Folha de S. Paulo – Editorial
Não para de crescer a conta do que se convencionou chamar de judicialização da saúde, a iniciativa de pacientes de acionar o poder público para obter tratamentos que não fazem parte do rol do SUS.
De janeiro a outubro deste ano, o governo federal gastou R$ 339,7 milhões em remédios, equipamentos e insumos para cumprir essas decisões judiciais. Esse valor daria para construir pelo menos dois hospitais de 80 leitos cada um e equivale a 7,5% de tudo que a cidade de São Paulo aplicou em saúde no ano de 2011 (R$ 4,5 bilhões). Isso representa 28% mais do que o total despendido com as ações na Justiça em todo o ano de 2011. E essa é só a parte da União.
O montante aumentaria significativamente se fossem computados também os valores desembolsados por Estados e municípios. A situação é tão caótica que o valor total não é sequer conhecido.
Não se discute o direito de cidadãos recorrerem à Justiça sempre que acharem necessário. O problema é que o acúmulo de liminares -70% das decisões são desfavoráveis ao governo- acaba retirando do administrador público a capacidade de definir prioridades e decidir a melhor alocação para um volume limitado de recursos.
O pecado original, aqui, nasce com o artigo 196 da Constituição, que define a saúde como direito de todos e dever do Estado. Em vez de interpretar a passagem -justificativa de todas as ações- como mero princípio programático, magistrados lhe têm dado força de norma a cumprir, custe o que custar.
É uma visão míope. Orçamentos públicos são finitos, sabem todos, mas as possibilidades de gastar mais com a saúde não conhecem limites: sempre é possível importar uma droga experimental, ou testar uma nova terapia, a preços muitas vezes exorbitantes.
Vale observar que há uma importante assimetria na repartição de tais recursos. Com a judicialização da saúde, tendem a ser beneficiados pacientes que tipicamente necessitam de drogas caras e têm acesso a informação qualificada e a advogados particulares. Perdem, em contrapartida, os doentes pobres que dependem unicamente do SUS.
Por outro lado, não é aconselhável pender para o extremo oposto e confiar exclusivamente às autoridades sanitárias a tarefa de decidir quais tratamentos serão cobertos e quais ficarão de fora. Burocracias são, por natureza, lentas e preferem resolver seus problemas de caixa evitando novos custos.
É preciso criar formas rápidas, de preferência na esfera administrativa, e não na judicial, com controle externo da classe médica, para garantir que novas terapias sejam incorporadas ao SUS tão logo se revelem eficazes e economicamente razoáveis. Embora certa leitura da Constituição insinue o contrário, não existe tratamento grátis.
Fonte: Folha de S. Paulo – Editorial
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.