Com calamidade pública decretada na área da saúde desde o dia 4 de julho, os hospitais do Rio Grande do Norte enfrentam problemas com o desabastecimento de remédios e falta de material básico para atendimento. Os pacientes e acompanhantes reclamam da situação e alegam que são obrigados a pagar por remédios que deveriam ser fornecidos gratuitamente.
Durante três dias, a reportagem do UOL visitou três dos principais hospitais de Natal e constatou uma série de problemas, entre eles falta de remédios, equipamentos e insumos, além de muitos casos de improviso no atendimento.
A rede de saúde sofre com problemas estruturais básicos, como mofo em enfermarias, aparelhos de ar-condicionados quebrados e falta de espaço para atender a demanda dos pacientes.
No hospital Walfredo Gurgel, o maior de urgência e emergência do Estado, muitos pacientes são obrigados a ficar em macas nos corredores, com colchões sem lençóis. A maioria dos que têm lençóis para forrar macas e camas alega que o material é trazido de casa.
As macas se apertam nos estreitos corredores, que mais lembram um cenário de um hospital de guerra. Logo na entrada da emergência muitos pacientes estão internados de forma improvisada e recebem atendimento precário por conta da greve dos médicos. Durante a visita feita pela reportagem do UOL, pelo menos oito pacientes foram vistos internados em colchões sem lençóis.
“Dizem que isso aqui é a guerra, mas acho que na guerra é melhor, pois pelo menos eles têm boa vontade e atendem a pessoa, mesmo sem estrutura”, contou um paciente com uma lesão na mão direita, que aguardava atendimento de um especialista há mais de 20 horas.
No hospital Ruy Pereira, especializado em atendimento a pacientes com problemas vasculares, a falta de medicamentos e insumos é constante há meses e prejudica o atendimento. As condições precárias da unidade já causaram um surto de superbactérias que matou duas pessoas em um só dia.
Segundo profissionais da unidade, não havia máscaras para atendimentos, por exemplo. Vários medicamentos também estavam em falta. Segundo os relatos, a carência é antiga e se agravou nos últimos meses. Há um ano, a UTI (Unidade de Terapia Intensiva) não possui um aparelho de raio-x, que realizada um exame considerado básico para pacientes internados.
No hospital pediátrico José Bezerra (mais conhecido como hospital Santa Catarina), a falta de suprimentos é rotina tão constante que os funcionários da unidade criaram um sistema de rodízio para não deixar faltar água, luvas e outros insumos básicos, além de compras imediatas de medicamentos.
“No quadro de avisos colocamos uma tabelinha com os nomes dos contribuintes para pagamento da água para não ficarmos com sede. Todo mês, cada um dá R$ 20 para a cota da compra de garrafões de água, mas muitas vezes temos outras despesas extras para compra de luvas, gazes, álcool em gel e até papel higiênico”, diz a médica pediatra Lyenka Pinto. "Já as máscaras também somos nós que custeamos. Cada um tem sua caixinha guardada porque aqui não tem há muito tempo no estoque."
A pediatra, que também é coordenadora clínica do hospital, disse que com a falta de medicamentos no Santa Catarina muitas vezes os médicos tentam conseguir amostras grátis com representantes de remédios ou ainda tiram do próprio bolso para poder atender a um paciente em estado grave.
"Sofremos antes, durante e depois de cada plantão devido a falta de estrutura no Santa Catarina. Tenho 17 anos como médica no Estado e nunca vi uma situação tão precária como esta que estamos vivenciando. É uma falta de tudo", disse a médica.
No hospital, apesar das carências, existem equipamentos que nunca foram usados e estão encaixotados há cerca de dois anos depois que foram enviados pelo Ministério da Saúde. Entre eles estão dois conjuntos de aparelhos de raio-x e equipamentos para abertura de 10 leitos de UTI neonatal ou pediátrica.
Paciente tem que comprar analgésico para pós-operatório
Por conta da falta de remédios, muitos pacientes que recebem atendimento pelo SUS (Sistema Único de Saúde) são obrigados a comprar medicamentos que deveriam ser fornecidos gratuitamente.
“A cirurgia do meu pai está marcada para ocorrer amanhã ⎚ de julho] , e tive que vim aqui pegar a receita com o médico para comprar o medicamento para dor no pós-cirúrgico”, conta Maria Lourdes Basílio, que acompanha o pai, Damião Baracho, 73 --que passaria por uma cirurgia de amputação de dedo, devido a complicações da diabetes, no hospital Ruy Pereira. O remédio indicado pelo médico foi o Tramal, um analgésico para dores moderadas e fortes.
A cirurgia de Damião, que deveria ser realizada em até 48h, pela gravidade do problema, só aconteceria dez dias após a entrada dele no hospital. A demora, segundo Maria de Lourdes, ocorreu por falta de médicos, que estão em greve há mais de 70 dias. Nesse período de internação, ela contou que também foi obrigada a comprar outro medicamento, o Cilostazol (indicado para tratar problemas circulatórios). “Cada caixa custou R$ 41. Muito caro para quem não tem dinheiro sobrando.”
Com trombose arterial, Benedita Fernandes de Brito, 41, deu entrada na emergência do hospital Walfredo Gurgel em junho. Por conta da falta de medicamentos e demora no atendimento, ela teve a perna amputada, segundo contou a irmã da paciente.
“Faltou o medicamento que o médico indicou, o que resultou na ampliação do problema. Ela está consciente do que aconteceu, e sempre a pessoa fica revoltada. Agora não sei o que vamos fazer”, contou Damiana Fernandes.
Ações e respostas do governo
Segundo o "Plano de Enfrentamento dos Serviços e Urgência e Emergência do Rio Grande do Norte", divulgado no último dia 4 de julho, quando o Estado decretou calamidade pública na Saúde, o governo afirmou que vai investir R$ 5 milhões para garantir o "abastecimento imediato das necessidades básicas dos hospitais da rede pública estadual".
Em nota encaminhada ao UOL, a Secretaria de Saúde do Rio Grande do Norte alegou que “a crise na saúde do Rio Grande do Norte é histórica. Qualquer busca rápida no Google (nos anos de 2006, 2007, 2008...) vai encontrar as mesmas manchetes, que anunciam a falta de leitos de UTI, macas no Hospital Walfredo Gurgel e a ambulancioterapia (sic).”
O órgão alegou ainda que “algumas medidas estão sendo tomadas para organizar e moralizar os serviços de saúde, como a implantação do ponto eletrônico e o chamamento de profissionais que hoje estão cedidos a órgãos não ligados ao SUS.”
“No plano estão contempladas ações como reforma e equipagem das principais unidades hospitalares da região metropolitana de Natal, reforma de sete hospitais regionais, que serão centros de referência no atendimento de média e alta complexidade, implantação de 125 leitos novos leitos de enfermaria e 63 leitos de UTI, ampliação do SAMU para atender 72% da população e implantação da Central de Regulação”, complementa a nota.
Fonte: UOL
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.