Idoso foi alojado de forma inadequada e recebeu tratamento médico aquém do necessário; instituição de saúde nega as irregularidades
Desde o dia 4 de agosto, a família Castro, residente de Mariana, no interior do Estado, sente a ausência de um dos seus membros mais idosos. Lourival Martins de Castro, aposentado que trabalhou como motorista grande parte da vida, faleceu aos 75 anos na unidade Santa Lúcia, da Fundação Hospitalar São Francisco de Assis, conhecida como Hospital São Francisco, em Belo Horizonte. O hospital alega que a morte decorreu de uma parada cardiorrespiratória e que fez tudo o que era possível para manter o paciente vivo. Já a família afirma que o atendimento do hospital levou à morte.
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A neta de Lourival, a enfermeira Francine de Castro Martins, de 23 anos, denunciou ao jornal O TEMPO ter presenciado uma série de decisões incorretas tomadas pelo hospital, que deterioraram o quadro já delicado do idoso. Ainda segundo ela, o hospital obstruiu as tentativas da família de buscar alternativas. O hospital foi procurado para esclarecer os pontos destacados pela família, mas preferiu se pronunciar por meio de nota, em que nega ter cometido qualquer equívoco.
Complicações de uma fratura
Lourival vivia com a família e, após sofrer uma queda na rua, foi socorrido a um hospital de Ouro Preto em 25 de maio deste ano. Como houve fratura no fêmur esquerdo, ele precisou ser transferido da Santa Casa de Misericórdia de Ouro Preto para um hospital com atendimento especializado, dando entrada na unidade Santa Lúcia do Hospital São Francisco no dia 29 de maio.
No dia 4 de junho, ele enfrentou o primeiro dos três processos cirúrgicos pelos quais passaria. No dia 7 de junho, segundo denuncia a família, Lourival foi liberado com a indicação de tomar “apenas medicamentos anticoagulante, anti-inflamatório e estimulador de apetite e orientações de cuidados”, lembra Francine. Em casos de grande complexidade cirúrgica, é recorrente a prescrição de antibióticos. Lourival não respondeu bem ao tratamento e precisou ser internado novamente no dia 25 de junho.
Maus tratos e decisões questionáveis
“Meu avô precisou retornar devido a uma infecção hospitalar, mas não foi colocado em um local adequado. Estava em uma enfermaria com outros quatro pacientes com casos distintos, complicando o caso dele e expondo os outros”, diz Francine. De acordo com a neta, além da proximidade com outros pacientes, a enfermaria não possuía limpeza adequada e ficava próximo a um banheiro que era usado, inclusive, por fumantes. Ela alega ainda que a equipe médica não tratou bem a família do paciente e não soube esclarecer porque a recuperação de uma fratura estava evoluindo tão mal.
Ao ver a piora do quadro clínico de Lourival, a família buscou, sem sucesso, a transferência do idoso. “Ele estava liberado da parte ortopédica e precisava de uma atenção clínica maior, o que não é a especialidade daquela unidade do Hospital São Francisco”, afirma a neta. Na busca, Francine afirma que conseguiu uma vaga para o avô de novo na Santa Casa de Misericórdia de Ouro Preto, esperando que, além de uma equipe mais voltada para a necessidade, a proximidade com a família ajudasse na recuperação do idoso.
“Você não viu nada”
“Fomos visitar meu avô no dia 27 julho e o quadro estava muito pior. Desabafei com uma enfermeira do hospital, dizendo que aquilo não era tratamento adequado a um idoso. Ela só me disse: ‘Você não viu nada’”, lembra Francine. Segundo ela, Lourival não foi transferido imediatamente para Ouro Preto devido a demora no cadastramento do paciente no banco de dados do SUS. A visita aconteceu em um domingo e, de acordo com a neta, a equipe havia se comprometido a finalizar os detalhes burocráticos do paciente até a quarta-feira, dia 30 de julho.
No entanto, até o dia 2 de agosto, Lourival Martins de Castro ainda se encontrava no Hospital São Francisco e, como seu quadro continuava piorando, ele acabou indo para a UTI do hospital naquele dia.
O idoso foi liberado para a transferência de hospital no dia seguinte, mas a equipe de transporte avaliou que ele não resistiria aos 120 km de viagem que separam os dois centros de saúde. “O Hospital São Francisco possui duas unidades: uma voltada para ortopedia e outra para tratamentos clínicos e oncológicos. Por que não transferiram meu avô para onde era mais adequado?”, questiona Francine. Na segunda-feira (4), Lourival não resistiu e faleceu na UTI, por parada cardiorrespiratória.
A família diz que tomará medidas contra o hospital. Nesta quarta-feira (13), pretendem reunir-se com advogados para decidir entre um processo na Justiça ou uma denúncia no Conselho Regional de Medicina mineiro.
Hospital alega que sindicância foi aberta
A reportagem de O TEMPO procurou o Hospital São Francisco desde a última sexta-feira (8), insistindo para entrevistar um responsável pela unidade de saúde para que pudesse explicar a denúncia de Francine. No entanto, o hospital respondeu apenas nesta terça-feira (12), por meio de nota, que não esclareceu todas as questões feitas pela reportagem, por telefone.
De acordo com a assessoria de imprensa da instituição, uma sindicância foi aberta a partir da denúncia da família, mas nenhuma evidência das reclamações foi encontrada. A respeito da obstrução da transferência, a instituição afirma apenas que ela não foi autorizada pelo médico responsável “em razão da gravidade de seu [de Lourival] estado de saúde”.
Veja a nota na íntegra:
``Após reclamação dos familiares do Sr. Lourival Martins de Castro foi aberta sindicância para apurar a existência de maus tratos, não sendo encontrado qualquer evidência.
Também não foi constado qualquer deficiência sanitária nas instalações do hospital, inclusive de seu ambulatório. A instituição tentou viabilizar a transferência do paciente a pedido dos familiares, mas em razão da gravidade de seu estado de saúde, necessitando de transporte com suporte avançado à vida, não foi autorizado pelo médico responsável, mantendo o paciente no Centro de Terapia Intensiva da Instituição. Infelizmente e apesar de todos os esforços médicos, em razão de uma parada cardiorrespiratória o paciente veio a óbito.
A Fundação Hospitalar São Francisco de Assis se coloca à disposição para demais esclarecimentos.``
Fonte: O Tempo Online
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.