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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Sentença: Laboratório condenado por erro em tipagem sanguínea

SENTENÇA:
Cuida-se de Ação Indenizatória por Danos Morais entre as partes acima epigrafadas, onde a autora pretende o correspondente ressarcimento. Alega a Autora que para fins de expedição de sua carteira de identidade (RG), efetuou o exame de tipagem sanguínea no laboratório da ré, tendo como resultado A+. Que segundo a Autora, sua genitora necessitou de uma transfusão sanguínea, pois fazia constantes hemodiálises, contudo fora impedida de fazer a doação porque os especialistas verificaram que sua identidade constava o tipo sanguíneo da autora diverso da sua genitora. Alega ainda, que por recomendação de algumas enfermeiras efetuou outro exame de tipagem sanguínea em outro laboratório, o qual teve resultado de O+, com a diferença no resultado efetuou pela terceira vez outro exame em um terceiro laboratório, tendo como resultado O+. Afirma que o resultado do exame prestado pela ré ocasionou grandes prejuízos em sua vida. Por fim, requereu a condenação da ré em danos morais.

Citada a ré, contestou, fls. 28/43. Alegou em preliminar prescrição da pretensão punitiva. No mérito, alegou que não houve qualquer prejuízo a autora, pois não houve qualquer tipo de doença ou realização de eventual tratamento clínico. Requereu a improcedência da ação.

Réplica a contestação, fls. 45/51. Audiência de conciliação, fls. 72. Audiência de instrução, fls. 102/103. Agravo retido pela oitiva da testemunha, fls. 103. Razões finais da autora, fls. 104/110. Razões finais da ré, fls. 113/127.

É o relatório, em síntese. DECIDO.

Inicialmente, pronuncio-me da questão que se pode considerar prejudicial à pretensão deduzida na inicial pela autora que é a alegada prescrição do seu direito de propor a presente Ação de Indenização por danos morais. Argumenta a Ré que a demanda foi proposta depois de transcorrido o prazo prescricional de 03 (três) anos. Disse que tendo ocorrido no ano de 1999, a Autora ajuizou somente 12 anos após a entrega do resultado do exame. O prazo prescricional, segundo algumas jurisprudências, deve ser contado tendo como início a data em que a parte lesada tomou conhecimento técnico dos efeitos do serviço ou produto. No caso, apesar da autora ter realizado o exame de tipagem sanguínea no ano de 1999 e incluído em seu RG, somente teve necessidade de realização de confirmação após doença apresentada por sua genitora no ano de 2009, assim, deve-se aplicar ao caso concreto o raciocínio consagrado pela jurisprudência de que o prazo prescricional corre a partir da ciência do Laudo final, ou seja, 19/11/2010. Inocorrendo, portanto, a prescrição pela aplicação da regra contida no inciso IX, do § 3º, do art. 206, do Código Civil Brasileiro que manda aplicar o prazo de 03 (três) anos para a prescrição do direito de ação de responsabilidade civil que ocorreria em 18/11/2013. Portanto, rejeito a prescrição de mérito.

Registro, que, no caso, está claro a relação de consumo; vez que, caracterizada encontra-se o demandante como consumidor; assim, como, a demandada, como fornecedora; segundo a descrição legal de ambas as figuras, feita pelo art. 2º e 3º do CDC. Sendo aplicado o previsto no art. 6º, inciso VII, do mesmo estatuto, para inverter o ônus da prova, em favor do autor (no que se refere a suas afirmações); Havendo a existência de relação de consumo, necessário se faz a observância de seus institutos, que embora possuam um status protecionista para com o consumidor, servem de parâmetro para a ascensão de uma relação jurídica contratual equânime (requisito essencial do NCC para a subsistência das relações contratuais). Nessa via, nasce os princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio entre consumidor e fornecedor, que podem ser observados no art. 4º do citado estatuto consumerista.

A controvérsia versa sobre erro de diagnóstico requerendo a parte autora, a condenação do laboratório Réu, ao pagamento de indenização, a título de danos morais. Sabe-se que a natureza jurídica das obrigações, em relação a exames clínicos, é uma obrigação de resultado, em que o prestador de serviço assume a obrigação de atingir o resultado, gerando expectativa particular no consumidor pelo serviço prestado.

A teor do que prescreve o art. 14, do CDC, a responsabilidade da Ré é objetiva e somente pode ser excluída se provada a culpa exclusiva do consumidor, e não concorrente. O Superior Tribunal de Justiça já assentou que a responsabilidade dos laboratórios é objetiva e de resultado:

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. LABORATÓRIO DE ANÁLISES CLÍNICAS. ERRO DE DIAGNÓSTICO. DEVER DE INDENIZAR. PRECEDENTES. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. EXAME PELO STJ. INVIABILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO. 1. "O diagnóstico inexato fornecido por laboratório radiológico levando a paciente a sofrimento que poderia ter sido evitado, dá direito à indenização. A obrigação da ré é de resultado, de natureza objetiva (art. 14 c/c o 3º do CDC)" (REsp 594.962/RJ, Relator o Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, DJ de 17/12/2004). 2. A modificação do entendimento lançado no v. acórdão recorrido, acerca da existência de vício no resultado do exame, demandaria o reexame do material fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ, que dispõe: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial." 3. É incabível a apreciação de matéria constitucional na via eleita, sob pena de usurpação da competência do eg. Supremo Tribunal Federal, nos termos do que dispõe o art. 102, III, da Magna Carta. 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 317.701/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 03/10/2013, DJe 08/11/2013)."

Ora da análise dos autos, verifica-se que a ré incidiu em erro quanto à tipagem sanguínea, caracterizando, assim, a falha na prestação do serviço prestado e ter acarretado dano a autora, que manteve o seu tipo sanguíneo por anos em seu RG, impediu a transfusão sanguínea a sua genitora, bem como caso a mesma viesse a se submeter a procedimento cirúrgico e, eventualmente, necessitasse de transfusão de sangue haveria a prejudicialidade, demonstrando assim, a falha na prestação do serviço da ré, prevista no artigo 14, do CDC, e, inexistindo causa capaz de justificar a falha supramencionada, impõe-se o dever do laboratório ré em reparar o dano causado. Assim, basta que se verifique a existência do dano e do nexo causal ligando este à conduta do fornecedor para que esteja caracterizada a responsabilidade civil deste último, independentemente da existência de culpa. É a adoção pelo Direito Pátrio da Teoria do Risco do Empreendimento. O dano moral decorrente de diagnóstico inexato está circunscrito na própria ofensa, o que poderia ser evitado pelo fornecedor de serviços, mas não ocorreu.

Quanto ao agravo retido de fls. 103, a oitiva da testemunha em nada acarretou para decisão final, por tratar-se de responsabilidade objetiva, não havendo qualquer cerceamento de defesa ou contraditório.

Pois bem, na nossa ordem jurídica, aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (art. 186, do Cód. Civil), e, assim, fica obrigado a repará-lo (art. 927, do Cód. Civil). Com efeito, a verificação do dever de indenizar reclama a presença do ato ilícito, do dano e do nexo causal entre eles.

Em relação ao valor da indenização, devem ser observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. O valor arbitrado deve guardar dupla função, a primeira de ressarcir a parte afetada dos danos sofridos, e uma segunda pedagógica, dirigida ao agente do ato lesivo, a fim de evitar que atos semelhantes venham a ocorrer novamente. Mister, ainda, definir a quantia de tal forma que seu arbitramento não cause enriquecimento sem causa à parte lesada, bem como devem ser observadas as condições financeiras das partes envolvidas, na busca efetiva proporcionalidade, já que o quantum não pode consistir em valor irrisório a descaracterizar a indenização almejada. Assim, levando em consideração tais circunstâncias e princípios entendo razoável fixar a indenização no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

ISSO POSTO, e por tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a demanda para condenar a Ré ao pagamento de indenização por danos morais, no valor que arbitro em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), devidamente atualizado pelo INPC a partir do ajuizamento da demanda, e acrescido de juros de mora de 1% a partir da data da sentença. Condeno a Ré ao pagamento das custas processuais. Bem como, condeno a ré ao pagamento de honorários advocatícios, que arbitro em 15% do valor da condenação. P.R.I. Arapiraca, 19 de outubro de 2015. Silvana Maria Cansanção de Albuquerque Juiz(a) de Direito