. Em casos similares, julgados anteriormente, a integridade física da paciente é sempre levada em conta, optando-se por meios contraceptivos reversíveis. A sentença foi mantida com base no artigo 10 da Lei nº 9.263/1996, segundo a qual a esterilização cirúrgica em pessoas incapazes só pode ocorrer mediante autorização judicial. "Só me resta improver o recurso", afirmou Fausto.
A ementa recebeu a seguinte redação: "Apelação cível. Alvará Judicial. Cirurgia de Laqueadura. 1-Interdição. Via inadequada. Desatenção ao princípio do devido processo legal. Incapacidade. Não constatada. A interdição de uma pessoa só pode ser decretada pelo procedimento específico da Curalea dos Interditos. Ademais, ainda que se aceitasse a decretação da medida, incidentalmente, deveria ser observada a necessidade de produção de prova pericial minuciosa acerca das condições psíquicas do interditando, o que não foi feito. 2 - Incapacidade. Não constatada. Oitiva da vontade da adolescente. Necessidade. Tratando-se de pessoa maior e capaz, não é possível obrigá-la a se submeter a cirurgia laqueadura contra a sua vontade. Apelo conhecido e desprovido."
Fonte: TJGO
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.