Vacina contra o papilomavírus humano custa 95 euros, com desconto, em vez de 119 cada dose. Bastonário diz que médicos são obrigados a levar em conta o factor custo quando receitam
A estratégia é recente: alguns laboratórios farmacêuticos estão a pôr médicos a entregar aos seus doentes cartões de desconto que lhes permitem comprar alguns medicamentos caros a preços mais reduzidos nas farmácias. O objectivo é tornar mais acessíveis fármacos de receita médica obrigatória, sem baixar os valores de venda ao público em Portugal, o que teria reflexos nos preços a nível internacional e estimularia a chamada exportação paralela.
Um exemplo: uma campanha deste género lançada pela empresa farmacêutica que comercializa uma das vacinas contra o papilomavírus humano disponíveis em Portugal, a Sanofi Pasteur, foi esta semana posta em causa no fórum do Facebook da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiares. No fórum, há uma médica que questiona a campanha que "oferece 25 euros de desconto na farmácia a quem apresentar cartão (entregue pelo médico de família) junto com a receita". Cada dose (e são necessárias três) desta vacina custa 119 euros. "Na minha opinião, as USF não são hipermercados onde se distribuem cartões de desconto", defende a médica, que diz que há "utentes a recorrer à unidade para pedir o cartão de desconto... Disseram-lhes na farmácia para ir ter com o médico de família que este lhe daria o cartão dos 25 euros". Outro médico lembra que se passa o mesmo com um medicamento antidepressivo comercializado por outro laboratório. "Os psiquiatras também têm cartões da AstraZeneca para dar aos doentes crónicos que lhes conferem desconto na farmácia", sublinha.
Contactada pelo PÚBLICO, a Sanofi Pasteur esclareceu que disponibiliza, desde o final do ano passado, cartões de desconto aos médicos porque a vacina tem de ser tomada em três doses e, assim, fica a 95 euros cada (em vez de 119). "Através do cartão, o desconto que a farmácia faz ao doente é reembolsado", afirmou um responsável do laboratório, notando que não "há qualquer contrapartida para o médico ou para a farmácia, mas apenas para os doentes". Já a Astrazeneca explicou, por escrito, que desde Dezembro de 2012 tem em curso um programa que "facilita o acesso ao medicamento de doentes com patologias crónicas, especificamente a esquizofrenia, a perturbação bipolar e a perturbação depressiva major, quando prescrito pelo seu médico psiquiatra". O programa "Ser+" consiste em descontos efectuados nas farmácias que variam "entre 6,47€ no regime geral [de comparticipação] e 3,46€ no regime especial". Por que razão, então, é que os laboratórios não baixam o preço de venda ao público para toda a gente? Porque as multinacionais não têm autonomia para fazer isso em Portugal e, se o fizessem, estariam a estimular a exportação paralela para países onde estes fármacos são mais caros.
Para o bastonário da Ordem dos Médicos (OM), José Manuel Silva, que desconhecia este tipo de campanhas, a questão deve, em primeiro lugar, ser avaliada pelo Conselho de Ética e Deontologia da instituição. "Fere a sensibilidade que o médico seja o veículo [do desconto]", considera, que acredita, porém, que a situação poderá "não levantar questões éticas" porque "quem beneficia é o doente, não o médico". Além disso, nota, "o médico tem a obrigação deontológica de levar em conta o factor custo quando prescreve o medicamento". Miguel Oliveira e Silva, presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, não tem dúvidas. "Não sei se esta prática é legal, mas ética não é com certeza", sentencia. "Esta é uma forma pouco transparente de baixar os preços e que põe em causa a equidade [porque só alguns doentes beneficiam desta redução]. Por que é que [os laboratórios] não diminuem então os preços para toda a gente", pergunta. "Pode ser uma estratégia para minorar os custos para os utentes, a intenção até pode ser boa, mas os médicos estão a servir de intermediários", defende também João Rodrigues, coordenador para os cuidados de saúde primários da Federação Nacional dos Médicos.
Fonte: www.publico.pt
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.