O Juizado Especial Federal (JEF) de Caraguatatuba determinou que a União, o Estado de São Paulo e o Município de Ubatuba (SP) forneçam o medicamento Micofenolato Mofetil 500 mg, na versão injetável, a uma menor portadora de Anemia de Fanconi. A doença é caracterizada pela falência progressiva da medula óssea, malformações congênitas e grande predisposição ao desenvolvimento de câncer.
A paciente tem 9 anos de idade e irá se submeter a um transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH) no dia 22 de julho. A mãe da criança, sua representante legal, afirmou que o transplante é o único tratamento com perspectiva de cura, porém, para o sucesso da cirurgia, é necessária a administração endovenosa do medicamento no período pós-cirúrgico para evitar a rejeição das células-tronco.
A autora (mãe da criança) havia solicitado o medicamento para a Secretaria Municipal de Saúde de Ubatuba, mas o pedido foi negado sob o argumento de que ele “não faz parte da rede municipal, sendo que o Estado fornece através de processo de alto custo o medicamento na forma de comprimidos”.
Porém, a autora alegou que a administração via oral não é indicada para o caso da menor, “tendo em vista ser muito comum o desenvolvimento de feridas na boca, além de diarreia, conforme relatado pela hematologista”.
O juiz federal Gustavo Catunda Mendes, do JEF de Caraguatatuba, constatou que o medicamento só possui registro junto a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANS) na forma de comprimidos revestidos e determinou a realização de perícia médica em caráter de urgência.
A perícia constatou que a doença é genética e que os primeiros quatro anos de vida da autora foram relativamente sem sintomas, persistindo apenas o baixo peso. No entanto, a doença começou a se agravar em seu quinto ano de vida, inicialmente com dores e fraqueza, e depois com astenia, calafrios frequentes, desânimo, dificuldades para dormir e câimbras.
Também esclareceu que a versão injetável do remédio existe e que não há medicamento genérico conhecido. Concluiu que “há necessidade de uso da droga em sua via intravenosa, sob risco de morte se usada pela via oral, pelo grande somatório de problemas relacionados especificamente a este caso”.
Os peritos informaram ainda que o medicamento deve ser usado por 30 dias a cada oito horas e que a falta do medicamento “pode acarretar a rejeição do enxerto, o que seria um desastre para a parte autora, já que eliminará os 2% restantes da sua própria medula doente original no condicionamento pré-operatório na poliquimio e radioterapia imediatamente precedente ao transplante”.
Além disso, segundo informações da equipe médica do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde será feito o transplante, a paciente já se encontra “no estágio de falência medular severa o que implica em risco importante de morte devido à pancitopenia”.
Ao analisar o caso, o juiz federal afirmou que não cumpre ao Poder Judiciário “se imiscuir na eleição das políticas públicas definidas pelo Poder Executivo, a partir da ordem de fornecimento de medicamento não disponível na rede pública de saúde, sob pena, inclusive, de violação ao princípio da Separação dos Poderes”.
O magistrado destacou, porém, que esse entendimento pode ser relativizado a partir da realidade de cada caso concreto, “sobretudo para não se permitir a ocorrência de lesão a direito tutelado pelo ordenamento jurídico brasileiro”, principalmente o direito à vida e à saúde da menor, visto que o laudo médico pericial foi enfático ao asseverar o risco de morte se o medicamento for usado pela via oral.
Quanto ao custo do medicamento, estimado em R$ 52 mil, o juiz federal ponderou que tem séria preocupação de não se permitir a realocação aleatória de recursos públicos para tratamento individual de quem procura o Poder Judiciário. No entanto, no caso específico, com risco de morte, considera imprescindível o fornecimento do remédio.
“Certamente o valor estimado do medicamento, inferior aos atuais 60 salários mínimos e que pode ser pago independentemente de precatório, autoriza a ponderação pela sua concessão no propósito de se acautelar a inestimável vida da autora, sem que haja prejuízo significativo e irreparável aos cofres públicos, inclusive considerando que seu uso, segundo consta, assegurará a efetividade da cirurgia de alto risco, o alto custo do procedimento e a complexidade de se encontrar doador compatível”, ressaltou.
Assim, o juiz federal concedeu a tutela de urgência (liminar) para determinar que a União Federal, o Estado de São Paulo e o Município de Ubatuba forneçam, no prazo de até dez dias úteis, 90 ampolas do medicamento Micofenolato Mofetil 500 mg, na versão endovenosa. O remédio ficará aos cuidados da equipe médica do Hospital das Clínicas de Curitiba, que cuidará do transplante da menor, para serem administradas na autora com infusão lenta e controlada a cada oito horas por trinta dias, após a cirurgia.
Processo 0000705-90.2016.4.03.6313
*Informações do TRF3
Fonte: SaúdeJur
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.