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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Dormir durante o plantão de hospital dá justa causa

O agir imprudente poderia culminar em forte e irreversível prejuízo a terceiros

Auxiliar de enfermagem que abandona o plantão e vai dormir em pleno horário de trabalho afronta os deveres de continência e de procedimento satisfatório, que compõem o conteúdo ético do contrato de trabalho. Logo, pode ser demitida com base na letra ‘‘b’’, do artigo 482, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Com esta linha de entendimento, a 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul manteve sentença que reconheceu como correta a demissão por justa causa de uma auxiliar com 24 anos de serviços prestados para a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.

Para o colegiado de desembargadores, o abandono deliberado do plantão, comprovado por testemunhas, configura comportamento não recomendável no ambiente de trabalho, já que sua tarefa consistia em zelar por vidas humanas. O agir imprudente poderia culminar em forte e irreversível prejuízo a terceiros — no caso, aos pacientes internados sob seus cuidados.

Os magistrados também derrubaram o argumento da defesa, que tentou desqualificar o depoimento da enfermeira-chefe substituta, já que era autoridade máxima na noite do plantão no Natal de 2008 e responsável pela demissão da auxiliar. ‘‘O fato de exercer cargo de chefia com trabalhadores subordinados não gera, por si só, suspeição de testemunha da reclamada, por não haver previsão legal’’, escreveu no acórdão o desembargador Ricardo Carvalho Fraga, que relatou os recursos na sessão de julgamento do dia 13 de junho. Ainda cabe recurso ao Tribunal Superior do Trabalho.

O caso

Em reclamatória trabalhista ajuizada na 2ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, a autora contou que começou a trabalhar na Santa Casa em 5 de agosto de 1985. Ela teve seu contrato rescindido por justa causa em 7 de janeiro de 2009, quando exercia as funções de auxiliar de enfermagem.

O fato que deu margem a sua demissão, garantiu, se originou de um mal-entendido havido com a enfermeira que estava substituindo a enfermeira-chefe naquele dia, cujo relacionamento interpessoal classificou de ‘‘péssimo’’. Disse que a enfermeira-chefe a convidou, junto com mais duas auxiliares, para um café na sala de lanche. Posteriormente, ela teria permitido que fossem descansar num quarto vazio durante o período de plantão.

Depois deste episódio, informou ter trabalhado normalmente nos plantões dos dias 26, 28 e 30 de dezembro; e 1º., 3 e 5 de janeiro, sem receber qualquer comentário do hospital. Entretanto, no dia 7 de janeiro, para sua surpresa, foi comunicada de sua demissão por justa causa, em função de ter dormido no plantão do Natal.

A Irmandade da Santa Casa apresentou sua defesa, tachando a versão da ex-empregada de ‘‘fantasiosa’’. Explicou que a enfermeira-chefe substituta tem 12 anos de serviço, sendo profissional de absoluto conhecimento técnico e sem registro de procedimentos que coloquem em dúvida sua capacidade. Sustentou que a enfermeira, estranhando a falta de movimentação no setor, flagrou as três auxiliares dormindo no quarto 1208, que estava com a porta entreaberta e o ar-condicionado ligado. Elas teriam se ausentado por volta das 3h do dia 25, deixando o setor à deriva.

A sentença

Com base na conduta da autora e dos testemunhos trazidos aos autos, a juíza do Trabalho Simone Oliveira Paese considerou, na sentença, válido e eficaz o ato que rendundou na despedida motivada. Afirmou que o fato de uma das testemunhas ‘‘achar’’, ‘‘supor’’ ou ‘‘ter percebido’’ que enfermeira-chefe estaria de ‘‘mau humor’’ por trabalhar na noite de Natal não justifica nem explica o comportamento das auxiliares, que abandonaram seus postos de trabalho para dormir em plena vigência do plantão.

‘‘Não há justificativa plausível à atitude das três auxiliares e, em particular, da reclamante, ainda que houvesse pouco movimento no setor em razão do feriado de Natal, haja vista que eventual omissão a um paciente necessitado que fosse já seria de imensa gravidade, senão crime previsto na legislação pátria’’, completou a juíza.

Com relação à imediatidade entre o ato faltoso e o procedimento que culminou com a despedida da autora, a juíza entendeu como razoável o espaço de tempo decorrido, até porque o fato deu-se em meio à semana entre as festividades e feriados de Natal e Ano-Novo. ‘‘De resto, duas semanas pode ser considerado tempo razoável a angariar certezas, já que a atitude da ré culminaria com a despedida de três empregadas, uma delas pelo menos com muitos anos de serviço’’, encerrou.

Justa causa mantida

A autora não se conformou com os termos da sentença e interpôs recurso no TRT, pedindo, no bojo da reclamatória trabalhista, a desconsideração da justa causa. Neste aspecto, solicitou a desconsideração do depoimento da enfermeira-chefe substituta. Afinal, seu relato serviu de prova contra a autora para justificar a demissão.

O desembargador Ricardo Carvalho Fraga, relator do caso, afirmou, no acórdão, que o artigo 405 caput, do Código de Processo Civil diz que podem depor como testemunhas todas as pessoas — exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas. É considerada suspeita, dentre outras, a testemunha que tiver interesse no litígio, conforme o inciso IV, do parágrafo 3º, do artigo 405, do CPC. Assim, por falta de previsão legal, o fato de exercer cargo de chefia não gera, por si só, suspeição de testemunha da reclamada. ‘‘Entende-se que haver presenciado o ocorrido e noticiado o fato à chefia não torna a testemunha suspeita, nem caracteriza, por si só, interesse no litígio’’, reforçou Fraga.

Sobre a reversão da justa causa, o magistrado, após cotejar os diversos relatos, disse que as testemunhas da autora não trouxeram elementos que corroborasse a tese de que o hospital estaria alegando um fato falso contra a autora. Com os depoimentos consistentes da enfermeira-chefe substituta e de uma técnica de enfermagem, ficou clara a falta da auxiliar de enfermagem para com os deveres assumidos com o empregador.

‘‘A despedida por justa causa constitui punição máxima ao empregado e, para sua configuração, é necessário que esteja plenamente configurada a falta grave cometida pelo empregado. Porém, atenta-se para o tipo de serviço realizado. Trata-se de atendimento à saúde. Exige-se de profissional que labora em hospital grande responsabilidade, em face do tipo de trabalho que presta à população em geral, e aos pacientes internados, em particular. Intercorrências com pacientes podem dar-se a qualquer momento, exigindo presteza de atendimento, razão por que não se admite que pessoa responsável se afaste durante plantão para dormir’’, encerrou o relator.

O voto do relator foi acolhido, por unanimidade, pelos desembargadores Luiz Alberto de Vargas e Cláudio Antônio Cassou Barbosa.

Fonte: Consultor Jurídico / Jomar Martins