*Por João Augusto Monteiro de Siqueira Michelin e Thiago Strapasson
Alterações da ANS que passam a vigorar em maio para a Negativa de Cobertura pelos Planos de Saúde são fundamentais para a sobrevivência dessas empresas que suprem a falta de saúde pública e precisam do equilíbrio financeiro para atender a todos
É grande o debate atualmente existente quanto às decisões judiciais que, constantemente, até mesmo sem a oitiva da operadora de planos de saúde, têm autorizado procedimentos não contemplados no âmbito do serviço contratado. O acionamento da Justiça pelos beneficiários ocorre quando esses submetem suas operadoras à requisição de cobertura de determinados tratamentos ou procedimentos e não concordam com a resposta negativa.
Não se pode perder de vista, entretanto, que a negativa de cobertura realizada pelas operadoras de planos de saúde, devidamente fundamentada no contrato e na lei, visa justamente garantir o equilíbrio financeiro contratual e a manutenção do produto no mercado. Ou seja, garante que o usuário, quando houver necessidade, será atendido dentro das condições contratadas.
Isso porque, no caso dos planos de saúde, o preço é formado de forma diferente de qualquer outro produto ou serviço. Trata-se de um procedimento no qual o preço da mensalidade é feito com fundamento em cálculos atuarias e leis probabilísticas, em que são consideradas doenças, intervenções cirúrgicas e atos acessórios que possam vir a ocorrer entre todos os usuários do produto contratado.
A estrutura médica para atendimento do produto ofertado, bem como os valores das mensalidades, portanto, são pensados a partir do universo de beneficiários contratantes do produto, e não individualmente a partir de cada contratação.
Assim é que, toda vez que um procedimento é autorizado fora do âmbito de cobertura do produto há um desequilíbrio contratual que acarreta a sobrecarga da estrutura e prejudica a coletividade de usuários. No caso, a estrutura ofertada se torna incompatível com o universo contratado, podendo comprometer a viabilidade econômica e a continuidade do atendimento.
Tanto que é cada vez mais comum a divulgação de notícias na imprensa quanto à suspensão de planos de saúde, de enfrentamento de dificuldades financeiras pelas operadoras, intervenções fiscais, alienação de carteiras e liquidações extrajudiciais, todas determinadas pela ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar. Tais medidas, de uma forma ou outra, acabam por prejudicar e comprometer a qualidade do serviço de saúde posto à disposição dos usuários de planos de saúde.
Nesse contexto, a negativa de cobertura realizada pela operadora, devidamente fundamentada nas cláusulas contratuais, leis e regulamentações vigentes, tem por intuito preservar a continuidade do serviço prestado e garantir que os usuários receberão o atendimento contratado.
É imprescindível, nesse ínterim, a fundamentação da operadora quando da negativa de cobertura de um procedimento, seja com base em cláusula contratual, seja com amparo em dispositivo legal ou em norma da ANS.
A importância dessa fundamentação ficou ainda mais evidente com a edição da resolução normativa 319, de 5 de março de 2013, que entra em vigor em maio do corrente ano e dispõe sobre o dever de informação aos usuários acerca da negativa de autorização de procedimentos solicitados por médico ou cirurgião dentista, dentre outras modificações. Isto porque a operadora, em caso de negativa daqueles procedimentos será obrigada a prestar informações ao beneficiário no curto prazo de 48 horas, fundamentando sua decisão no contrato ou em normas legais. A omissão ou inexatidão da operadora poderá ensejar aplicação de multa pecuniária.
Evidente que aludida resolução tem por escopo contribuir para a maior transparência na atuação das operadoras de plano de saúde. Por outro lado, permite que os usuários estejam munidos de instrumentos que embasem discussões tanto no âmbito administrativo da ANS como na seara judicial. A própria resolução estabelece o direito de o beneficiário solicitar a redução a termo daquelas informações que lhe foram prestadas quando da negativa do procedimento, daí a relevância de uma fundamentação adequada, clara e detalhada da operadora.
O dever de informação aos beneficiários não é novidade na atuação da agência reguladora, como se verifica, por exemplo, na resposta da operadora às negativas de cobertura formalizadas nas denominadas Notificações de Investigação Preliminar, disciplinadas pela resolução normativa 226, de 05 de agosto de 2010. Nestes casos, a partir de denúncias encaminhadas pelos próprios usuários, a operadora deve fundamentar, por meio eletrônico e nos prazos determinados, as negativas, e a não cobertura poderá inaugurar processo administrativo para apuração pela ANS.
Vale ressaltar, por outro lado, que o dever de fundamentação da negativa de cobertura também acarreta maior segurança à operadora, ou seja, além de fortalecer o relacionamento com os usuários, a negativa bem fundamentada e documentada aumenta a chance de êxito da operadora em eventual discussão quanto à legalidade do ato.
A negativa de cobertura entregue ao usuário pela operadora, no âmbito processual, se caracterizará como uma defesa prévia da própria operadora no processo judicial ou administrativo, no qual o órgão judicante poderá tomar contato prévio com os motivos pelos quais a cobertura foi negada, desde que esteja devidamente fundamentada nas cláusulas contratuais e regulamentações da legislação.
Dentro desse âmbito de regulamentação e no cenário judicial existente, as operadoras deverão estar devidamente amparadas por um corpo jurídico qualificado e capaz de atender as demandas no exíguo prazo de 48 horas, determinado pela resolução normativa 319.
Isso porque a negativa de cobertura é instrumento fundamental para a manutenção do equilíbrio da relação contratual entre operadora e usuário, sendo concebida como uma garantia da continuidade do serviço contratado e causadora de maior segurança jurídica a ambas as partes em eventual contestação quando da negativa de cobertura.
Fonte: Migalhas
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.