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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Mulheres denunciam a violência no parto

Cresce no Brasil denúncias de desrespeito e humilhações a gestantes. Médicos reconhecem que precisam rever procedimentos

Belo Horizonte — Era manhã de 18 de abril de 2012 e Ana Paula Garcia da Silva, de 30 anos, foi do céu ao inferno em poucas horas. Grávida do primeiro filho, Ana foi vítima, segundo denuncia, de agressões físicas e verbais cometidas por uma equipe médica de uma maternidade particular de Belo Horizonte. De onde esperava aconchego e respeito, ela ouviu palavras rudes, passou por procedimentos que não queria, sentiu-se humilhada e violada. E pior: saiu de lá sem sua menina, Mariana, que morreu 55 minutos depois de nascer. “Não consideraram os meus direitos. Deram-me anestesia à força. Os médicos faziam o que queriam e, depois, sumiram sem me dar explicações. Tudo o que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declara como práticas claramente prejudiciais ao parto foi aplicado a mim”, lamenta, revoltada.

Mas Ana Paula não está sozinha. Um grupo de mulheres que passou pelo serviço de obstetrícia particular ou público no Brasil e se sentiu de alguma forma desrespeitado está saindo do anonimato e se unindo para exigir mudanças reais. Em Minas Gerais, cansadas de esperar resposta dos órgãos de saúde, elas resolveram levar o caso à Comissão Estadual de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa. Nesta quarta-feira, participarão de audiência pública sobre o tema. Com o nome Violência no parto, o movimento acionou entidades médicas do estado e o Ministério Público para abrir o debate, que promete trazer à tona polêmicas que há anos estão em silêncio.

A ONU Mulheres, braço da Organização das Nações Unidas para igualdade de gênero e empoderamento das mulheres, está convidando indivíduos, organizações, grupos e redes para enviar observações por escrito sobre injustiças e violações dos direitos das mulheres em todo o mundo. O prazo para o envio pelo site http://www.unwomen.org/csw/ communications-procedure-es é nesta quarta-feira. O processo de comunicação tem como objetivo identificar as tendências emergentes da injustiça e práticas discriminatórias a fim de formular políticas públicas.

Insatisfeitas
Engrossando o coro, as mulheres carregam a tiracolo pesquisas nacionais que comprovam os abusos cometidos nas instituições durante os partos. Um deles, feito em 2010, é da Fundação Abramo e aponta que uma em cada quatro brasileiras sofreu algum tipo de violência durante a assistência obstétrica. As reclamações mais citadas são exame de toque doloroso, negativa para alívio da dor, falta de explicação para os procedimentos adotados e humilhações diversas. Outra análise, mais recente, é a da pesquisadora de pós-graduação do Programa de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) Ana Carolina Franzon. Trata-se de uma ação de blogagem feita por ela neste ano que apontou: metade das mulheres que respondeu ao teste, aplicado na internet por meio de 75 blogs, disse estar insatisfeita com o atendimento obstétrico que receberam.

“Obtivemos 2 mil respostas e a insatisfação estava relacionada à primeira vez de dar à luz. Outro estudo que fizemos, em 2008, mostrou que há quatro tipos de violência obstétrica: física, verbal, negligência e abuso sexual. O que mais ocorre é a ridicularização da individualidade da mãe. Há médicos que dizem: ‘Na hora de fazer, não doeu’. Há a banalização da dor”, observa, acrescentando que nenhum paciente pode sofrer qualquer tipo de violência dentro de uma instituição de saúde. “É uma infração aos direitos humanos. Quando isso for considerado violência contra a mulher, teremos uma arma para lutar”, diz Ana Carolina. Ao exemplificar uma dessas coações, a pesquisadora compara que, no Sistema Único de Saúde (SUS), a equipe médica faz de tudo para não fazer a cesariana, mesmo que a paciente implore. “No privado, ocorre o contrário: mesmo elas implorando pelo parto normal, eles optam pela cesárea.”

Desinformação
Segundo a médica Sônia Lansky, que coordena o movimento BH pelo Parto Normal, da Secretaria Municipal de Saúde (BH), a falta de informação e de orientação adequadas são os principais vilões que levam as mulheres à cesariana. “Os índices crescentes desse tipo de parto são consequência de intervenções ou atitudes que atendem as comodidades do hospital e interesses financeiros. A gestante pode ser conduzida a uma cesariana por medo e por desinformação”, ressalta. Sônia alerta que métodos para estimular o parto operatório são usados de forma abusiva no Brasil. “As pessoas estão usando técnicas que interferem negativamente e não adotam as boas práticas que confortam a mulher e favorecem o trabalho de parto. Complicações da anestesia e da cirurgia, hemorragia e infecções, hospitalização prolongada, separação da mãe e do bebê nas primeiras horas, demora na recuperação pós-parto são algumas das consequências negativas desse parto”, acrescenta.

A produtora cultural Lis Brasil é vítima de uma dessas violências. “Os médicos querem apressar tudo para que o procedimento seja conveniente; e os leitos, desocupados. São exames doloridos, nos dão o hormônio ocitocina sem a nossa permissão e dizem que é para dilatar mais rápido. Já a episiotomia, que é um corte na vagina, é um procedimento invasivo e desnecessário, é uma mutilação ao corpo da mulher”, comenta Lis, acrescentando que essas práticas não são recomendadas pela OMS. “Somos tratadas como um pedaço de carne, ninguém quer saber o seu nome”, reclama Lis.

Personagem da notícia
“Fiquei sozinha no bloco cirúrgico, como se fosse lixo”

Ao dizer que não queria anestesia para ter a primeira filha, o médico plantonista ironizou a decisão de Ana Paula Garcia da silva, de 30 anos. “Ele dizia: ‘Filhinha, você não é índio. Se você fosse de alguma tribo, eu aceitaria o que está me pedindo’. Era um direito meu não aceitar, mas foi em vão.”, conta. Segundo ela, ninguém lhe dirigiu a palavra durante o parto. “Eu era só mais uma. Quando o doutor pegou o bisturi, eu disse que não queria. Ele falou que era o procedimento e cortou minha vagina.” Ela conta que, quando a filha nasceu, a viu de longe por alguns segundos. “Depois, fizeram a curetagem de forma grosseira e me aplicaram uma injeção nas coxas. A partir daí, ninguém me explicou mais nada. Fiquei sozinha no bloco cirúrgico, como se fosse um lixo. Só mais tarde soube que minha filha tinha morrido. Procurei a equipe em busca de explicação, mas não achei ninguém. Me convenceram a não levar o corpo para o Instituto Médico Legal (IML) e, no atestado de óbito, deram cinco possíveis motivos para a morte do bebê. Isso é inconcebível”, desabafa. A assistente administrativo move uma ação contra o hospital.

Métodos devem ser revisados
A classe médica reconhece que há procedimentos desnecessários na assistência ao parto. Segundo o primeiro-secretário da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais, Frederico Peret, métodos antes considerados de rotina estão sendo revistos. “Há momentos em que essas intervenções são necessárias. O corte na vagina, por exemplo, só deve ser usado em situações que facilite a saída do bebê. Isso corresponde a 20% dos casos”, diz, acrescentando que a ocitocina só deve ser aplicada quando o trabalho de parto estiver prolongado. “Precisamos rever alguns métodos, mas um dos maiores problemas é a falta de informação da paciente”, que deve ser dada pelo seu médico.”

Conforme o presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, João Batista Gomes Soares, a obstetrícia é a área mais denunciada no órgão. Ele é enfático ao afirmar que nenhum profissional pode conduzir um procedimento que a paciente não queira. “Mas o corte na vagina é consagrado mundialmente, facilita a descida do bebê”, defende, contando que, muitas vezes, as pacientes sem a presença do marido, menores de idade ou com distúrbios mentais são as que mais gritam no parto. “Elas têm que colaborar”, frisa.

Sobre a pouca humanização nas maternidades brasileiras, João Batista diz que as unidades estão sobrecarregadas e que, com isso, a paciência dos profissionais diminui. “Não é justificativa para os abusos, mas é a realidade. Hoje o paciente é impaciente. Para se ter uma ideia, 80% dos partos são cesarianas porque as mulheres querem e, aí, o médico acha bom pela conveniência.”

PROCEDIMENTOS QUESTIONADOS
Conheça algumas das criticadas medidas adotadas durante partos no brasil:

Falta de diálogo entre médico e paciente

Cesariana eletiva sem indicação clínica ou sob falsos pretextos

Exames de toque abusivos

Desrepeito aos direitos das mulheres

Grávidas expostas fisicamente

Divulgação de informações confidenciais e/ou sigilosas

Realização de intervenções sem o conhecimento e consentimento da mulher

Jejum por longo período

Realização de “rituais” de limpeza, como lavagem intestinal e raspagem dos pelos púbicos

Prática de violência verbal (mandar calar a boca, xingar, humilhar, usar termos pejorativos, ameaçar etc.)

Uso rotineiro de soro com ocitocina sintética para indução/aceleração do trabalho de parto

Adoção da manobra de Kristeller, em que se imprime força sobre o fundo uterino no período expulsivo, expondo a mulher a grande sofrimento e ao risco de rotura uterina

Corte da vulva e vagina (episiotomia)

Afastamento do bebê saudável da mãe

Manutenção de bebês saudáveis em berçários nas primeiras horas de vida ou durante todo o período de internação

Realização de procedimentos no recém-nascido sem conhecimento e consentimento dos pais

Depoimentos
Veja trechos de denúncias recebidas pelo movimento Violência no parto:

“A enfermeira disse que ia me ajudar e enfiou um gancho de plástico de 30 centímetros na minha vagina, estourando minha bolsa, sem me avisar. Depois que minha filha nasceu, ela pôs uma bolsa de areia em cima da minha barriga e disse que minha filha tinha nascido um pouco cansada e teria que ficar na incubadora . Pedi para vê-la imediatamente e a enfermeira disse que não, que eu teria que ficar por uma hora deitada”
B.L.S., Timóteo (MG)

“A médica plantonista me atendeu ali, como se eu fosse um pedaço de carne que o açougueiro corta, pesa e vende sem, ao menos, olhar na cara de seu cliente. A médica veio furar minha bolsa com um instrumento parecido com uma vara plástica e me furou quando eu estava em contração, cheia de dores (...). Ela insistiu pelo tempo dela que era curto e em não me esperar. Então, ela feriu a minha vagina toda internamente. Eu estava apavorada”
P.L., Ipatinga (MG)

“Logo depois que minha filha nasceu, de um parto natural, fomos separadas, apesar de estarmos passando muito bem. Naquela sala fria de hospital, fui obrigada a permanecer por mais de uma hora longe de minha menina, sozinha, sem direito a acompanhante, tendo que ouvir comentários fúteis de funcionários que fingiam que não existíamos”
W.L.S., Belo Horizonte

Recorde de cesáreas
A Organização das Nações Unidas (ONU) definiu como meta dos Objetivos do Milênio a redução de 75% da mortalidade materna no Brasil até 2015. Entretanto, dados do Ministério da Saúde revelam a dificuldade de alcançar a proposta da organização: apesar dos progressos, as cesáreas causam 3,7 vezes mais óbitos que o parto normal. O Brasil apresenta a maior taxa mundial desse tipo de cirurgia, 70% dos partos realizados em hospitais públicos são cesáreas. Nos privados, a média sobe para 90%. O limite é de 20%, recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que atesta: apenas 15% necessitam de intervenção cirúrgica ou remédios. Os 85% restantes, com pré-natal de qualidade, poderiam ser partos normais.

Fonte: Correio Braziliense - Luciane Evans