Minha foto
Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

terça-feira, 1 de março de 2016

Ordem desconhece caso de médico que diz ter ajudado amigo a morrer

PORTUGAL

Bastonária dos enfermeiros falou sobre eutanásia nos hospitais públicos e médicos apresentaram queixa.

O bastonário da Ordem dos Médicos (OM), José Manuel Silva, assume que desconhecia o caso de um médico que, há uma semana, admitiu ao Expresso ter ajudado um amigo a morrer, depois de este, com um cancro terminal no pâncreas, lhe ter pedido ajuda para pôr fim à vida. A trabalhar na unidade de cuidados intensivos do hospital de São José (Lisboa), o médico explicou que acedeu ao pedido do amigo como homem, não como profissional de saúde.

O que pretende fazer a Ordem dos Médicos em relação a este caso? José Manuel Silva afirma que vai ser necessário analisar a situação, perceber se se tratou de “uma sedação terminal ou de um caso de eutanásia”, se o caso “já prescreveu ou não” (o prazo de prescrição é três anos), para depois poder decidir se manda abrir um inquérito.

Ao Expresso, o médico contou que muitas vezes ouviu da boca de doentes a “súplica, sentida, consciente, para que lhes terminasse com a vida”, mas que apenas acedeu ao pedido do “melhor amigo” que definhava com um cancro no pâncreas e com a morfina “a entorpecer o mal sem o travar”. Nessa altura tinha 40 anos. “Foi muito duro, muito difícil. Mas ele pediu-me e eu fiz”, recordou.

Já em Dezembro passado a revista Sábado tinha feito fez capa com o caso de um médico que admitia ter ajudado a morrer quatro doentes. Mas em relação a este caso a Ordem dos Médicos nada poderá fazer, porque o clínico prestou declarações sob anonimato.”Há aqui uma confusão de conceitos. A forma como a mensagem [sobre a morte assistida] está a ser transmitida é mistificadora”, contesta José Manuel Silva, que já tornou claro que é contra a prática da eutanásia, depois de um movimento cívico ter lançado um manifesto e uma petição pela despenalização da eutanásia e do suicídio medicamente assistido. O bastonário insiste que o tema tem que ser debatido e admite fazer um referendo interno sobre a eutanásia.

"Discutir não é crime"

O assunto voltou à ordem do dia depois de esta segunda-feira a Ordem dos Médicos ter reagido de forma contundente às declarações da bastonária da Ordem dos Enfermeiros que, no sábado, num programa da Rádio Renascença, disse ter presenciado situações em que estaria em causa a prática de eutanásia em hospitais públicos.

A forma como se exprimiu desencadeou grande polémica uma vez que Ana Rita Cavaco afirmou que assistiu “pessoalmente” a situações em que “houve médicos que sugeriram, por exemplo, administrar insulina a doentes para lhes provocar um coma insulínico”. “Não estou a chocar ninguém porque quem trabalha no SNS sabe que estas coisas acontecem”, acentuou no programa "Em nome da lei", para logo acrescentar: “Eu não estou a dizer que as pessoas o fazem, estou a dizer que temos de falar sobre essas situações”. “Sabemos que isto existe e existe debaixo do pano, por isso vamos falar abertamente”, insistiu.

Mais tarde, e já depois do comunicado muito crítico da OM e de se saber que a Procuradoria Geral da República ia abrir um inquérito, Ana Rita Cavaco assegurou que foi mal interpretada e que aquilo que pretendia dizer era apenas que esta discussão se faz dentro das equipas formadas por médicos e enfermeiros nos hospitais do SNS. “Discutir não é crime”, acentuou ao PÚBLICO, garantindo que não assistiu a casos de eutanásia nos hospitais públicos, em "18 anos de profissão".

Em comunicado, a OM anunciou ia apresentar uma participação ao Ministério Público e à Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) contra a bastonária dos enfermeiros, por considerar as suas declarações “gravíssimas”. Frisando que desconhece qualquer caso de “eutanásia explícita ou encapotada nos hospitais do SNS ou noutras instituições de saúde”, a OM defendeu que, “independentemente das posições individuais relativamente à legalização da eutanásia, o teor destas declarações é extraordinariamente grave, pois envolve médicos e enfermeiros na alegada prática encapotada de crimes de homicídio em hospitais do SNS”.

Já o ministro Adalberto Campos Fernandes disse não acreditar que os profissionais de saúde não cumpram a lei no caso da eutanásia e assegurou que a bastonária da Ordem dos Enfermeiros terá oportunidade de explicar melhor as suas palavras. “Solicitei à inspectora-geral das actividades em saúde uma primeira iniciativa para esclarecer eventuais dúvidas que possam existir", disse o ministro, para quem a bastonária dos enfermeiros é uma pessoa “muito inteligente” que em breve “terá ocasião de explicar melhor as suas palavras”. O PS entregou, entretanto, um requerimento para ouvir no Parlamento Ana Rita Cavaco, de forma a que possa fazer um “cabal esclarecimento” e “evitar o alarme social”.

Do lado de alguns representantes de médicos e de enfermeiros, as reacções foram de perplexidade. "Insulina? Isso é estranho. Nunca ouvi falar na insulina como forma de abreviar a vida e estou no SNS há quase 43 anos. O que se faz nos hospitais é prestar medidas de conforto aos doentes, sedação, até para retirar a dor, mas daí a dizer que a dose de morfina é para matar...O que os médicos fazem em situações irreversíveis é parar com os suportes artificiais [de vida], até porque não podem insistir no encarniçamento terapêutico [distanásia]", explicou ao PÚBLICO a dirigente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), Merlinde Madureira, que assinou o manifesto pela despenalização da morte assistida. "Esta é uma questão de liberdades individuais", precisou.

Sublinhando que já testemunhou muitas situações de doentes que dizem "eu quero morrer em casa" e que acabam por morrer nos hospitais porque se acredita que, ali, os cuidados são melhores, Merlinde Madureira conta que também já ouviu muitos pacientes afirmarem que estão "fartos" e pedirem: "deixem-me ir". "Já dei a mão a muita gente que vai morrer", acentua a dirigente da FNAM que é especialista em medicina interna.

Guadalupe Simões, da direcção do Sindicato dos Enfermeiros, assume que recebeu as declarações da bastonária com "profunda preocupação". “A forma como foram feitas as afirmações e como estão a ser interpretadas põe em causa toda uma profissão cuja missão é salvar vidas”, lamentou.

Enquanto enfermeira e dirigente sindical, Guadalupe Simões assevera que nunca foi colocada perante qualquer situação do tipo da descrita pela bastonária. “Nenhum enfermeiro recorreu ao sindicato dizendo que tinha sido colocado perante uma situação semelhante” de administrar insulina em doentes terminais, para induzir o coma. Além disso, esclarece, no Código Deontológico dos Enfermeiros está dito que um enfermeiro tem a obrigatoriedade expressa de comunicar à Ordem tudo o que possa colocar em causa a profissão e a segurança dos doentes.

“Só entendemos estas declarações como uma forma de lançar para a opinião pública uma discussão sobre um tema – sobre o qual faz todo o sentido discutir – mas sobre o qual a Ordem dos Enfermeiros já anunciou que iria fazer um referendo interno”, acentua. A dirigente sindical salienta a diferença que existe entre a eutanásia, de que falou Ana Rita Cavaco, e a administração terapêutica a doentes para reduzir a dor no âmbito dos cuidados paliativos. "É essa administração terapêutica que vai permitir que no final da vida os doentes tenham o menor grau de dor possível. Isto prende-se com os objectivos que temos de dar dignidade na morte às pessoas, e fazer com que, no final da vida, tenham o menor sofrimento possível".

O PÚBLICO tentou falar com o médico do hospital de São José, sem sucesso. com Ana Dias Cordeiro

Fonte: PUBLICO.pt