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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Na rede particular do Rio, 93% dos partos são cesarianas

Recomendação da Organização Mundial de Saúde é de até 15%

RIO - Nas maternidades particulares da cidade do Rio, praticamente não nascem mais crianças de parto normal. Segundo a Secretaria municipal de Saúde, 93% dos partos realizados nos hospitais privados são cesarianas, quando a Organização Mundial de Saúde recomenda que esse percentual não ultrapasse os 15%. Já nas unidades públicas do município, o índice é de 36%. Com isso, a capital tem, juntando maternidades particulares e públicas, 57% de cesarianas, contra 52% em todo o Brasil.

Entre os hospitais públicos do município, a Maternidade Maria Amélia Buarque de Hollanda, no Centro, é a que tem a menor taxa de cesarianas da cidade: 18%. Inaugurada em maio de 2012, a unidade já é referência e tem atraído até grávidas com planos de saúde. Após uma experiência traumática no nascimento do primeiro filho, hoje com 5 anos, a arquiteta Ana Karina Costa Amaral, de 36 anos, abandonou a médica do plano de saúde, já na 41ª semana de gestação, para ter a pequena Luiza na nova maternidade.

— A médica pediu dinheiro por fora para acompanhar o meu trabalho de parto. Chegamos a aceitar, mas no final da gestação ela disse que a criança estava muito alta e que a cesariana seria necessária. Nunca mais voltei ao consultório dela, e minha filha nasceu de parto normal, no hospital público, com 42 semanas de gestação, sem qualquer problema — contou.

O tema preocupa especialistas e ganhou as telas de cinema. Em cartaz desde agosto, o filme “O renascimento do parto”, de Érica de Paula e Eduardo Chauvet, retrata o número alarmante de cesarianas no Brasil e mostra as consequências clínicas e psicológicas para os bebês, que cada vez mais nascem prematuros. Através de relatos de especialistas na área, o longa promove uma reflexão sobre o futuro de uma civilização nascida sem os chamados “hormônios do amor”, liberados, segundo médicos, apenas em condições específicas do trabalho de parto.

Médico alerta para perigos da prematuridade
Especializado em neonatologia, o pediatra José Vicente de Vasconcelos, da Maternidade Leila Diniz, na Barra da Tijuca, alerta que a prematuridade provocada pela cesariana pode causar problemas respiratórios no bebê. A OMS considera prematuras crianças que nascem antes de 37 semanas completas — e é comum o agendamento de cesarianas já a partir da 37ª semana.

— A prematuridade leva a muitos riscos, como o de doenças respiratórias, que podem exigir internação e afastar a mãe do bebê. Ele demora mais para começar a se alimentar. Além disso, há o perigo de infecção hospitalar. O trabalho de parto é importante porque o bebê, quando passa pelo canal de parto, elimina o excesso de líquido dos pulmões. Na cesariana, isso não acontece. O bebê nasce cheio de líquido nos pulmões e, muitas vezes, tem dificuldade para respirar. São muitos os riscos, mas infelizmente temos uma epidemia de cesarianas, que só deveriam ser adotadas quando há perigo para a mãe e a criança — alerta.

Aline Sudo, consultora de amamentação, conta que bebês que nascem de cesariana apresentam mais dificuldades para mamar no peito:

— No parto normal, o bebê já está pronto para começar a mamar na hora em que nasce. Na cesariana, como é marcada, muitas vezes o bebê ainda não está pronto e pode ter algum transtorno na hora de fazer contato com a mãe.

O índice de cesarianas em todo o estado chegou a 62% em 2012. Subsecretária de Atenção à Saúde da Secretaria estadual de Saúde, a médica sanitarista Mônica Almeida disse que o problema muitas vezes é provocado pela falta de leitos de maternidade, principalmente na Baixada Fluminense.

— O médico, então, é obrigado a marcar dia e hora, para não correr o risco de, na hora do parto, não haver vaga para a paciente — contou.

Após uma experiência traumática em duas cesarianas, Júlia Araújo dos Santos, de 23 anos, moradora de Duque de Caxias, decidiu buscar atendimento na maternidade carioca Maria Amélia Buarque de Hollanda.

— Uma amiga indicou esta maternidade e disse que o atendimento é igual ao de hospital particular. É o meu primeiro dia aqui, mas já percebi que é muito melhor do que lá perto de casa — comentou Júlia, que está com 39 semanas de gravidez.

O secretário municipal de Saúde, Hans Dohmann, reconhece que ainda há casos de grávidas que peregrinam em busca de atendimento, mas afirma que são pacientes de outros municípios. Segundo ele, o projeto Cegonha Carioca tem conseguido assegurar o atendimento às gestantes da capital. Sobre os altos índices de cesariana, o secretário destacou que a decisão “soberana e legítima é sempre do médico”.

— Ainda temos um espaço para caminhar até alcançar as recomendações da Organização Mundial de Saúde, mas já estamos próximos. Um trabalho de educação dos profissionais de saúde e das gestantes, que muitas vezes preferem a cesariana, é que vai nos aproximar das recomendações — acredita.

De acordo com a vice-presidente do Cremerj, a obstetra Vera Ferreira, o médico marca a data para garantir a internação, inclusive porque há falta de leitos também na rede privada:

— Nos municípios menores, o problema é a fala de profissionais, e os médicos acabam marcado cesariana nos dias em que têm certeza de que a equipe estará completa. Outra questão é a baixa remuneração. Um parto normal demora em média 12 horas, e o profissional recebe cerca de R$ 300 para acompanhar todo esse tempo e os dias seguintes. Fora isso, tem o próprio desejo da mulher de fazer cesariana. O Cremerj não defende isso e tem a preocupação de sempre informar que o parto normal é a primeira via.

Após a dor, a longa espera por justiça

Família de gestante morta em hospital em 2002 até hoje não recebeu indenização
A mesma lógica da rapidez na hora de escolher o tipo de parto não vale quando é preciso corrigir erros e fazer justiça. Alyne da Silva Pimentel Teixeira, de 28 anos, morreu em novembro de 2002, no sexto mês de gestação, cinco dias após dar entrada num hospital público de Belford Roxo e não receber atendimento apropriado. A família recorreu à Justiça no ano seguinte, mas até hoje, dez anos depois, não saiu uma decisão. Por causa da demora, em 2007 o caso foi submetido ao Comitê Para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (Cedaw, na sigla em inglês), da ONU. Em agosto de 2011, o Cedaw, condenou o Estado brasileiro pela morte de Alyne. Além de fazer uma série de recomendações para garantir às mulheres uma maternidade segura, o comitê determinou o pagamento de indenização à família da gestante. Foi a primeira condenação internacional do grupo referente a morte materna.

Da mesma forma que no caso da ação na Justiça, até hoje os parentes de Alyne estão à espera: o pagamento da indenização, cujo valor não revelam, ainda não saiu.

Alyne deixou uma filha, hoje com 15 anos, criada pela avó materna, Maria de Lourdes da Silva Pimentel, de 63. Logo que a mãe morreu, a menina parou de falar e praticamente não se alimentava. A avó precisou abandonar o trabalho de doméstica para cuidar da neta e, sem salário, passou a contar com a ajuda de parentes e amigos.

— Ela (a neta) sofreu muito e precisou de terapia para superar a perda. Ainda tem problemas na escola. Tanto que só aprendeu a escrever há pouco tempo — contou Lourdes.

— Dinheiro nenhum vai trazer minha filha de volta. Mas quero fazer justiça para que outras famílias não passem pelo mesmo drama.

Vera Soares, secretária de Articulação Institucional e Ações Temáticas da Secretaria de Políticas Para as Mulheres, do governo federal, argumentou que são necessárias várias consultas jurídicas antes de pagar a indenização:

— É um arcabouço de consultas para proteger a decisão política de acatar a orientação do comitê. Já temos o respaldo dos procuradores dos municípios do Rio e de Belford Roxo, e o processo está em análise. Espero que até o fim do ano o caso esteja resolvido.

Fonte: O Globo