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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Como médicos devem agir se um paciente tenta enganá-los?

Por Dr. Michael W. Kahn - The New York Times

Você tolera ser enganado pelos seus pacientes de vez em quando?” Fiz essa pergunta a um grupo de psiquiatras residentes do primeiro ano durante uma discussão sobre os perigos de prescrever remédios para melhorar a sensação de “bem-estar” – drogas ansiolíticas como Xanax, neste caso específico – para pacientes que podem estar mentindo para poder receber a receita do medicamento.

O Xanax é uma droga do tipo conhecido coloquialmente como “benzo” (benzodiazepinas) que são seguras e altamente eficazes – mas também pode criar dependência e potencial para abuso. Os residentes estavam focados em não fomentar os hábitos de consumo de medicamentos do paciente.

“Todo mundo que chega à emergência mente para obter benzos”, disse um residente, como eu bem me lembro.

Outro disse: “Eu daria um comprimido” para durar até eles chamarem seu médico principal. Um terceiro afirmou: “Eles precisam de psicoterapia, não de medicação”.

Em resumo, a atitude dominante foi “eles terão que fisgar esse comprimido da minha mão”. Isso me fez pensar se esses psiquiatras em desenvolvimento podem estar dando duro demais para evitar serem ludibriados.

Acho que não enfatizamos o suficiente a prevalência de certos erros normais inerentes à prática da medicina. Cirurgiões são enganados quando abrem um abdômen extremamente dolorido apenas para encontrar um apêndice normal; nos dias anteriores aos exames de tomografia computadorizada, foi dito que, se isso não acontecer de vez em quando, significa que você não está operando com a frequência suficiente. Em caso de dúvidas, é mais seguro (e mais sensato) operar do que arriscar uma ruptura ou peritonite, mesmo que o diagnóstico tenha sido “errado”. Aqui é um erro que não é bem um erro, mas um efeito colateral previsível de equilibrar riscos conhecidos com informações imperfeitas.

Eu sugiro que apliquemos um princípio similar à prescrição de analgésicos narcóticos e medicamentos ansiolíticos. Vamos considerar que é impossível não ser enganado pelo menos algumas vezes – que, ao avaliar a sinceridade dos pacientes, devemos esperar certo índice de falsos positivos.

Portanto, quando confrontam pacientes que exigem Xanax ou morfina, os médicos devem se preocupar menos em defender sua autoestima e suas capacidades de detecção de mentiras (afinal, os sociopatas mais talentosos são aqueles com maior habilidade de convencer os outros de sua honestidade) e focar mais no melhor tratamento para o paciente.

Fazer isso não exime os médicos de exercitar o ceticismo e a perspicácia clínica. Ainda me lembro vivamente de ter sido enganado por um paciente que parecia bastante sincero sobre sua necessidade de tomar narcóticos para tratar a dor causada por um acidente – que nunca aconteceu, como depois descobrimos. Mesmo nesse caso, o custo era modesto: dois dias de narcóticos desnecessários para um paciente e um golpe na minha avaliação da minha própria astúcia clínica.

Saber que falsos positivos são inevitáveis traz uma perspectiva estatística ao pensamento que diz que é melhor ser enganado do que não confiar. E libera os médicos de ter que interrogar o paciente como um suspeito de um crime.

Em outras palavras, prefiro ser considerado um babaca de vez em quando do que saber que minha suspeita negou ajuda legítima a quem precisava.

Além disso, a suspeita em excesso compromete a empatia e a compaixão. É exaustivo abordar pacientes como possíveis adversários que devem ser derrotados.

Essa verdade me pareceu clara pela tranquilidade de um residente que tratava uma paciente dependente de narcóticos, particularmente complicada. “Eu simplesmente dou o que ela pede”, disse o residente. “Ela toma narcóticos há anos. Eu dou o que ela pede e ela não pede nada mais. Então podemos continuar tratando a paciente”.

Será que esse residente é um ingênuo que cede a uma pessoa dependente que exige a droga, sem confrontar sua dependência? Talvez – mas não parecia ser o caso. Quando todos nós encontramos a paciente juntos, ficou claro que tanto ela quanto a equipe médica tinham problemas maiores para se preocupar – entre eles sua pancreatite, insuficiência renal e diabetes instável.

Já que a filosofia do “primeiro, não prejudicar” continua sendo um princípio dos cuidados à saúde, vamos lembrar que os danos de perder uma chance de ajudar muitas vezes excedem, e muito, os danos de prescrever um remédio sob um falso pretexto. Nosso sistema de justiça é baseado na ideia de que devemos deixar os culpados livres em vez de punir os inocentes. Será que nossos hábitos de prescrição se beneficiariam com a mesma filosofia?

O Dr. Michael W. Kahn é psiquiatra em Boston.
© 2010 New York Times News Service

Fonte: UOL Notícias, com tradução de Gabriela d`Ávila