Para Ivone Caetano, que determinou a internação de crianças viciadas em crack no Rio, tratamento forçado tem apoio da sociedade
Às 12h30 de anteontem, ao voltar de Petrópolis, na região serrana do Rio, a juíza de menores da capital, Ivone Ferreira Caetano, 68, se assustou ao olhar pela janela do carro e ver dezenas de usuários de crack numa obra da prefeitura para a Olimpíada de 2016 em plena avenida que virou nome da novela de TV.
``Parecia a continuação da novela: lá está o lixão e toda aquela criançada exposta, desorientada em plena avenida Brasil. Só que não era ficção. A situação ali é bem real, caótica``. Foi a primeira entrevista após o prefeito Eduardo Paes anunciar que estenderia a internação compulsória aos adultos.
Formada em Direito pela Universidade Estácio de Sá, em 1975, a ex-comissária de menores que determinou a internação no Rio chega a rir dos que a acusam de ``faxina social para a Copa``.
``Chega a ser hilário que alguém tenha a pachorra de me acusar disso.``
Folha - O prefeito Eduardo Paes disse que criará 600 vagas para a internação compulsória de adultos.
Ivone Caetano - Espero que pelo menos 400 sejam para crianças. Não tenho como falar sobre essa medida extensiva ao adulto. Como cidadã, acho correto. Como juíza, não existe o mesmo amparo e as mesmas leis que protegem as crianças para que isso ocorra.
Mas não podemos esquecer que se trata de uma questão de saúde e de segurança. Segurança para a sociedade e para os viciados.
A droga chegou ao Rio em 2007. A senhora não acha que enquanto se discutia se era um problema de saúde ou de segurança nada foi feito?
Os dois setores deveriam trabalhar juntos. Não devemos esperar um novo holocausto. Adotei a medida entre as crianças e os adolescentes e só recebo críticas até hoje. Recebo crítica de estar praticando uma ação de faxina, higienista e étnica para a Copa do Mundo. Chega a ser hilário que alguém tenha a pachorra de me acusar disso.
Houve críticas por levarem à força para tratamento.
Não posso acreditar que se use o argumento de que não há liberdade no direito de ir e vir quando todos os demais direitos estão sendo postergados. O direito superior é a vida com dignidade.
Como a senhora avalia a política de internação compulsória de menores um ano após a adoção da medida no Rio?
Já deu bons resultados. Não os resultados que eram esperados porque, na verdade, houve um primeiro momento, quando passou-se a executar a medida. Agora é necessária uma ampliação de forma a atender completamente essas crianças e adolescentes.
O que é preciso fazer?
Falta um número maior de unidades. Que a internação compulsória é necessária? É. Que não se está violando algum direito? Não. Pelo contrário. Está atendendo aos princípios que fundamentam a política da criança e do adolescente.
A reincidência é alta?
Sim. Até porque o crack é diferente das demais drogas.
A senhora já internou a mesma criança quantas vezes?
Não posso detalhar isso mas já internei um menor mais de uma vez. O que você acha melhor? Que ele entre para uma internação com uma tentativa de, pelo menos, ter tratamento ou que permaneça debaixo de lixo?
Acabou-se a cracolândia de Manguinhos, Jacarezinho e ela agora está instalada em plena avenida Brasil. Me pareceu a continuação da novela: lá está o lixão e toda aquela criançada exposta, desorientada em plena avenida Brasil. Só que não era ficção. A situação ali é bem real, caótica.
Não acredito que a sociedade esteja de acordo com isso. Pelo contrário. Pelo menos 95% da sociedade entende a necessidade de que a internação seja impositiva.
Os pais aparecem?
Geralmente, esses pais não têm o poder familiar, não têm consciência de como exercer esse poder. Muitos estão no crack. Outros abandonaram seus filhos. Então, a obrigação e o dever é do Estado.
A situação chegou ao estágio atual porque o poder público não agiu?
O Estado demorou a agir e, quando agiu, houve dezenas de opiniões contrárias de gente poderosa. Sem pensar que, se fossem filhos deles, lá não estariam.
Parece opinião de engenheiro de obra pronta. Tivemos a coragem de fazer algo onde não se fazia. Aí, surge aquele engenheiro e diz: ``Essa parede está torta``. Por que não fez nada? As crianças e os adolescentes estão viciados numa droga violenta, cruel.
A senhora evita tratar desse tema. Por quê?
Fui acusada de revelar casos que julgava e disseram que estava impedida de falar sobre a situação. Discordo. Posso dar a minha opinião como cidadã, como parte de um dos poderes deste país.
A senhora está convencida de que o melhor é a internação?
É lógico que há limitações. A internação ainda é a melhor medida. O crack não espera que determinados tipos de terapia façam efeito. Não entendo o que essas pessoas que são contra pensam. Talvez não tenham filhos. E se têm filhos, nenhum deles foi para o crack.
Fonte: Folha de S.Paulo
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.