Juíza Carla Malimpenso de Oliveira El Kutby, da 3.ª Vara do Trabalho, considerou que os funcionários das OSSs são, na prática, funcionários
Por ter sido contestada pela Procuradoria-Geral do Estado, felizmente não tem efeito imediato a surpreendente decisão da Justiça do Trabalho de declarar nulos, por supostas irregularidades trabalhistas, todos os contratos firmados entre a Secretaria de Estado da Saúde e organizações sociais de saúde (OSSs) para a prestação de serviços públicos nessa área. O cumprimento imediato da decisão implicaria a paralisação dos serviços prestados por 37 hospitais e 44 outras unidades de saúde hoje operados por OSSs, com graves prejuízos para a população.
Como os contratos considerados nulos baseiam-se em lei federal, além da legislação estadual específica para esses casos, espera-se que a decisão, tomada em primeira instância, seja revista nos tribunais superiores, restabelecendo-se, assim, a segurança jurídica indispensável para a continuidade da prestação desse serviço público essencial.
Acatando pedido feito pelo Ministério Público do Trabalho em 2010, a juíza Carla Malimpenso de Oliveira El Kutby, da 3.ª Vara do Trabalho, considerou que os funcionários das OSSs são, na prática, funcionários do Estado e, portanto, devem submeter-se ao regime de trabalho e de contratação dos demais funcionários públicos. Sua decisão implica a troca de todos os funcionários das OSSs considerados terceirizados por servidores concursados.
Se aplicada, a sentença representaria um grave retrocesso no necessário e inadiável processo de modernização do Estado iniciado na década de 1990, quando ficou evidente sua incapacidade de continuar prestando serviços públicos com a qualidade e na quantidade exigidas pelo País. Além do programa de privatização, a reforma modernizadora do Estado criou a figura da organização social (OS), formada por entidades da sociedade civil, sem fins lucrativos, para desempenhar serviços de interesse público que o Estado não consegue desempenhar a contento e que não são necessariamente prestados por órgãos governamentais, entre eles o de saúde.
As OSs foram criadas pela Lei n.º 9.637, de maio de 1998. Além de, necessariamente, terem em seus conselhos superiores representantes do poder público, essas OSs são obrigadas a cumprir diversas cláusulas relativas à qualidade dos serviços prestados. Elas devem publicar anualmente o relatório da execução dos termos do contrato, estão sujeitas a controle externo rigoroso, por meio da avaliação periódica de seu desempenho por uma comissão composta por especialistas de notória qualificação, e, sobretudo, são obrigadas a assinar um contrato de gestão. Para serem remuneradas, precisam provar que cumpriram metas e desempenharam os serviços para os quais foram contratadas.
O cumprimento da decisão de primeira instância da Justiça do Trabalho sobre essa questão resultaria na substituição imediata das OSs por funcionários concursados, ou seja, o restabelecimento da situação vigente antes da reforma administrativa prestes a completar dois decênios.
A decisão atende, assim, às queixas puramente corporativas dos que, em defesa de seus interesses, mas não os da sociedade, resistem a mudanças modernizadoras e lutam por seus privilégios, que incluem a estabilidade no emprego, qualquer que seja a qualidade do serviço que prestam, quando prestam.
Nenhuma restrição haveria à prestação dos serviços essenciais por funcionários públicos se, como nas OSs, sua remuneração e estabilidade estivessem sujeitas a cumprimento de metas e à divulgação de seu desempenho, entre outros requisitos de qualidade.
Decisões como a da juíza da 3.ª Vara do Trabalho caracterizam o que, em artigo publicado no Estado (3/10), o desembargador mineiro Rogério Medeiros Garcia de Lima chamou de ``judicialização`` da vida social e da política, processo pelo qual se recorre à Justiça para impor, arbitrariamente, obrigações a governantes, legisladores e aos cidadãos. Aos magistrados, afirma o desembargador, cabe apenas fazer cumprir a Constituição e as leis. ``O Poder Judiciário não pode servir de trampolim para o exercício arbitrário e ilegítimo do poder público por quem não foi eleito.``
Fonte: O Estado de S.Paulo / Editorial
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.