A Suprema Corte dos Estados Unidos deverá dar a palavra final sobre o assunto
A comunidade jurídica americana está confusa sobre um procedimento policial que se tornou praxe em metade dos 50 estados americanos — e também na esfera federal — mas é proibido na outra metade: fazer exames de DNA de suspeitos de crimes graves, quando são presos. Ou seja: antes de serem condenados. Em todo o país, tribunais estaduais e federais têm emitido decisões contra e a favor do procedimento. Muitos juízes consideram que as leis que autorizam o procedimento são inconstitucionais. Outros não têm problemas com elas. A Suprema Corte dos Estados Unidos deverá dar a palavra final sobre o assunto.
A existência de um banco nacional de DNA de condenados por crimes graves (assassinato, arrombamento, etc.), criado há anos, não é questionado em parte alguma do país. O que incomoda muitos juízes é a evolução, ``perigosa para a democracia``, da aplicação do procedimento. O estado de Nova York, por exemplo, quer estender a obrigatoriedade do exame de DNA para qualquer pessoa que cometa qualquer crime. Os defensores de um projeto de lei que propõe essa medida legislativa argumentam que pessoas que cometem crimes leves tendem, mais à frente, a cometer crimes graves. Em outras palavras, a lei assume o preconceito de que o ladrão de galinha de hoje é o assaltante à mão armada de amanhã.
A questão perante a Suprema Corte, que antes terá de decidir se aceita ou não decidir o caso, é se a coleta de material para exame de DNA em suspeitos de crimes graves, embora ainda não condenados pela Justiça, equivale a um procedimento de busca e apreensão não razoável, sem mandado judicial — no corpo da pessoa, no caso. Tais buscas são proibidas pela Quarta Emenda da Constituição dos EUA. Assim, o exame de DNA só poderia ser feito com consentimento do acusado ou por ordem judicial. Pode também caracterizar uma invasão de privacidade. Além disso, se o suspeito for inocentado pela Justiça, suas informações genéticas continuam no banco de dados indefinidamente, simplesmente porque ninguém as apaga.
O propósito das leis que autorizam exames de DNA em suspeitos não condenados é ``aproveitar a viagem`` do suspeito à delegacia, para descobrir se ele pode ter sido o autor de algum outro crime ainda não desvendado. Foi o que aconteceu no caso a ser examinado pela Suprema Corte, o Alonzo Jay King Jr. v. State of Maryland. Em 2009, logo depois que a lei autorizando o procedimento foi aprovada em Maryland, Alonzo King Jr. foi preso sob suspeita de assalto. Ele foi inocentado por assalto em primeiro grau e condenado por assalto em segundo grau. Mas, um exame de DNA, feito antes dessa condenação, o ligou a um crime de estupro ocorrido em 2003 e, até então, não solucionado pela Polícia. Por esse crime, ele foi condenado à prisão perpétua.
No entanto, em abril de 2012, o Tribunal de Recursos de Maryland anulou o julgamento, por 5 votos a 2. Mandou o processo de volta ao fórum criminal, com a ordem de desconsiderar a prova do exame de DNA. De acordo com o tribunal, ``os investigadores violaram os direitos do cidadão previstos na Quarta Emenda, ao coletar seu material genético e o comparando com amostras obtidas em uma cena de crime antiga. Diferentemente da impressão digital, o exame de DNA dá acesso a uma quantidade significativa de informações pessoais, destacaram as publicações The Baltimore Sun e ThinkProgress Justice, que noticiaram o envio do caso para a Suprema Corte dos EUA.
Na quinta-feira (19/7), o presidente da Suprema Corte, John Roberts, suspendeu temporariamente a decisão dos tribunais de Maryland. E deu aos defensores e opositores dessa legislação a oportunidade de se manifestarem, no prazo de uma semana. A decisão da Suprema Corte, se houver uma, irá valer para todo o país, evidentemente. A Polícia voltou a coletar material para exame de material no mesmo dia.
Banco nacional de DNA
O primeiro banco de dados nacional de DNA, como instrumento de técnica de investigação criminal, foi criado no Reino Unido em abril de 1995, segundo a Wikipédia. Depois foram criados na Nova Zelândia, França e Estados Unidos (originalmente, para estupradores). Na Inglaterra e Gales, qualquer suspeito de crime que gere registro policial é submetido à exame de DNA. E o registro é permanente. Na Escócia, a lei requer que registros de DNA de pessoas absolvidas sejam removidos do banco de dados.
Na Suécia, apenas os registros de DNA de criminosos condenados e presos por mais de dois anos são armazenados no banco de dados. Na Noruega e na Alemanha, a coleta de material para exame de DNA requer mandado judicial. E o exame só é feito no caso de criminosos violentos ou que foram condenados por certos crimes, em que há sólidas indicações de que a reincidência é provável. Em 2005, o governo de Portugal chegou a propor a criação de um banco de DNA para toda a população portuguesa. Mas desistiu, depois de ouvir o Conselho de Ética Português, e a medida só foi aplicada para a população criminal.
Com exceção de Idaho, todos os demais 49 estados americanos têm seus próprios bancos de DNA ligado ao sistema nacional — o Sistema de Índice Combinado de DNA (CODIS — Combined DNA Index System). É o maior banco de dados de DNA do mundo, com mais de 9 milhões de registros em 2011. No mesmo ano, o Reino Unido tinha pouco mais de 5,5 milhões de registros em seu banco de DNA, sob o protesto de grupos de defesa das liberdades civis e de grupos políticos.
Fonte: Consultor Jurídico (João Ozorio de Melo)
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.