O terceiro júri popular da história da Justiça Federal em Santos terminou, na noite desta quarta-feira (24/10), com a absolvição da administradora de empresas A.C.N.P., de 49 anos, acusada de tentar matar um médico-perito do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). As seis mulheres e o homem sorteados para compor o Conselho de Sentença consideraram que a ré é inimputável, ou seja, não tem consciência do caráter ilícito dos seus atos e, portanto, não pode ser responsabilizada criminalmente por eles.
O Ministério Público Federal denunciou A.C.N.P. por uma tentativa de homicídio duplamente qualificado, porque ela desferiu facadas no médico-perito, de 35 anos, dentro de um consultório da agência do INSS na Aparecida, em Santos, em 21 março de 2007. Ainda conforme o MPF, a vítima só não morreu porque terceiros intervieram e ela recebeu eficaz socorro.
A decisão dos jurados acolheu a tese do advogado Eduardo Antonio Miguel Elias, defensor da acusada. A juíza federal Márcia Uematsu Furukawa, em vez de fixar uma condenação à acusada, lhe impôs medida de segurança, consistente em internação em hospital psiquiátrico ou, na falta deste, em estabelecimento similar, pelo tempo necessário ao tratamento.
O procurador da República Antonio Morimoto Júnior sustentou que A.C.N.P. cometeu a tentativa de homicídio por motivo torpe — caracterizado pela vingança da ré ao não ter restabelecido pela vítima o benefício por incapacidade que recebia do INSS — e pelo emprego de meio cruel — devido ao uso de uma faca de 26 centímetros. Na hipótese de condenação, a pena variaria de 4 a 20 anos de reclusão.
Devido a transtornos mentais, a ré estava afastada do trabalho desde setembro de 2003. A partir daí até a data do crime, ela teve o benefício previdenciário renovado por cinco vezes, mas recebeu alta de um médico em 6 de fevereiro de 2007. Ao retornar ao posto do INSS em 14 de fevereiro daquele ano, a acusada foi informada pelo médico que ele confirmava a alta assinada pelo colega.
Uma semana depois, A.C.N.P voltou ao posto do INSS, invadiu o consultório onde estava a vítima e, armada com uma faca de cozinha, a atacou. O médico foi atingido quatro vezes na perna direita e uma, na esquerda. Ele sofreu intensa hemorragia, precisou ser operado e levou 18 pontos. Uma das facadas atravessou o tornozelo e rompeu o tendão de Aquiles. A acusada foi autuada em flagrante e, após ficar 37 dias presa, pôde responder pelo crime em liberdade.
A sessão durou cerca de 12 horas. Oito testemunhas depuseram em plenário, entre as quais uma médica-perita do INSS que, por três vezes, concedeu benefício previdenciário à ré e chegou a diagnosticar “transtorno afetivo bipolar psicótico”. Ao ser questionada pela defesa sobre esse quadro clínico, a médica o classificou como “gravíssimo”.
O médico estava intimado para o júri, mas não compareceu. Ele não mais faz parte do INSS e, atualmente, integra a equipe de médicos da Câmara dos Deputados, trabalhando e residindo em Brasília. Para suprir a sua ausência, o procurador da República Antonio Morimoto Junior requereu a leitura em plenário do depoimento prestado pela vítima na primeira fase do processo. Após a sessão, o representante do MPF disse que não recorrerá.
O interrogatório
Ao ser interrogada em plenário, A.C.N.P. disparou duras críticas ao INSS. “No INSS você é humilhada por pedir o que tem direito. Pedir esmola na rua é menos humilhante. O problema psiquiátrico é complicado, porque não sangra. As pessoas não acreditam, mas não é legal ficar sem trabalhar. Por menor que seja o salário, é honroso trabalhar e recebê-lo”.
Segundo a administradora de empresas, por mais de 30 anos contribuiu ao INSS, recebendo o auxílio-doença por cinco anos. De dois em dois meses, ela era reavaliada, sendo o benefício renovado por vários médicos. Porém, a vítima entendeu que não era o caso de renovação. Pior do que isso, ela defende-se agora de ação de execução fiscal do INSS. Ele exige a devolução dos valores dos benefícios que pagou à ré, com a devida atualização monetária, e conseguiu a penhora do apartamento dela.
“Só na Cosipa (Companhia Siderúrgica Paulista) trabalhei 21 anos, sendo demitida em virtude de corte de pessoal. Enquanto trabalhava lá, cursei faculdade de Administração de Empresas. O único bem que consegui adquirir foi o apartamento e agora posso perdê-lo, porque o INSS quer a devolução daquilo que me pagou com base nos laudos dos seus próprios médicos”, desabafou A.C.N.P.. Segundo o advogado Eduardo Elias, os valores exigidos pela Previdência Social superam a casa dos R$ 100 mil.
Em relação ao crime, a acusada afirmou não se recordar de nada do que aconteceu. Ela disse que nunca quis se vingar da vítima, alegando que só teve contato com ela uma vez e sequer teria condições de reconhecê-la agora. Sobre suposta premeditação do crime em virtude de ir à agência do INSS armada de faca, conforme destacou o MPF, explicou que usa habitualmente esse instrumento para cortar frutas e outros alimentos, porque tem comprometida a sua função mastigatória. “Até para comer pastel uso faca e garfo”.
Fonte: Revista Consultor Jurídico (Eduardo Velozo Fuccia)
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.