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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Submissão a regra técnica gera debate sobre bis in idem

A falta de submissão do profissional às regras técnicas exigidas para o exercício do seu ofício pode custar a vida de alguém. O Código Penal estabelece que a pena para o crime de homicídio culposo é majorada em um terço se o ato que deu causa à morte da vítima foi praticado com inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício (artigo 121, parágrafo 4°, primeira parte).

Segundo a ministra Laurita Vaz, da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, o homicídio culposo se caracteriza com a imprudência, negligência ou imperícia do agente, “modalidades da culpa que não se confundem com a inobservância de regra técnica da profissão, causa especial de aumento de pena que se situa no campo da culpabilidade, por conta do grau de reprovabilidade da conduta concretamente praticada” (HC 94.973).

Especificamente sobre a imperícia, o ministro Arnaldo Esteves Lima, da Primeira Turma do STJ, dis que ela não pode ser confundida com a inobservância de regra técnica de profissão, “pois naquela o agente não detém conhecimentos técnicos, ao passo que nesta o agente os possui, mas deixa de empregá-los” (HC 17.530).

Dever de cuidado
De acordo com o jurista Heleno Cláudio Fragoso, a causa de aumento de pena prevista no artigo 121, parágrafo 4º, do CP é aplicável apenas ao profissional, “pois somente em tal caso se acresce a medida do dever de cuidado e a reprovabilidade da falta de atenção, diligência ou cautela exigíveis” (Lições de Direito Penal — Parte Especial).

Para melhor entendimento, Fragoso menciona uma situação hipotética: "Se alguém constrói um muro divisório de seu terreno e se tal muro vem a ruir causando a morte, por ter sido edificado com a inobservância de regras técnicas, parece evidente que uma culpa agravada só poderia ter um técnico na construção de muros”.

Isso porque, segundo o jurista, se o muro for construído por um profissional, com inobservância dos deveres de seu ofício, “a censurabilidade será bem maior, porque o profissional está adstrito a mais graves responsabilidades”.

Bis in idem
Há casos em que o juiz aplica o aumento de um terço pela inobservância de regra técnica de profissão, mesmo quando esta circunstância já fora considerada para a fixação da pena-base. Nessas hipóteses, configura-se o bis in idem (quando há mais de uma condenação pelo mesmo fato).

No julgamento do RHC 22.557, o desembargador convocado Haroldo Rodrigues afirmou que, “embora a causa de aumento de pena referente à inobservância de regra técnica de profissão se situe no campo da culpabilidade, demonstrando que o comportamento do agente merece uma maior censurabilidade, não se pode utilizar do mesmo fato para, a um só tempo, tipificar a conduta e, ainda, fazer incidir o aumento de pena”.

O recurso em habeas corpus foi impetrado em favor de um engenheiro civil, denunciado como incurso no artigo 121, parágrafos 3º e 4º, do CP, devido à morte de um homem soterrado enquanto trabalhava no interior de uma vala. O profissional foi contratado pela Sociedade Torre de Vigia, localizada em Cesário Lange (SP), para a colocação de tubulação de escoamento de águas pluviais. Consta na denúncia que ele não observou as regras de segurança instituídas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, o que causou o desabamento das paredes da escavação.

Ação típica
Ao analisar o recurso, o desembargador Haroldo Rodrigues, relator, constatou que a denúncia "em momento algum esclarece em que consistiu a causa de aumento de pena, apenas se referindo à inobservância de regra técnica como a própria circunstância caracterizadora da negligência do agente, fazendo de sua ação, uma ação típica”.

O relator se baseou em precedentes do STJ para dar provimento ao recurso e excluir a causa de aumento de pena da imputação.

Gás carbônico
Em agosto de 2013, a 6ª Turma analisou o caso em que uma auxiliar de enfermagem da Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência do Rio de Janeiro foi denunciada, juntamente com duas técnicas de enfermagem, após uma paciente ter morrido por intoxicação (HC 167.804).

Uma das técnicas pediu ajuda ao segurança do hospital para que ele trocasse um cilindro de oxigênio vazio por um cheio, utilizado para o tratamento da paciente. Contudo, o segurança pegou o cilindro de gás carbônico equivocadamente. Quando a auxiliar de enfermagem assumiu o plantão na manhã seguinte, ela tentou nebulizar a paciente, sem perceber que o cilindro estava trocado.

No final da tarde, foi substituída por uma técnica de enfermagem, que procedeu da mesma forma, mas diante da reação negativa da paciente, interrompeu a medicação — tarde demais.

Ampla defesa
No habeas corpus impetrado perante o STJ, a defesa pediu que fosse declarada a inépcia da denúncia oferecida pelo Ministério Público, que, segundo ela, não descreveu detalhadamente a conduta delituosa, impossibilitando o exercício da ampla defesa. Subsidiariamente, pediu o afastamento da causa de aumento de pena por inobservância de regra técnica da profissão.

O ministro Sebastião Reis Júnior, relator do habeas corpus, verificou que a conduta da auxiliar que teria ocasionado a morte da vítima foi devidamente descrita na denúncia. Em relação à causa de aumento de pena, ele mencionou que o MP restringiu-se a afirmar que, por inobservância de regra técnica nos cuidados dispensados à vítima, a auxiliar e as técnicas causaram lesões que provocaram sua morte.

Para o relator, ficou configurado o bis in idem. “Não houve, portanto, o devido esclarecimento do que configurou a majorante, evidenciando que a própria inobservância de regra técnica foi utilizada para caracterizar a imperícia”.

Diante disso, a 6ª Turma, em decisão unânime, excluiu a causa de aumento de pena e possibilitou o oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo.

Trabalho de parto
Em abril de 2013, os ministros da 5ª Turma divergiram ao julgar o Habeas Corpus de médico obstetra responsabilizado pela morte de um feto. A maioria dos ministros entendeu que o aumento de pena deveria ser mantido, pois, em seu entendimento, não ficou configurado o bis in idem (HC 181.847).

O médico foi condenado por homicídio culposo, agravado pela inobservância de regra técnica de profissão, porque não esteve presente no decorrer do trabalho de parto da paciente. Com isso, deixou de diagnosticar a necessidade de intervenção cirúrgica que poderia evitar o descolamento prematuro da placenta da gestante e, consequentemente, a morte do feto.

A defesa pretendia afastar a causa de aumento, sob o argumento de que houve bis in idem, pois a negligência atribuída ao médico teria sido duplamente valorada.

Voto vencido
O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, votou pelo reconhecimento do bis in idem e foi acompanhado pelo ministro Jorge Mussi. “Se o componente da culpabilidade não excede o que regularmente se requer para a configuração do crime culposo, o reconhecimento da causa de aumento significa uma dupla valoração inadmissível”, afirmou Bellizze.

Para ele, a circunstância de aumento de pena só poderia ser aplicada com a indicação clara de qual regra técnica não fora observada pelo profissional, “exigindo-se da sentença condenatória a descrição precisa do fato correspondente à imprudência, negligência ou imperícia, bem assim do dado que indique a inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício”.

Contrariando o entendimento do relator, a Turma acompanhou o voto proferido pelo desembargador convocado Campos Marques, para quem não houve bis in idem.

“O legislador, ao estabelecer a circunstância de especial aumento de pena, pretendeu impor uma maior reprovabilidade na conduta do profissional que, ao agir de forma culposa, o fez com inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício”, declarou o desembargador.

Home care
A incidência da causa especial de aumento prevista no artigo 121, parágrafo 4º, do CP deve estar fundamentada em fato diferente daquele que compõe o próprio tipo culposo. Com esse entendimento, a 6ª Turma deu provimento a Recurso em Habeas Corpus impetrado em favor de uma técnica de enfermagem que prestava serviço de home care a uma mulher de 84 anos (RHC 26.414).

De acordo com a denúncia, a técnica de enfermagem deixou de observar seu dever de cuidado e de evitar dano que lhe era previsível, “dando assim causa às lesões corporais que foram a causa da morte da vítima”.

Enquanto dava banho na idosa, ela permitiu que a bomba infusora de alimentação caísse na cabeça da vítima, o que provocou traumatismo craniano-encefálico com hematoma subdural e edema cerebral.

Assistente de acusação
A denúncia foi recebida e a filha da vítima habilitou-se no processo como assistente de acusação. Ela pediu um aditamento para incluir a causa especial de aumento do parágrafo 4º do artigo 121 do CP, com objetivo de inviabilizar a suspensão condicional do processo.

No STJ, a defesa questionou a inclusão da majorante, pois estaria colocada em flagrante bis in idem. Para ela, não havia a descrição de nenhum fato diferente da própria ação culposa (típica).

Para a ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora do recurso, houve bis in idem, pois, no aditamento à denúncia, o MP limitou-se a afirmar que não foi observada regra técnica da profissão, sem especificar de forma clara e precisa o que teria dado causa ao aumento de pena.

“Só o fato de ser técnica de enfermagem, conforme posto no aditamento, não é suficiente para viabilizar a incidência da causa especial de aumento, pois seria a própria culpa”, ressaltou a ministra. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

HC 94.973
HC 17.530
RHC 22.557
HC 167.804
HC 181.847
RHC 26.414

Fonte: Revista Consultor Jurídico