Ordem dos Médicos diz ter registo de várias queixas de clínicos que são chamados a depor e acabam por não ser ouvidos, perdendo dias inteiros de trabalho. Mas quase ninguém sabe que tem direito a ser ressarcido.
A grande maioria das testemunhas chamadas a prestar depoimento em tribunal não pede qualquer compensação pelas despesas gastas nas deslocações, apesar de a lei prever essa possibilidade mesmo quando as pessoas não chegam a ser ouvidas. O Ministério da Justiça não disponibilizou dados em tempo útil, mas a conclusão é consensual entre os funcionários judiciais. Muitas desconhecem que têm esse direito e outras inibem-se de exercê-lo porque o encargo é imputado à parte que os indica, explica o presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça (SOJ), Carlos Almeida.
Foi a falta de informação que levou recentemente a Ordem dos Médicos a alertar os profissionais da classe para a existência dessa compensação e a disponibilizar uma minuta que pode ser usada pelos clínicos para requerer o pagamento. "Muitos médicos são chamados a colaborar com a justiça na qualidade de testemunhas e queixam-se, com frequência, de passarem horas infindáveis ou mesmo dias à espera de serem ouvidos sem que "alguém" lhes pague o tempo despendido ou sequer as despesas com transporte e portagens", escreve a Ordem numa nota. O pagamento só pode ser feito se o depoente apresentar um pedido formal no tribunal, que deve ser acompanhado pelas facturas respectivas. O requerimento tem que ser entregue até à última sessão do julgamento.
20 cêntimos por km
O Regulamento das Custas Processuais prevê que sejam pagos 20,4 cêntimos por cada quilómetro feito nas deslocações ao tribunal, mas existe ainda a possibilidade de a testemunha pedir o que a lei designa por "indemnização equitativa". Essa compensação pode abranger gastos com portagens e até remunerações ou regalias perdidas com as faltas ao trabalho, mas cabe aos juízes determinar as parcelas elegíveis e definir o montante a pagar.
"Nem sequer 5% das testemunhas apresentam qualquer nota de despesas", diz Carlos Almeida. Umas por desconhecimento, outras por uma questão cultural. "Apesar de não ser necessário, em Portugal pergunta-se quase sempre às pessoas se estão disponíveis para testemunhar e estas, ao aceitarem, sentem-se sem direito de apresentar despesas", afirma o sindicalista. Teresa Rodrigues, outra dirigente do SOJ, subscreve: "Muitas vezes as testemunhas são conhecidas e amigas das partes e não querem causar-lhes esse incómodo".
Antigamente, o Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça adiantava as verbas, mas hoje isso só acontece quando a parte a quem é imputada a despesa beneficia de apoio judiciário ou está isenta de custas. Nos outros casos, a testemunha só recebe quando o responsável por compensá-la pagar. Apesar de o processo ter de passar pelo crivo de um juiz, a testemunha pode pedir o dinheiro directamente à parte. Mas, normalmente, é o tribunal que notifica a parte para pagar. Se esta não o fizer, a despesa pode ser incluída na conta final do processo, sendo paga por quem ficar responsável pelas custas. Neste caso, contudo, o pagamento pode demorar anos, já que a decisão tem que se tornar definitiva, sem hipótese de qualquer recurso.
Mais do que a compensação das despesas, o bastonário dos médicos, José Manuel Silva, preocupa-se com os adiamentos constantes que obrigam os clínicos a repetir a ida ao tribunal, tendo por vezes que adiar cirurgias e consultas. "São milhares de horas de trabalho deitadas ao lixo. Isso deve corresponder a muitos feriados e a muitos milhões de euros perdidos", sublinha. José Manuel Silva lamenta que os tribunais convoquem todas as testemunhas para a mesma sessão, quando se sabe que é impossível ouvi-las todas, e apela a uma gestão mais cuidada da convocação das testemunhas.
Fonte: www.publico.pt
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.