Apesar das várias apurações abertas pelo Conselho Regional de Medicina, poucos profissionais perdem o direito de exercer o ofício por falhas
Embora cerca de 330 sindicâncias estejam em tramitação no Conselho Regional de Medicina (CRM) e nove médicos respondam na Justiça por possíveis erros de conduta, apenas dois profissionais tiveram o registro cassado nos últimos dois anos. Entre as apurações instauradas recentemente, está a atuação da pediatra Fernanda Sousa Cardoso, suspeita de ter prescrito 3,5ml de adrenalina para tratar uma urticária em Rafaela Luiza Formiga de Morais. O correto, segundo especialistas, seria 0,3ml. A criança, de 1 ano e sete meses, morreu na última quarta-feira, provavelmente vítima de uma overdose do medicamento.
Além dos processos judiciais, outras 94 representações contra profissionais de saúde das redes pública e privada chegaram ao Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) no ano passado. O número é mais do que o dobro do registrado em 2011, quando 45 queixas foram contabilizadas pelo órgão. O caso da menina Rafaela é apurado pela Promotoria de Justiça Criminal de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-Vida), do MPDFT, pelo CRM, pela 33ª Delegacia de Polícia (Santa Maria) e pelo Conselho Regional de Enfermagem (Coren).
A pediatra Fernanda Sousa não será a única a responder a processo ético. O enfermeiro e o técnico em enfermagem responsáveis pela administração do medicamento devem ser ouvidos pelo Coren na próxima semana. Rafaela Luiza deu entrada, no último domingo, no Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib) com urticária. Ela teria recebido 3,5ml de adrenalina, quantidade normalmente usada em adultos em casos de paradas cardiorrespiratórias. A dosagem é considerada altíssima para uma criança, segundo especialistas. Ela chegou a ser transferida para a unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital Regional de Santa Maria, mas não resistiu a cinco paradas cardíacas.
Segundo o presidente do Coren, Wellington da Silva, tanto o técnico em enfermagem quanto o enfermeiro responsável por supervisionar o trabalho no Hmib são profissionais experientes, mas podem ser punidos por infringirem o Código de Ética da Enfermagem. “Eles poderiam ter se recusado a aplicar uma medicação suspeita. Na dúvida, o técnico tinha que se reportar ao enfermeiro. Se comprovada a culpa, serão punidos da mesma forma que a pediatra. O fato de o técnico ter procurado a médica é um atenuante, mas não o livra da penalidade”, explicou. Wellington disse que, no caso do enfermeiro-chefe, ele teria por obrigação supervisionar a aplicação das injeções.
Infecção
Conforme a mãe de Rafaela, a comerciante Jane Formiga, 31 anos, antes de o enfermeiro aplicar a adrenalina, ele estranhou a quantidade prescrita. “Ele foi falar com a médica Fernanda e ela respondeu que era aquilo mesmo e disse que, como a aplicação era no músculo e não na veia, não teria problema algum”, contou. Ela disse ter visto o momento em que a filha recebeu a medicação. “A seringa estava quase cheia, tinha uns 7cm de medicamento nela. Como o enfermeiro foi atrás e contestou a médica, não imaginava que aquilo poderia a matar minha filha”, afirmou (leia entrevista).
Nem a pediatra nem a Secretaria de Saúde do DF entraram em contato com a família de Rafaela para explicar o que aconteceu. O Correio esteve ontem à tarde no Hmib, mas a assessoria de imprensa da unidade informou que Fernanda está afastada das atividades e não tem data para retornar. A Secretaria de Saúde informou que Fernanda apresentou um atestado e deve voltar ao trabalho no próximo dia 28. A médica é filha de Iran Cardoso, presidente do CRM. A entidade garantiu que abriu uma sindicância para apurar os fatos. Iran, no entanto, pediu o afastamento das investigações, neste caso. Na tarde de ontem, ele estava com o celular desligado.
O Sindicato dos Médicos do DF (SindMédicos) também acompanha o caso. O presidente da entidade, Gutemberg Fialho, ressalta que, pelas informações colhidas até agora, Rafaela deu entrada no Hmib com quadro de infecção bacteriana. Fialho conta que a primeira parada cardíaca da paciente ocorreu por volta das 23h. “Se fosse reação do remédio, seria logo após a aplicação, que aconteceu quase cinco horas antes. Ela já chegou ao hospital com uma infecção. O processo alérgico que apresentava se deu por conta do uso de antibióticos”, defende.
A família da criança nega que ela estivesse fazendo uso de antibióticos. “Ela apresentou a primeira crise alérgica na sexta-feira. Levei-a ao hospital, e a médica passou antialérgicos. Como ela não melhorou, levei ao Hmib, e a médica receitou adrenalina”, afirma Jane. A Secretaria de Saúde também não confirma se a criança apresentava algum tipo de infecção.
Fonte: Correio Braziliense / MARA PULJIZ e KELLY ALMEIDA
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.