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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quarta-feira, 2 de março de 2016

Portugal sem camas de cuidados paliativos

PORTUGAL

Há 359 camas em todo o país para 80 mil doentes. Lisboa tem apenas 19 e há regiões, como os Açores, onde não existe nenhuma

"Muitos doentes acabam por morrer sem ter acesso aos cuidados mais adequados ou então esperam uma média de três meses para terem uma vaga", diz ao DN Manuel Luís Capelas, o presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos. Em Portugal há apenas 359 camas de cuidados paliativos para cerca de 72 a 86 mil doentes que precisarão anualmente destes cuidados. Um terço do a metade do que seria desejável. "Eu acredito que haja apenas 7500 a oito mil a ter acesso a estas respostas. Se os doentes tiverem o tratamento adequado e forem bem tratados, os pedidos para realizar uma eutanásia serão sempre marginais", refere ao DN.

Dez anos depois da sua criação, a rede de cuidados paliativos está a crescer mas ainda de forma lenta. Os rácios apontam para a necessidade de 80 a 100 camas por milhão de habitantes, o que ditaria uma rede de 950 camas. O programa nacional tem como meta 80% desse rácio, que ainda assim obrigaria à duplicação da oferta.

Nos hospitais, mesmo depois da publicação de um despacho a ditar a obrigatoriedade de todos terem um equipa de cuidados paliativos até setembro de 2015, "apenas 35% têm uma". A grande aposta, o acesso a cuidados em casa, apenas é feita por 18 equipas em todo o País.

Estas respostas não se destinam apenas a doentes com alguns dias de vida, mas sim àqueles que estão em fase avançada de doença ou em fase terminal, procurando-se reduzir o sofrimento e garantir um final de vida com qualidade e tão ativa quanto possível. "Porque nesta fase não estamos apenas a controlar a dor e os sintomas. De que serve controlar a dor se depois a vida de um doente é ser tirado da cama e sentado a ver televisão ou a comer? Isso não é vida, é estar numa paragem à espera da morte".

O enfermeiro, que também integra o Observatório Português dos Cuidados Paliativos (OPCP), frisa que "já foi enviado ao Ministério da Saúde um documento detalhado com propostas estratégicas para garantir uma cobertura equitativa, mesmo em tempo de dificuldades económicas".

As desigualdades verificam-se nos últimos dados recolhidos pelo observatório, datados de 17 de fevereiro. Açores, Aveiro , Leiria e Viana do Castelo não têm uma cama de cuidados paliativos, enquanto Bragança tem uma cobertura de 140%, acima do que seria necessário, tal como Coimbra.

Doentes ficam noutros serviços

Na Grande Lisboa, por exemplo, a cobertura chega a 40% das necessidades, mas a verdade é que na cidade há apenas 19 camas na rede nacional, em duas unidades privadas com convenção com o Serviço Nacional de Saúde. Os hospitais não têm camas especializadas.

"Estamos muito limitados nos cuidados paliativos. Não há camas nos hospitais, quando precisamos temos de os internar em enfermarias de outros serviços", com custos muito acima do que seria necessário", diz Alice Cardoso, a coordenadora da equipa intra-hospitalar de cuidados paliativos do Centro Hospitalar de Lisboa Central. Passada a fase aguda, que não deve superar os 15 dias, o doente pode ir para casa ou para uma unidade de internamento na comunidade. "O problema é que só há duas unidades para onde podemos enviar os doentes dentro da cidade. Chegamos a ter três meses de espera para colocar um doente ou então temos de o enviar para outras unidades, muitas vezes afastadas de casa ou das famílias", alerta.

Manuel Luís Capelas diz que menos de 10% dos utentes é tratado na rede. "Apenas 7500 têm acesso. Há listas de espera, alguns são referenciados demasiado tarde e acabam por morrer, outros têm resposta noutras unidades de cuidados continuados, como as de longa duração. Se queremos garantir o mínimo de sofrimento desejável. ou pelo menos tolerável, têm de ter resposta adequada". Em 30 regiões (NUTS), há 13 que não têm unidade de internamento.

Nas 88 camas de agudos, 60 são no IPO do Porto e Coimbra, sendo destinadas aos seus doentes. As restantes 28, na Madeira, Litoral Alentejano e Trás-os-Montes, não chegam. "Há grande desigualdade, até porque sabemos que os doentes oncológicos correspondem a 25% das necessidades e a maioria é por outras doenças". Os dados do Observatório, que estão agora visíveis numa aplicação apoiada pela Fundação Calouste Gulbenkian, mostram que só cinco distritos têm camas de agudos (Vila Real, Coimbra, Madeira, Porto e Setúbal). Já as camas na comunidade, para internamento prolongado, não chegam a seis distritos.

Os hospitais, por sua vez, ainda não constituíram as equipas intra-hospitalares de suporte em cuidados paliativos, só 35% tendo cumprido a lei. Cinco distritos nem sequer têm uma equipa para acompanhar estes doentes, especialmente na fase aguda.

Cuidados ao domicílio são aposta

Manuel Lopes, o coordenador para a reforma do SNS na área dos cuidados continuados integrados, garante que será apresentado um plano de ação em breve. Mas as prioridade será dada aos cuidados na saúde mental, na pediatria e sobretudo às respostas ao domicílio.

"Na área pediátrica vamos avançar em termos de cuidados continuados e paliativos, porque não há qualquer resposta", garante, acrescentando que "serão criadas as primeiras respostas já este ano".

O número de camas também será aumentado progressivamente , "sobretudo em algumas regiões mais carentes e aquelas que não têm resposta nenhuma, mas é preciso lembrar que não basta criar equipas e camas. Temos de avaliar com as regiões de saúde quais são as necessidades, ver o orçamento disponível e se há recursos humanos especializados. Se não houver, também temos de os formar".

Mas a grande urgência do sistema é tirar pessoas dos hospitais. "Só temos 18 equipas e isso é insignificante. Continuamos a ter indicadores que mostram que continuamos a morrer predominantemente nos hospitais e devia ser o contrário. É aí que está a nossa prioridade", avança.

Os dados do estudo PRISMA, publicado em 2012, revelam que 52% dos portugueses preferiam morrer em casa, contra 8% no hospital. Outro estudo de 2014 aponta que 70% preferiam viver com mais qualidade de vida do que ser tratados para a prolongar.

Fonte: DN.pt