PORTUGAL
Estudo inédito da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos revela que exaustão emocional afecta 40,5% dos clínicos da região. Profissionais do SNS e os que fazem noites são os mais afectados.
Quase metade dos médicos da região Centro apresenta um elevado nível de exaustão emocional, sendo as mulheres as mais afectadas, assim como os profissionais que trabalham no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e os que fazem noites, segundo um estudo da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos (SRCOM) divulgado nesta quinta-feira.
Além da exaustão, este “trabalho, inédito em Portugal”, abrangeu mais duas dimensões de burnout — a baixa realização profissional e a despersonalização. São ainda os médicos mais novos, entre os 26 e os 35 anos, os que mais sofrem desta síndrome que causa estados depressivos.
Perante estes dados “preocupantes”, o presidente da SRCOM pede a intervenção do ministério liderado por Adalberto Campos Fernandes para combater este flagelo e consequentes estados de depressão, stress e ansiedade nos médicos. “Os profissionais têm de estar bem para tratarem bem os doentes”, defende Carlos Cortes, que vai fazer chegar os resultados ao ministério e Direcção-Geral da Saúde, hospitais e centros de saúde.
Para o estudo, realizado através de um questionário online anónimo, foram inquiridos 1577 médicos, dos quais 63,2% são mulheres e 36,8% são homens. É uma amostra representativa dos 8042 médicos inscritos naquela secção, equivalendo a perto de um quinto do total.
"Um sério aviso"
A Ordem constatou que é a medicina geral e familiar que apresenta percentagens mais elevadas nas três dimensões de burnout, seguida da medicina interna e de cirurgia geral. São os médicos que trabalham no SNS os que têm níveis mais altos de exaustão emocional e mais baixos de realização profissional. Também os que trabalham de noite apresentam maiores taxas de despersonalização, uma terceira consequência da síndrome que se traduz na pouca empatia e desinteresse os clínicos. Pelo contrário, os profissionais com filhos têm menos níveis de despersonalização e são mais realizados profissionalmente. “É um sério aviso para o ministério encontrar novos modelos de organização das instituições de saúde”, diz Carlos Cortes.
De acordo com as principais conclusões do estudo, 40,5% dos inquiridos têm elevado nível de exaustão emocional, num total de 639 médicos que disseram senti-la, dos quais 433 são mulheres e 206 são homens. Um elevado nível de não realização profissional é sentido por 25,4% da amostra, equivalente a 400 médicos, grande parte do sexo feminino. Já a alta despersonalização revela-se em 269 médicos (17,1% da amostra), também aqui mais nas mulheres. Mas há 117 profissionais que têm níveis altos nas três dimensões do burnout, dos quais a maioria tem entre 26 e 35 anos. Há ainda 44,3% dos inquiridos com uma ou duas dimensões (exaustão emocional e/ou despersonalização) altas.
Há já algum tempo que o presidente da SRCOM alerta para o facto de “a evolução do sistema de saúde colocar pressão sobre os profissionais, sob o jugo da quantidade em detrimento da qualidade”. Aliás, reforça, “o próprio ministro da Saúde já considerou haver desorganização no SNS”. Este estudo espelha isso mesmo e demonstra “o impacto negativo que essa má organização tem tido nos profissionais”, desde logo ao nível da sobrecarga de trabalho, com 53,2% dos inquiridos a trabalhar entre 40 a 60 horas semanais, outros 15,9% mais de 60 a 80, e 2,8% mais de 80.
Carlos Cortes aponta como factores de risco para o desenvolvimento do síndrome de burnout a pressão sobre os médicos, a falta de condições para exercer a actividade, a desumanização e a burocratização do sistema, assim como a falta de perspectivas profissionais. Ainda em Maio último, as secções do Norte e Centro pediram a intervenção da tutela para melhorar a forma de atendimento aos doentes e o trabalho dos médicos. Acresce a tudo isto os programas informáticos “serem dos pontos mais negativos do SNS, por não estarem adaptados e causarem stress nos médicos que ficam sem tempo para os doentes”.
Paulo, 43 anos: "Isto tornou-se frustrante”
Todo este stress e ansiedade pode causar burnout, como aconteceu com Paulo (nome fictício), 43 anos, há quase dois meses com atestado médico com “sintomas depressivos e ansiosos” e medicado com antidepressivos. Clínico de medicina familiar e geral há oito, Paulo começou “a sentir esta pressão aquando das reformas do SNS, no centro de saúde, com todas as novas exigências” que daí advieram.“ Já tinha lido sobre o burnout, mas sentir na pele é muito diferente. As exigências do trabalho são tão grandes”, conta ao PÚBLICO.
Chegou a consultar 1900 doentes, que depois reduziram para 1600, mas viu aumentar o número de pacientes idosos e o número de horas semanais de consulta aberta. Tinha 42 horas semanais de trabalho, além das que não eram pagas. Atingiu um tal estado de exaustão com o “acumular de anos de stress, e pela obrigatoriedade e pressão de ver os doentes em 15 minutos, com a agravante da parte informática, que é muito exigente e difícil de conciliar com a parte clínica”.
Depois, tinha de gerir as queixas dos doentes por não ter tempo para os consultar e perder mais tempo com a parte burocrática, com o “moroso” registo no computador da prescrição de análises e exames. “Quando damos conta, os 15 minutos já passaram e mal vimos o paciente.” O presidente da SRCOM denuncia casos de colegas pressionados para consultar em apenas cinco minutos.
Paulo acrescenta ainda que tinha de consultar 16 ou 17 doentes numa manhã e depois seguia-se, da parte da tarde, o período de consultas abertas. Mais as horas extraordinárias e, muitas vezes, três fins-de-semana seguidos sem tempo para a família. “Isto repetidamente meses e meses, e a chegar a casa exausto e num estado lastimável, sem tempo para recuperar. Tornou-se desmotivante e frustrante.”
Começou a sentir-se doente e exausto a tal ponto de não conseguir trabalhar nem dormir. “O stress afectou o meu sistema imunitário e tive internado com uma pneumonia.” Acabou por ter de recorrer a um psiquiatra e ficar de baixa médica com uma depressão.
Paulo sabe que, quando regressar ao activo, os problemas continuam lá. “Estará tudo igual e já pensei em mudar de especialidade e até de profissão.”
Fonte: PUBLICO.pt
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.