Embora as correções dos convênios sejam previstas em lei, aumentos abusivos podem ser questionados na Justiça
Quem tem plano de saúde sabe o susto que é abrir o boleto da operadora e dar de cara com o valor da mensalidade reajustado. As correções podem chegar a mais de 50% de uma vez só. E os usuários são pegos de surpresa não apenas pela alta anual do serviço, mas também por terem mudado de faixa etária. Envelhecer pesa - e muito - na fatura. As associações de defesa do consumidor ressaltam, porém, que, apesar de os aumentos serem permitidos, eles devem obedecer limites. Se inviabilizam a permanência do consumidor no convênio, os índices podem ser questionados na Justiça. Um levantamento do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) mostra que, entre os casos considerados abusivos por parte das empresas, 80% das decisões são favoráveis aos clientes.
Os planos coletivos têm reajuste livre. Os individuais e familiares, por sua vez, sofrem correção regulada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Neste ano, o teto para a alta dos valores deste tipo de convênio foi fixado em 9,04%. Os aumentos por faixa etária, porém, são orientados por outra regra: há uma divisão em 10 segmentos, demarcados por intervalos de idade, e a variação entre o primeiro e o último pode ser de, no máximo, 500%. Por exemplo: se o que compreende os consumidores entre 0 e 18 anos custa R$ 200, o que reúne os de mais de 59 anos pode ter mensalidades de até R$ 1 mil. Outra determinação nesse aspecto é que o reajuste dos três últimos subgrupos (de 49 a 53 anos, de 54 a 58 e de mais de 59) não pode ultrapassar o índice entre a primeira e a sétima faixa etária.
A funcionária pública Shirley Lellis Moura contratou, em 2012, um plano de saúde individual que lhe dá direito a internações. Adicionou a despesa ao seu orçamento como uma medida preventiva. No último 1º de setembro, no entanto, ela completou 54 anos. A correção no valor da fatura do convênio foi de 50% — passou de R$ 125,92 para R$ 188,89, um presente que ela nem sonhava em receber. Com o novo custo, Shirley não sabe se conseguirá manter o serviço. “Levei um susto, porque não imaginava que a idade provocasse uma alta tão grande.” E a funcionária pública deve se preparar: aos 59 anos, terá de arcar com mais um aumento.
A advogada do Idec Joana Cruz aconselha os consumidores que, ao terem a mensalidade corrigida por mudança de faixa etária, avaliem o peso do aumento no orçamento familiar. “Se for algo excessivo, a ponto de não permitir a permanência no plano, o reajuste pode ser questionado na Justiça, caso não haja acordo com a operadora.” Segundo a especialista, para isso, o usuário tem amparo no Código de Defesa do Consumidor (CDC). Nas 118 ações judiciais analisadas pelo Idec, houve aumentos superiores a 500%. “Em alguns casos, os magistrados determinaram que a operadora obedecesse ao reajuste estipulado pela ANS”, lembra Joana.
Estatuto
A partir de 2004, quando começou a valer o Estatuto do Idoso, passou a ser vedada a correção por faixa etária às pessoas com mais de 60 anos (veja quadro). A aposentada Shirley Moura diz que está com a última fatura do plano da operadora Planseg, de Minas Gerais, em aberto. “Se não conseguir negociar o valor, acho que não poderei manter o convênio”, lamenta ela.
A Irmandade Nossa Senhora das Graças, operadora do Planseg, informa que as decisões do plano de saúde estão subordinadas à fiscalização da ANS. “Nesse sentido, todas as regras e as condições da empresa são ditadas pela agência, inclusive as referentes ao reajuste das mensalidades do plano, pelo aniversário do contrato e pela faixa etária”, argumenta. “Quanto mais avançada a idade, mais necessários são os cuidados com a saúde e mais frequente é a utilização dos serviços. No caso da usuária (Shiley), o aumento de 50% do valor está em consonância com as legislações vigentes e previsto em contrato”, argumenta a empresa.
Três perguntas para Luís Eugênio de Souza, presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)
Um dos objetivos do crédito para as cooperativas médicas, anunciado pelo governo, é que ele funcione como fomento para a expansão de leitos na rede privada. Por que a Abrasco é contrária à medida?
Quando o governo favorece esse crédito com juros subsidiados está drenando recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) para a rede privada, mesmo se tratando de um sistema de cooperativas. Temos um projeto de iniciativa popular, que recolheu 2,2 milhões de assinaturas, cujo pleito é R$ 40 bilhões de investimentos no SUS em 2014. O governo propõe R$ 6 bilhões, e essa é uma diferença muito grande. No sistema de saúde que temos, o SUS tem funcionado como um resseguro para os planos.
O que exatamente isso quer dizer?
Que a população brasileira que paga um plano de saúde usa o SUS em casos de alta complexidade, quando precisa de procedimentos que não são cobertos pela maioria dos convênios. Com essa concessão de crédito, o governo fortalece a segmentação: deixa o SUS para os pobres e para a alta complexidade e outro sistema para quem usa os planos privados. E isso é a reiteração da lógica da saúde de acordo com a capacidade de pagamento, e não com a necessidade.
A Abrasco é contra o sistema onde existe a saúde pública e a privada?
Não. Não somos contra os planos, desde que eles funcionem dentro da lógica do serviço privado. A saúde privada é um direito previsto na Constituição do país. O que não aceitamos é a utilização de recursos públicos pelo sistema particular, quando faltam recursos e investimentos no SUS.
Pressionados a mudar
Ao se aposentar ou deixar a empresa (sem justa causa), o ex-funcionário tem a opção de manter o plano de saúde, desde que arque com o seu custeio integral, sem a coparticipação do antigo empregador. Mas, não raramente, os reajustes das mensalidades inviabilizam a permanência na carteira da empresa, forçando-o a migrar para um convênio com coberturas e rede diferentes. Nessas situações, orientam as entidades de defesa do consumidor, é importante que o usuário observe se vale a pena permanecer com o contrato ou usar a portabilidade de carências para migrar para outro plano. Na análise, devem ser levados em consideração a rede credenciada e os médicos conveniados.
José Edson da Silva tem 60 anos e, por isso, já se livrou dos reajustes por faixa etária. No entanto, nos dois últimos anos, depois que deixou a empresa de exportações na qual trabalhava, passou a amargar correções onerosas. Entre 2012 e 2013, sofreu dois aumentos, de 24,44% cada um. No último deles, a mensalidade, que custava R$ 800, evoluiu para R$ 1.014. “Se continuar nessa proporção, terei de deixar o convênio, porque, em quatro anos, o valor se tornará superior ao meu salário”, aponta.
Os inativos que contribuíram por mais de 10 anos com o benefício podem optar por manter o plano. Quem colaborou por período menor, todavia, deve seguir a regra da proporcionalidade, de acordo com o tempo de participação. Segundo o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), outra alternativa para quem acompanha a pressão dos reajustes é buscar uma opção no mercado de planos individuais e familiares. As carências podem ser portadas para o novo produto, que tem reajuste controlado pela ANS.
De olho no boleto
Entenda o reajuste do seu plano de saúde
Coletivos
São aqueles convênios contratados pelo empregador, sindicato ou associação. Se seu plano foi contratado por intermédio de uma pessoa jurídica, os reajustes não são definidos pela ANS, mas negociados entre as partes.
Individuais ou familiares
A ANS autoriza um índice de reajuste anual, estabelecendo um teto para correção dos planos individuais e familiares. Mas a fatura também pode crescer de acordo com a faixa etária.
Aumento de preço por mudança de faixa etária
Importante lembrar
» O valor fixado para a última faixa etária (59 anos ou mais) não pode ser superior a seis vezes o valor da primeira faixa (0 a 18).
» A variação acumulada entre a sétima e a décima faixas não pode ser superior à variação acumulada entre a primeira e a sétima faixas.
O que diz o código
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
III - se mostram excessivamente onerosas para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
Fonte: Correio Braziliense / Marinella Castro
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.