PORTUGAL
Trabalho no serviço de urgência e falta de tempo para estudar são os principais motivos de descontentamento dos médicos durante o internato.
Ainda há poucos anos as especialidades de medicina geral e familiar e a saúde pública eram das menos cotadas e apreciadas entre os jovens médicos em formação, mas a situação mudou radicalmente. Um estudo recente do Conselho Nacional do Médico Interno (CNMI), um órgão consultivo da Ordem dos Médicos, que pretendeu avaliar a satisfação dos médicos durante o internato - os quatro a seis anos em que estão a tirar uma especialidade - permitiu perceber que a medicina familiar está agora entre as cinco especialidades que mais satisfação proporcionam aos profissionais em formação, logo a seguir à endocrinologia, cardiologia e anestesiologia.
Também a saúde pública surge bem posicionada nesta espécie de ranking de satisfação. Do lado oposto perfilam-se a medicina legal, a oncologia médica, a medicina interna e mesmo cirurgia geral, com graus de satisfação reduzidos, segundo os resultados deste estudo sintetizados num artigo que vai ser publicado na próxima edição da revista Acta Médica e a que o PÚBLICO teve acesso.
“É uma mudança de paradigma”, considera Edson Oliveira, coordenador do CNMI, que destaca o facto de, na globalidade, os internos que responderam a este inquérito (cerca de um terço do total) assumirem “níveis elevados de satisfação” com o internato, apesar de haver “marcadas assimetrias” consoante o ano da especialidade e a região.
Maior reconhecimento dos médicos de família
“Os médicos de família já não são olhados como os clínicos gerais. Há um reconhecimento cada vez maior da classe e da população”, explica. Também a nova geração de médicos reconhece a importância da medicina familiar e a possibilidade de carreira que oferece nos centros de saúde. Sobre a especialidade que surge em primeiro lugar, a endocrinologia/nutrição, o coordenador do CNMI lembra que permite antever "uma boa qualidade de vida" e tem "um bom plano de formação". Quanto à anestesiologia, é das especialidades "mais bem organizadas e há uma falta enorme de profissionais, a nível mundial", enquanto a cardiologia se destaca pelo reconhecimento inter-pares e o facto de poder proporcionar uma boa actividade no sector privado, justifica.
Preocupante é, na sua opinião, o facto de a medicina interna e da cirurgia geral, "os grandes bastiões dos hospitais", aparecerem nos últimos lugares desta lista. "É a demonstração clara de um problema. Há uma pressão assistencial brutal, cai-lhes tudo em cima", frisa, lembrando que estes médicos são dos que mais trabalham em serviços de urgência, uma sobrecarga que provoca "enorme desgaste".
De uma forma geral, os médicos do primeiro ano do internato (antes da entrada na especialidade) são o grupo que apresenta graus de satisfação mais elevados. Depois, é sempre a descer. O nível de satisfação vai decrescendo do 1.º até ao 5.º ano, para aumentar de novo no 6.º e último. Justificações? No primeiro ano, o nível de exigência é menor, o trabalho nos serviços de urgência é mais reduzido. No último ano, os internos já tratam de casos mais diferenciados, é mais entusiasmante.
Mais entusiamo nas ilhas no Alentejo
Por regiões, é na Madeira, Açores e no Alentejo que os profissionais em formação se mostram mais satisfeitos. O Algarve surge em último lugar, seguido de Lisboa e Vale do Tejo. Quanto à tipologia de hospital, o grau de de satisfação é superior nos hospitais distritais. "Há maior entre-ajuda, mais informalidade. Os hospitais centrais são mais impessoais".
Este resultado coincide com o obtido num estudo realizado em 2014 em que os internos de hospitais centrais obtiveram grau de satisfação inferior. Nesse primeiro estudo de âmbito nacional sobre a satisfação com o internato médico, a taxa de resposta foi inferior (12,25%) e a maior parte dos inquiridos diziam então sentir um agravamento significativo das condições para a prática clínica. Uma percentagem elevada (65%) considerava mesmo a hipótese de emigrar no final do internato.
"Há dois pontos transversais de descontentamento: o serviço de urgência e a falta de tempo para estudar, por estarem assoberbados de trabalho assistencial e burocrático", sublinha Edson Oliveira, que destaca a necessidade que os internos têm de publicar trabalhos científicos, o que é crucial para a inovação e o desenvolvimento dos serviços.
Por isso, recomenda-se a criação de um tempo de estudo definido no horário de trabalho e a melhoria dos locais destinados ao descanso durante o trabalho na urgência. "Muitas vezes dormem numa maca e descansam num sofá ou numa cadeira, durante urgências de 24 horas", descreve.
O estudo recente baseou-se em 3456 respostas a um inquérito (uma taxa de resposta da ordem dos 35%) e foi utlizado o questionário Postgraduate Hospital Educational Environment Measure (PHEEM) desenvolvido no Reino Unido e adaptado à realidade portuguesa.
Fonte: PUBLICO.pt
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.