Material genético não pode ser reconhecido como propriedade intelectual
Com vários anos de atraso em relação a outras partes do mundo, os Estados Unidos se renderam ao que parece óbvio até para quem ignora as minúcias da biologia molecular: se os genes são comuns a todos os seres humanos, que os recebem por via natural dos pais, o código de DNA neles contido não pode ser reconhecido como propriedade intelectual.
A lei brasileira, por exemplo, impede a concessão de patentes para material genético humano.
Na quinta-feira, a Suprema Corte americana determinou por nove votos a zero que genes humanos não podem ser objeto de patentes. Derrubou, assim, a interpretação até então vigente, do Escritório de Patentes dos EUA, de que as sequências de DNA podiam receber tal privilégio.
A decisão se deu na ação movida por médicos e instituições de saúde contra as patentes dos genes BRCA 1 e BRCA 2 conferidas à empresa Myriad Genetics, de Utah (Oeste dos EUA). A abreviação se refere a ``breast cancer``, câncer de mama em inglês.
``A Myriad nada criou``, escreveu o juiz Clarence Thomas pelo tribunal. ``Certamente descobriu um gene importante e útil, mas separar o gene do material genético em volta não é ato de invenção.``
Variações truncadas dos dois genes estão associadas com um considerável aumento da probabilidade, entre 11% e 65%, de uma mulher desenvolver tumores de mama ou de ovário ao longo da vida.
Essas sequências de DNA só explicam uma parcela pequena dos tumores mamários; a maioria deles tem origens não hereditárias, como mutações sofridas após o nascimento. Apesar disso, tornaram-se um teste diagnóstico a mais no arsenal de oncologistas.
Foi após descobrir que portava uma dessas variações que a atriz Angelina Jolie, cuja família apresenta outros casos de tumores ginecológicos, decidiu extirpar ambas as mamas como forma de prevenção. Uma opção extrema e controversa, na opinião de vários especialistas, que preferem lançar mão de drogas antitumorais e exames mais frequentes.
Com a decisão da Suprema Corte, restringe-se o monopólio da Myriad sobre os genes. O custo dos exames correspondentes pode cair. E, mais importante, restaura-se a liberdade de qualquer pesquisador trabalhar com essas sequências sem ter de pedir licença à empresa.
Fonte: Folha de S.Paulo
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.