Quando a fisioterapeuta Sheila Borges, 34 anos, ficou grávida já sabia que para ter seu médico de confiança na hora do parto teria de pagar, mesmo ele sendo credenciado do convênio que a atendia. "Aqui é sempre assim: ou você paga para o médico ou terá de fazer o parto com o plantonista." Segundo ela, que mora em Santos, no litoral sul de São Paulo, há muitos casos como o dela na cidade.
A prática é comum e aceita pelo CFM (Conselho Federal de Medicina), mas indevida para a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), que regula os planos de saúde, e para o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).
O valor é estipulado pelo médico, pois não há uma tabela ou uma recomendação do CFM e depende se o profissional levará uma equipe com ele (composta por auxiliar, anestesista, pediatra e instrumentador) ou se contará com a que estará de plantão no hospital.
Para a advogada Priscila Cavalcanti Carvalho, especialista em direito da mulher, o pagamento acaba sendo duplo, o que é ilegal. "Quando o paciente assina o contrato do plano de saúde, o atendimento obstétrico já faz parte do rol de procedimentos, que diz que a consumidora tem direito ao pré-natal e ao parto. Não tem sentido ela pagar duas vezes", afirma.
A advogada ressalta que o consumidor deve seguir o que diz a ANS, que é contra o pagamento extra. "A sociedade não deve se submeter ao órgão que representa os médicos. Nesse caso, a ANS tem prevalência, e a paciente pode acionar a Justiça", diz.
Joana Cruz, advogada do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), também é contra. "Essa cobrança deveria ser feita à operadora de saúde."
Para Joana, o consumidor está no meio de um "fogo cruzado" entre médicos e convênios. "Sabemos que as operadoras pagam aquém do serviço prestado por médicos. Uma gestante está bastante vulnerável, e a relação de confiança com o especialista é um costume no Brasil. Não dá para negar esse direito à paciente porque a operadora e o prestador de serviço não se acertam com honorários."
Segundo o CFM, o valor pago pelo convênio ao médico varia entre R$ 160 e R$ 1.180 por parto. "No particular, custa de R$ 3.000 a R$ 8.000", diz Desiré Carlos Callegari, primeiro secretário da entidade.
A ANS também não concorda com a cobrança da disponibilidade do profissional, alegação bastante comum, pois a paciente já paga o convênio.
"Uma consumidora de plano hospitalar com obstetrícia tem o direito garantido de que o parto, normal ou cesárea, está no seu plano, e os honorários médicos serão, em sua totalidade, cobertos pela operadora. Qualquer taxa cobrada pelo obstetra à gestante é ilegal e deve ser denunciada à ANS", diz a agência por meio de nota. Caso haja cobrança, a ANS orienta que a paciente informe à operadora e à própria ANS, que poderá multar o convênio.
Para CFM, cobrança não é antiética
De acordo com Callegari, a cobrança da disponibilidade do médico não é antiética. "Não há nada na legislação que diga que essa prática é ilegal. Nós entendemos que, se a paciente quer aquele médico para fazer o parto, o profissional tem direito de cobrar."
O Conselho orienta para que esse acordo seja tratado desde a primeira consulta do pré-natal e que seja explicado aos pais que, se eles optarem por não pagar, podem fazer o parto sem custos com um plantonista do hospital indicado pelo convênio.
"Independentemente do acordo que será feito entre médico e paciente, tudo deve ser explicado no primeiro dia de consulta. Inclusive se o valor acordado inclui a equipe médica ou não", afirma Maria Rita de Souza Mesquita, diretora da Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo).
Assim foi explicado para Sheila Borges desde o início da gestação de Heitor, hoje com um ano. "Aceitei pagar por fora por confiar no médico. Não queria fazer o parto com um desconhecido, não era hora de economizar. Se acontecesse algo de errado, eu me sentiria culpada", afirma a fisioterapeuta, que deu à luz na Casa de Saúde de Santos.
O profissional, mesmo sendo do convênio de Sheila, cobrou em torno de R$ 2.500 a disponibilidade para o nascimento, mas não emitiu nenhum comprovante para a paciente, ao contrário do que orienta o CFM. "Foi um acordo verbal. Ele já era meu médico antes da gravidez, confiei totalmente e deu tudo certo."
O CFM diz que, caso seja acordada essa disponibilidade, o médico deve emitir recibo para que a paciente possa tentar abater o valor do imposto de renda ou pedir ressarcimento do convênio. O reembolso não é garantido, pois nem todo plano prevê essa possibilidade. Mesmo a empresa que tem o sistema previsto pode alegar que a mulher tinha à sua disposição uma equipe médica e não a utilizou.
Fonte: UOL
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.