Decisão judicial considera ilegal a portaria que proíbe o tratamento com medicamento de uso humano em animais com leishmaniose
Uma decisão da Justiça autoriza mudanças na forma como cães com leishmaniose são tratados. A quarta turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF) considerou ilegal a Portaria Interministerial nº 1.426 que proíbe o tratamento com medicamento de uso humano em animais com a zoonose. A medida, publicada no diário eletrônico do órgão no último dia 16, representa uma alternativa à eutanásia, mas gerou polêmica e dividiu a opinião dos veterinários. Ainda cabe recurso da decisão.
A Justiça Federal considerou a portaria ilegal, porque “extrapola os limites tanto da legislação que regulamenta a garantia do livre exercício da profissão de médico veterinário, como das leis protetivas do meio ambiente”. Em 2012, dos 5.717 animais examinados pela Vigilância Ambiental da Secretaria de Saúde do DF (SES-DF), 551 apresentaram resultado positivo para a leishmaniose visceral. O número é maior do que o registrado em 2011, quando 460 testes apontaram a doença.
Mas a quantidade de casos de leishmaniose em animais pode ser maior. Ao contrário dos humanos, o diagnóstico nos bichos não precisa gerar uma notificação para a Secretaria de Saúde. De acordo com o último boletim epidemiológico do órgão, de janeiro a setembro do ano passado, 49 pessoas apresentaram suspeita de leishmaniose visceral. Desse total, 26 casos foram confirmados, mas somente seis pacientes contraíram a doença no DF. Houve dois óbitos. Em relação à leishmaniose tegumentar, a secretaria registrou 31 ocorrências, cinco autóctones.
Moradora do bairro Jardim Botânico, uma das áreas com maior frequência de casos, a psicóloga e advogada Mônica Mello, 34 anos, viu a doença atingir a cadela Princess, de 5 anos. O animal começou a apresentar os sintomas no ano passado. “Parecia uma alergia na pele, não melhorava nunca. Ela passou a ficar triste, teve anemia e a veterinária suspeitou de leishmaniose, o que se confirmou depois”, contou.
Princess descende do primeiro cachorro que Mônica teve, ainda na infância, o que tornou a decisão mais difícil. “Fiquei triste em optar pelo sacrifício, mas não podia colocar em risco a vida dos meus filhos”, lamentou. Com a nova decisão da Justiça, a psicóloga não sabe se teria agido de outra maneira. “A informação que eu tive é de que o tratamento é demorado e não é sempre que funciona.
Como não está disponível na rede pública, ficaria caro e não teríamos a garantia de que ela ficaria boa”, disse. Os outros dois cães da família, Padock e Zero Cinco, foram examinados e estão saudáveis.
Prevenção
Preocupada com a decisão da Justiça Federal, a subsecretária de Vigilância em Saúde da Secretaria de Saúde, Marília Coelho Cunha, adiantou que o departamento jurídico avalia a questão. “Isso é extremamente perigoso. Não existe tratamento registrado para animais e com comprovação clínica liberado no Brasil”, apontou. Ela reforçou a necessidade de combater o vetor da zoonose. “Precisamos fazer campanhas de prevenção. É importante manter os canis limpos e secos e evitar mato alto perto de casa”, recomendou Marília Coelho.
O Ministério da Saúde, por meio da assessoria de imprensa, reafirmou que os medicamentos usados para tratar leishmaniose visceral humana não podem ser usados em animais. A nota diz que o órgão não foi avisado e, enquanto isso, respeitará as recomendações da Organização Mundial da Saúde. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) informou que, se notificado, discutirá o assunto com o Ministério da Saúde.
O secretário-geral do Conselho Federal de Medicina Veterinária, o veterinário Felipe Wouk, explicou que, apesar de curar o animal infectado, nenhuma forma de tratamento elimina o parasita do sangue. “É um risco para a saúde pública admitir o tratamento sabendo que o cão vai melhorar, mas ele seguirá como potencial elemento de transmissão”, explicou. Wouk reiterou a posição do conselho de que a tentativa de tratar o animal não é adequada. “Os médicos que fizerem ou divulgarem a prática estão sujeitos à pena do Código de Ética”, completou.
A ação na Justiça foi movida pela organização não governamental Abrigo dos Bichos, de Campo Grande (MS). A veterinária e presidente, Maíra Kaviski Peixoto, acredita que a eutanásia não é o melhor caminho para resolver o problema. “Existem milhares de animais mortos sem necessidade, passíveis de tratamento e que não tiveram essa oportunidade”, disse. Segundo ela, a informação de que o cão, mesmo tratado, continua um reservatório da doença é controversa. “Estudos apontam que algumas formas de tratamento diminuem o grau de parasitemia do cão e ele deixa de ser um transmissor, caso contrário, não defenderíamos essa ideia. Não somos contra a eutanásia, mas sim a aplicação dela em 100% dos casos”, concluiu.
O que diz a lei
A Portaria Interministerial nº 1.426, de 11 de julho de 2008, proíbe o tratamento de leishmaniose visceral canina com produtos de uso humano ou que não foram registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). O Artigo 3º determina que, para obter o registro de produto de uso veterinário para tratamento da doença, o interessado deve realizar ensaios clínicos controlados com a autorização da pasta e ter o relatório de conclusão dos testes com nota técnica conjunta do Mapa e do Ministério da Saúde.
A portaria prevê pena para quem descumprir a regra. Se for médico veterinário, fica suscetível às infrações e penalidades previstas no Código de Ética Profissional. Caso contrário, a pessoa pode ser enquadrada no Artigo 268 do Código Penal, com detenção de um mês a um ano e multa para quem infringir determinação do poder público destinada a impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa. Ou fica sujeita à Lei nº 6.437, de agosto de 1977, que estabelece as infrações à legislação sanitária e as sanções, ou, ainda, ao Decreto-Lei nº 467, de fevereiro de 1969, que dispõe sobre a fiscalização de produtos de uso veterinário, dos estabelecimentos comerciais e dos fabricantes.
Fonte: Correio Braziliense / THAÍS PARANHOS
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.