Por Guilherme Brauner Barcellos
Recentemente, eu cometi um erro diagnóstico. Felizmente não atingiu o paciente, pois, quase concomitantemente, foi avaliado por colega que fez o correto diagnóstico e iniciou tratamento necessário. Houve sorte: do paciente, e minha.
Retrospectivamente, ficaram evidentes algumas questões:
– Falhei em cenário onde não costumo, relacionado a assunto que estudo bastante e, modéstia à parte, domino;
– Perdi completamente a consciência situacional do que estava ocorrendo, e por isto falhei. Detalharei melhor o conceito adiante.
Apesar dos avanços da Medicina, erros diagnósticos continuam comuns. Uma revisão sistemática publicada em 2003, de estudos de necropsia realizados ao longo de quatro décadas, descobriu que praticamente 1 em cada 10 pacientes sofreu um grande erro diagnóstico ante-mortem, uma taxa que caiu apenas ligeiramente (uma estimativa mais recente é de cerca de 5%), apesar de todas as avançadas técnicas laboratoriais e de imagem da atualidade. Por serem mais difíceis de medir e corrigir do que outros eventos adversos, têm sido relativamente negligenciados no movimento da segurança do paciente.
Ações diagnósticas e terapêuticas são influenciadas por fatores relacionados ao paciente (p. ex., idade, sexo e raça) e ao próprio médico (inexperiência, fadiga, tolerância ao risco, perda da consciência situacional).
Sabemos ainda que falhas cognitivas no raciocínio clínico podem ocorrer com os profissionais mais novos, ou com os considerados experientes – em circunstâncias muitas vezes distintas ao economizar ou abreviar o processo de pensar, mas todos reforçados por uma cultura profissional que premia a aparência de certeza. A incidência global de falhas cognitivas aumenta também sob condições de trabalho que pressionam o indivíduo.
A melhor forma em que fui apresentado ao conceito de consciência situacional foi através do Experimento do Gorila Invisível. Através dele escancara-se o fato de que não somos tão senhores de nós mesmos como imaginamos. E essa pode ser uma boa notícia, desde que se esteja disposto a reconhecer e trabalhar a fragilidade.
No caso em que errei, atendi um paciente que vem reinternando muito frequentemente por exacerbação de doença pulmonar (DPOC), situação influenciada tanto pela gravidade da doença de base, quando por problemas de aderência ao tratamento, baixa capacidade de auto-cuidado e amparo familiar/social prejudicado. Parecia uma hospitalização semelhante a outras várias, não fosse o fato de ter se queixado, de forma inédita, ainda na Emergência, de dor torácica. O vi na enfermaria já sem o sintoma, em condição semelhante às outras vezes. Não valorizei! Já estava todo melhor, e por pouco não dei alta hospitalar no mesmo dia.
Identifiquei que estava sem parte de suas medicações de uso crônico. O desafio da conciliação medicamentosa tem me incomodado na instituição, e lembro de ter ficado momentaneamente muito atrapalhado com isto. Percebo retrospectivamente com clareza que fui indevidamente influenciado por hospitalizações anteriores do mesmo paciente, e que adicionalmente perdi o foco ao colocar-me mais voltado para o problema da conciliação do que para o caso em si. O raciocínio clínico melhor feito por colega motivou solicitação de teste complementar, e foi feito o diagnóstico de embolia pulmonar. É o tipo de diagnóstico que não pode passar!
Embora poucos de nós sejamos capazes de mudar nosso estado emocional voluntariamente, a sensibilização dos médicos para essa relação (eu sei que estou com raiva. Melhor eu diminuir o ritmo e repensar isso ou pedir ajuda a um colega) pode ajudar a evitar alguns erros. Mas apenas a sensibilização não basta, já que está sedimentada em mim. Faltou eu parar, e lembrar! Lembrar de parar!
Robert Wachter, em seu clássico livro Compreendo a Segurança do Paciente, cita algumas dicas para prevenção de erros diagnósticos:
Promova o uso de “pausas de diagnóstico”;
Pense sobre “o pior cenário possível”;
Promova o uso de uma abordagem sistemática para problemas comuns;
Pergunte sempre por quê;
Valorize a teoria bayesiana como uma forma de direcionar a avaliação clínica e evitar o fechamento
prematuro;
Reconheça como o paciente faz o médico se sentir;
Busque dados clínicos que não se encaixam com o diagnóstico provisório;
pergunte: “O que não sabemos explicar?”;
Considere diagnósticos improváveis;
Admita seus próprios erros.
Sem dificuldade nenhuma, vejo que peguei em várias.
Segundo já escreveu um de meus gurus nacionais da segurança do paciente, Dr Lucas Zambon, traçar estratégias que minimizem o potencial de tais erros, sem, no entanto, tirar a autononia médica e o julgamento clinico, é um dos pilares para solucionar este tipo de erro. Acrescento: humildade e aceitação de vulnerabilidade são outros. Eu não vi o gorila que passou por mim no hospital!
Fonte: SaúdeBusiness
Espaço para informação sobre temas relacionados ao direito médico, odontológico, da saúde e bioética.
- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.