É preciso mudar as regras para que os consumidores contratem o que necessitam e as operadoras ofereçam o que possam entregar
Faz poucas semanas escrevi um artigo analisando o comportamento dos planos de saúde privados individuais. Agora, a ANS informa o reajuste autorizado para essa modalidade de plano: acima de 9%, ou seja, bem acima da inflação do período. Nada de novo debaixo do sol. Já escrevi várias vezes que não há relação entre a inflação da economia como um todo e o custo da saúde em particular. Ao longo das últimas décadas, os custos médicos e hospitalares se descolaram da inflação anual, subindo muito mais do que ela em todos os países do mundo. A razão para isso é simples: não morrer custa caro. Os investimentos em pesquisa demandam bilhões de dólares, que precisam ser recuperados com a venda e a utilização dos equipamentos e drogas que elevaram a expectativa de vida para mais de 70 anos no Brasil e para perto de 90 anos no Japão.
Na base de mais este drama brasileiro está a Lei dos Planos de Saúde Privados. Ao engessar os produtos em modelos rigorosos e herméticos, a lei impede que as operadoras desenhem planos mais adequados aos diferentes públicos.
Mas não é só a lei que é ruim. O governo tenta transferir para os planos privados despesas que seriam do SUS e a Justiça aumenta a sinistralidade obrigando o atendimento de procedimentos não contratados pelo segurado.
Do outro lado, não é raro algumas operadoras recusarem autorização para procedimentos cobertos, bem como o segurado se deparar com hospitais e laboratórios lotados.
Nos dois parágrafos acima estão elencados pontos negativos e positivos do sistema de saúde privado. A soma de uma lei ruim, os interesses imediatos do governo e o desconhecimento do funcionamento dos planos pelo Poder Judiciário encarecem os produtos oferecidos e chegam a tornar deficitários alguns integrantes do sistema. Já a soma do mau atendimento oferecido por algumas operadoras com a falta de capacidade da rede privada também não acrescenta nada de positivo a um sistema que vive na corda bamba, com seus resultados espremidos por margens mínimas, quando não negativas.
A contrapartida é que o Brasil tem hoje uma boa rede médico/hospitalar privada porque os planos de saúde privados viabilizaram a sua construção e consolidação. Sem eles, os grandes hospitais de ponta estariam longe dos patamares de qualidade alcançados, os hospitais de nível médio não seriam uma realidade nacional e a rede pública estaria carregada com mais 50 milhões de pessoas que não teriam a quem recorrer.
O problema é que não tem como não aumentar o preço dos planos de forma a adequar as saídas e as entradas. Todos os anos, nesta época, acontece o desgaste causado pela divulgação do índice autorizado pela ANS para o reajuste dos planos individuais. Os consumidores consideram o aumento muito alto, os planos consideram baixo, os médicos se sentem mal remunerados, o governo tenta se livrar do atendimento de milhões de pessoas, aumentando as obrigações dos planos privados e por aí vamos, com todos de alguma forma insatisfeitos.
Não há dúvida de que o setor precisa dar mais transparência ao negócio como um todo e ao faturamento e às despesas em particular. É necessário um melhor detalhamento dos resultados do mútuo e não apenas a apresentação da sinistralidade e custos de um determinado grupo que faz parte dele. Não é assim que o aumento deve ser calculado. Também é preciso a individualização das operadoras de forma a criar critérios que aumentem a competitividade e beneficiem as mais eficientes.
Mas, acima de tudo, é necessário cuidado no trato do tema. Quem conhece o sistema sabe que o lucro, quando tem, é baixo e que várias operadoras estão no limite. Isso não quer dizer que se deve abrir a porteira e permitir reajustes ainda maiores. Aliás, se fossem autorizados, conseguiriam apenas colocar para fora pessoas que não teriam como suportá-los. O que é preciso é mudar as regras para que os consumidores contratem o que necessitam e as operadoras ofereçam o que possam realmente entregar.
Fonte: ANTONIO PENTEADO MENDONÇA - Agência Estado
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.