Nos últimos dias tem se iniciado uma verdadeira romaria para São Carlos, no interior de São Paulo. Pacientes com diagnóstico de câncer metastático/incurável viajam de várias partes do país atrás do medicamento fosfoetanolamina, que supostamente teria a capacidade de curar qualquer tipo de câncer.
A causa da procura desesperada pela droga foi uma decisão do STJ, há poucos dias, na qual a USP-São Carlos foi obrigada a fornecer a fosfoetanolamina aos pacientes que a requisitassem por via judicial, baseando-se na premissa de que “não se pode ignorar os relatos de pacientes que dizem ter tido benefício com a droga”.
Tal decisão do STJ é absurda e extremamente perigosa. Ela abre um precedente para que substâncias sejam liberadas para uso da população sem que testes adequados, realizados em humanos e com critérios rigorosos de segurança e eficácia, sejam concluídos. Foi o que aconteceu com a fosfoetanolamina, que teve suas propriedades testadas apenas in vitro e em animais.
Há dezenas de histórias trágicas na literatura médica envolvendo o uso irresponsável de drogas não testadas adequadamente, muitos deles com resultados catastróficos. Uma das histórias mais famosas é a da talidomida, utilizada em larga escala para o controle de náuseas em grávidas sem que fosse testada nessa população específica. O resultado foi um número assustador de crianças com malformações dos membros.
Outra história amarga foi a da sulfonamida, antibiótico largamente utilizado para o tratamento do Streptococcus, mas que só existia nas formulações em comprimidos. Para a utilização em crianças, era necessária uma forma líquida de administração, sendo então diluída em dietilenoglicol. Em menos de 15 dias, mais de 100 pessoas morreram envenenadas pelo composto, principalmente crianças.
Foi por causa de histórias como essas que as normas para condução de Pesquisas Clínicas no mundo foram criadas e devem ser seguidas à risca para o desenvolvimento de uma nova droga. A história da fosfoetanolamina é inadmissível nos dias de hoje, e deve ser interrompida o mais rápido possível. Ou corremos o risco de entrar para a história científica mundial como o país que ignorou regras básicas de segurança, expôs pacientes já debilitados a riscos incalculáveis e estimulou as expectativas desses pacientes (e seus familiares) a um nível irreal e cruel. Em pleno século XXI.
Fonte: CECIP
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.