PORTUGAL
Há pedidos que estão há mais de dois anos para serem decididos. Instituto Nacional de Medicina Legal garante que "nunca prescreveu um processo por atraso na emissão de parecer”.
Há mais de 300 casos de negligência médica à espera de uma perícia do Conselho Médico-Legal, um órgão do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF) que emite pareceres técnico-científicos nos casos mais complexos de responsabilidade médica. Os números são do próprio instituto.
A maior fatia dos pedidos (131) chegou ao conselho no ano passado, mas ainda estão igualmente por decidir 90 processos entrados em 2014. Destes, 37 estão há mais de dois anos à espera de uma decisão. Os casos pendentes incluem ainda a esmagadora maioria dos 114 processos que entraram já este ano no conselho.
A demora dos pareceres tem contribuído para arrastar os casos de negligência médica nos tribunais, mas o INMLCF garante que “nunca prescreveu um processo por atraso na emissão de parecer do conselho”.
A acumulação de pedidos deve-se em grande medida ao facto de o número de pareceres emitidos anualmente por este órgão ter diminuído de forma significativa desde o final de 2013. Nesse ano, foram decididos 199 processos, mais 74 do que no ano seguinte. Em 2015, a soma voltou a cair, desta vez para os 103 pareceres. Contudo, parece certo que o número deverá ser largamente superado este ano, já que até ao passado dia 13, data da última reunião do Conselho Médico-Legal, já tinham sido aprovadas 97 perícias.
O presidente do instituto e, por inerência, do Conselho Médico-Legal, o juiz Francisco Brízida Martins, admite que não está satisfeito com a capacidade de resposta do órgão, mas acredita que a situação “está controlada” e que os casos acumulados vão começar a baixar. Justifica o aumento de processos em espera com uma tendência crescente dos pedidos, com a substituição da direcção do instituto, em 2014 — Brízida Martins tomou posse em Janeiro, depois de a então ministra ter afastado o anterior presidente, Duarte Nuno Vieira — e, depois disso, com a recomposição do próprio conselho.
O juiz faz questão de destacar a qualidade técnica dos pareceres. “Tem havido uma discussão mais ampla sobre os processos. Perdemos mais tempo, mas os pareceres são mais exaustivos e não suscitam tantas dúvidas”, realça o presidente do instituto. Os números mostram que, dos 103 pareceres aprovados no ano passado, 60 eram “primeiros pareceres” e 43 “novos pedidos” em casos já analisados. Das 97 perícias decididas este ano, apenas 15 eram relativas a “novos pedidos”. “Nota-se, portanto, um decréscimo significativo de ‘novos pedidos’”, destaca o instituto, numa resposta escrita.
Faltam peritos, acusa Ordem
O bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, não subscreve o elogio. Fala de um número insuficiente de peritos e culpa o modelo de funcionamento do Conselho Médico-Legal. O órgão é constituído por 20 membros, incluindo a direcção do instituto, representantes dos três conselhos disciplinares dos médicos e dois professores universitários por cada uma das áreas de clínica cirúrgica, clínica médica, obstetrícia/ ginecologia e direito. As áreas da anatomia patológica, da ética ou direito médico, da ortopedia e traumatologia e da neurologia e psiquiatria estão representadas apenas por um docente universitário.
“Da nossa observação prática, o conselho nem sempre dá pareceres tecnicamente blindados”, afirma o bastonário, atribuindo as responsabilidades ao facto de algumas especialidades estarem representadas apenas por um médico. “Os pareceres dos colégios da especialidade são tecnicamente mais completos”, considera, explicando que também nestes casos há um relator, mas as perícias chegam a ser discutidas por dez médicos da mesma especialidade (o conselho directivo de cada um dos colégios).
Jorge Costa Santos, que presidiu à Delegação do Sul do instituto e foi membro do conselho até há dois anos, mostra-se surpreendido com o número de pedidos pendentes. “Durante os vários anos em que integrei o órgão, transitavam de um ano para o outro pouco mais de uma dezena de casos. E por razões estranhas ao próprio conselho”, afirma o médico, que saiu por discordar das orientações do conselho directivo liderado por Brízida Martins.
A realidade actual contrasta com a que existia em 2010, em que o tempo médio de resposta do conselho era de 61 dias. O número integra um trabalho apresentado no 11.º Congresso Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, realizado em Évora, em Novembro de 2012, onde se especifica que, em 2010, o prazo máximo dos pareceres nesse ano tinha sido de 93 dias e o mínimo de seis.
Perícias por 1500 euros
Para lidar com a acumulação de processos, Brízida Martins está a prever realizar dez reuniões para o ano, mais três do que o máximo anual registado até agora. O juiz diz, no entanto, que realizar mais do que essas não resultará em ganhos de produtividade e que os encontros já decorrem das 9h30 às 18h sem interrupção. “Os pareceres exigem tempo de análise e debate, não são algo de automático. Há processos que têm muita documentação. Literalmente, várias caixas de documentação”, explica.
Para agilizar o funcionamento do conselho, o magistrado defende algumas alterações ao funcionamento do órgão, como uma revisão da compensação dos conselheiros, com a introdução de senhas de presença e a colocação de assessores para apoiar o trabalho dos relatores. Fala também de um eventual funcionamento por subcomissão.
André Dias Pereira, professor especializado em Direito da Medicina e ex-membro do conselho, lembra que só os relatores é que são remunerados por perícia, num valor que varia entre os 204 e os 1530 euros. “Não faz sentido ter as outras pessoas a trabalhar de borla”, considera.
O professor de Direito critica que os tribunais sobrevalorizem a prova pericial pública em detrimento da privada e defende que a responsabilidade médica em Portugal devia ser analisada, como em França, por uma comissão de conciliação, onde existem peritos que, “de uma forma muito mais informal e rápida, avaliam se houve culpa” dos profissionais de saúde e indemnizam os lesados.
Fonte: PUBLICO.pt
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.