Tema tão “nebuloso” como atual foi foco de Encontro dos Comitês de Bioética, no dia 23 de julho, na subsede da Vila Mariana, do Cremesp: a mesa-redonda trouxe participantes com posições fundamentadas em uma direção: o atual estágio de conhecimento sobre o acometimento ao feto pelo vírus não indica condutas padronizadas ao abortamento – ressaltando-se, claro, que avaliações clínicas e éticas dependem de análises caso a caso.
Também ficou claro ser equivocada a analogia ao aborto em anencefalia – cuja jurisprudência permite interrupção da gestação, por considerar a malformação “incompatível com a vida”.
Inclusão e zika
Durante suas boas vindas aos presentes, o presidente do Cremesp e da mesa principal do Encontro, Mauro Aranha, lembrou os constantes dilemas éticos presentes em debates sobre interrupções de gestação. Isso se intensifica ao se abordar o aborto em virtude de microcefalia, em um momento em que a Organização das Nações Unidas (ONU) empenha esforços à inclusão social de pessoas com deficiência.
Em sua fala, o palestrante Marcos Boulos, professor titular do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e diretor de Comunicação do Conselho, traçou um panorama mundial da epidemia por zika vírus desde a década de 1930 até os dias de hoje. “O vírus chegou ao Brasil quase sem ser percebido, pois encontrou a prevalência de dengue, que, da mesma forma que chikungunya e febre amarela, são espalhadas pelo Aëdes aegypti”, explicou.
“Microcefalia não é só coisa de infecção por zika. Mesmo naqueles casos que demonstram a correlação entre vírus e a malformação, percebem-se graus variados do acometimento. O mais grave é o mais raro”, explica o professor.
Interromper a gravidez?
Seguindo raciocínio parecido, a ginecologista Roseli Mieko Yamamoto Nomura, membro da Câmara Técnica de sua especialidade, é direta. “Os simples fatos de a gestante ser picada pelo mosquito e até, de desenvolver exantema, não significam que seu filho vai ser ter graves alterações neurológicas no sistema nervoso central – a consequência mais grave da Síndrome da Zika Congênita”. Complementa: “Não sabemos exatamente a porcentagem em que elas acontecem, nem qual é o trimestre de maior risco pelo vírus”.
Trazendo o ponto de vista jurídico, a desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo e que já foi corregedora da Polícia Judiciária da Capital e do departamento de Inquéritos Policiais (Dipo) de São Paulo, enfatizou “serem situações muito diferentes” as vinculadas à anencefalia e à microcefalia causada pelo zika.
“Mesmo antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) permitir aborto por anencefalia, nossa coordenadoria deferia a essas mães, de forma tranquila, a interrupção de gravidez, com base na incompatibilidade com a vida pela malformação”. No entanto, explica, dois fatores levam a analise diferente em microcefalia por zika. Primeiro: o tempo. “Quando o pedido chega a nós a gravidez está em seu 6°, 7° mês – o juiz, na verdade, estaria autorizando um homicídio, e isso ele não faz”.
A outra diferença é a forma com que a solicitação é submetida aos magistrados. “A possibilidade de dar à luz um filho incompatível com a vida, mesmo uma ‘possibilidade segura’, não corresponde à certeza”. Ou seja, o judiciáriodificilmente deferiria um pedido em tais circunstâncias.
Na última parte do encontro, Antônio Cantero Gimenes e Janice Caron Nazareth, responsáveis pelo grupo de apoio aos Comitês de Bioética do Cremesp e coordenadores da mesa, abriram o microfone para opiniões e questionamentos da plateia.
Marcaram presença, entre outros, comitês de Bioética dos hospitais: Alemão Oswaldo Cruz; Israelita Albert Einstein; Artur Ribeiro Saboya; do Coração; Infantil Darcy Vargas; Geral de Itapecerica da Serra; Municipal do Tatuapé; e Fundação ABC, que dedicaram os momentos iniciais do evento a elencar atividades futuras, como o Congresso Paulista de Bioética Clínica, previsto para novembro, e que pretende incluir assuntos como cesariana eletiva em serviços públicos; manipulação de embriões para transplantes; atendimento médico a familiar; e assistência a transgêneros, entre outros.
*Informações do Cremesp
Fonte: SaúdeJur
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.