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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Após fim de união civil lésbica, mãe biológica é acusada de sequestrar filha

O sequestro da filha de um casal de lésbicas por uma das mães da menina está causando polêmica nos Estados Unidos ao envolver um pastor menonita, questões de homofobia, religião e direitos em casamentos entre pessoas do mesmo sexo.

Apesar de toda a atenção da mídia e do alarde por parte de grupos ativistas com visões extremamente opostas, a menina Isabella, hoje uma pré-adolescente, continua desaparecida há mais de três anos. A polícia acredita que ela viva às escondidas na Nicarágua, em companhia de Lisa Miller, uma de suas mães. Janet Jenkins, a outra mãe de Isabella, viu a filha pela última vez quando a menina tinha apenas 6 anos, em janeiro de 2009.

A história ilustra a diversidade da sociedade contemporânea e a falta de um arcabouço jurídico definido para assegurar direitos a pessoas que mantêm relacionamento com pessoas de mesmo sexo.

Lisa e Janet se conheceram em 1997, em um encontro de um grupo de Alcoólatras Anônimos, no Estado da Virgínia. Até então, Lisa tinha tido uma vida atribulada, incluindo problemas de dependência de drogas e depressão, mas nunca havia considerado que poderia ser lésbica. Janet era uma homossexual assumida e estava novamente solteira, depois de alguns anos de relacionamento estável com outra mulher.

Lisa e Janet decidiram se mudar para Vermont, o primeiro Estado americano a legalizar uniões civis entre pessoas do mesmo sexo. E foi lá que o casal oficializou seu relacionamento. Era o ano de 2000, e as duas faziam parte do seleto grupo de pioneiras com uma união homossexual formalmente celebrada.

Vermont é um dos Estados americanos mais liberais do país, e Lisa e Janet foram bem recebidas na pequena, porém aberta, comunidade de Fair Haven.

Inseminação artificial

O casal decidiu que Lisa, com 34 anos, teria mais chances de engravidar por meio de inseminação artificial por doador desconhecido. Um dos critérios para a seleção do doador é que ele tivesse olhos verdes, assim como Janet, que, na época, tinha 37 anos. Em abril de 2002, nasceu Isabella Miller-Jenkins, um bebê com olhos cor de esmeralda. A mãe de Janet, Ruth, estava presente na sala de parto e viu a filha cortar o cordão umbilical que unia Isabella à Lisa.

A menina, segundo lembram os parentes e amigos da família, estava sempre risonha e chamava Lisa de "Mommy" e Janet de "Mama", dois termos carinhosos em inglês para "mamãe".

Mas um turbilhão de emoções começava a se formar dentro de Lisa que, de acordo com relatos de amigos, gradualmente passou a questionar o estilo de vida do casal e a redescobrir o cristianismo. Ela também voltou a ter crises depressivas depois de tentar engravidar mais uma vez, mas não ter sucesso.

A transformação psicológica, moral e religiosa de Lisa culminou com seu retorno ao Estado da Virgínia e o término da união civil com Janet. Em 2004, a justiça de Vermont deu a guarda de Isabella à Lisa, garantindo direitos de visita por parte de Janet. Além disso, o casal concordou que Janet pagaria pensão à menina.

O casamento havia se dissolvido, mas a separação ainda seguia os moldes dos casais tradicionais. Nada indicava que se tornaria uma disputa emocionalmente amarga e juridicamente complexa, servindo de bandeira tanto para grupos religiosos e organizações contra casamento entre homossexuais quanto por movimentos pelos direitos de gays e lésbicas.

Lacuna jurídica

Logo depois da mudança, Lisa passou a impedir que Janet visitasse Isabella e seu fervor religioso e sentimento homofóbico aumentaram significativamente. A Justiça da Virgínia - Estado que não reconhece união civil nem casamento entre pessoas do mesmo sexo - primeiro declarou que Janet não tinha direito a visitar a menina. Dois anos depois, a Suprema Corte do Estado do sudeste dos EUA criou um importante precedente na área de direito civil para casais homossexuais ao determinar que a decisão da Justiça de Vermont prevalecia.

Outro efeito desse complicado caso é que ele força a sociedade americana a ter uma maior discussão sobre a necessidade de uma legislação que reja os direitos de custódia de filhos no caso de separação de casais do mesmo sexo. A Convenção de Haia, que combate o sequestro internacional de crianças e da qual os EUA fazem parte, não endereça circunstâncias que envolvam filhos de casais do mesmo sexo.

Lisa continuou a descumprir as ordens da Justiça, não permitindo que Janet se encontrasse com Isabella. Em agosto de 2009, ela foi advertida por um juíz de Vermont de que poderia perder a guarda da filha, caso insistisse em bloquear as visitas da ex-companheira.

Religiosos menonitas

Tudo indica que, ao se autoquestionar e condenar o relacionamento lésbico que tivera com Janet, Lisa recebeu o apoio de um grupo de menonitas baseados na pequena cidade de Stuart Draft, na Virgínia. Os menonitas fazem parte de uma corrente com raízes cristãs tradicionalmente pacífica e apolítica, mas que considera o homossexualismo uma desobediência inadmissível às ordens de Deus.

Ao abordar o caso, um site menonita diz que "como Deus não teve a intenção de que dois homens nem duas mulheres criassem filhos como uma família, esses casais não podem produzir filhos por conta própria. Isso cria um problema na sua agenda de criar a percepção de que o comportamento homossexual é normal. Por isso, eles têm de adotar crianças ou usar inseminação artificial de um doador masculino, no caso de um relacionamento entre mulheres. Imagine como é uma criança crescer em um ambiente assim?".

Kenneth Miller (sem parentesco com Lisa), líder de uma facção do grupo fundamentalista passou a elaborar um plano de sequestro internacional para possibilitar que Lisa fugisse com Isabella para a Nicarágua. Com a ajuda e a aprovação de menomitas localizados nos EUA, Canadá, El Salvador e Nicarágua, a complicada operação foi executada.

Apesar de os advogados de Kenneth terem afirmado que ele não sabia que estava colaborando com um sequestro internacional, a promotoria de Vermont estabeleceu, esta semana, que o pastor foi uma peça fundamental para que Lisa e Isabella pudessem sair dos Estados Unidos rumo à Nicarágua em 21 de setembro de 2009, sem deixar traços.

Ele arranjou para que as duas se disfarçassem com roupas no estilo menonita - usando vestidos longos e lenços para cobrir a cabeça - e fossem transportadas de carro de Buffalo, no Estado de Nova York, para o Canadá. De lá, Lisa e Isabella voaram rumo à América Central. As passagens aéreas foram compradas com cartão de crédito dos sogros do pastor.

Condenação

Nesta terça-feira, um júri de um tribunal federal de Vermont condenou o pastor como participante do sequestro de Isabella.

"Janet está satisfeita por Kenneth Miller ter sido considerado culpado pelas ações dele, mas seu único interesse é que isso ponha pressão nas pessoas para que ajudem a trazer Isabella de volta para casa em segurança", disse à BBC Brasil, Sarah Star, advogada de Janet.

O líder menonita, apesar de condenado, ainda está em liberdade e pode ter de cumprir uma pena de até três anos de prisão.

O FBI e a Interpol continuam à procura de Lisa e Isabella (também conhecida como Lydia pela comunidade menonita na Nicarágua). Os membros do grupo religioso dizem que viram as duas pela última vez em 2010, no vilarejo de Wasala e sabem que estão sendo monitorados por autoridades investigativas internacionais.

Fonte: UOL