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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Por dentro da responsabilidade civil

É fundamental que o cirurgião-dentista preserve uma relação de transparência e respeito com o paciente, fortalecendo a confiança entre as partes e minimizando riscos de conflitos

Como acontece em outros países, a Odontologia brasileira vem recebendo, gradativamente, um número maior de demandas judiciais e extrajudiciais. Os motivos são os mais diversos, mas acredita-se que o aumento no número de ações se deve ao maior acesso à Justiça e às informações, além do fato de que o Código de Defesa do Consumidor hoje está muito mais consolidado nessas relações de serviço.

Vale lembrar, contudo, que o Código de Ética Odontológica observa a natureza personalíssima da relação entre o paciente e o cirurgião-dentista. A prestação dos serviços odontológicos é muito diferente dos demais serviços, e tem peculiaridades únicas. Para começar, a relação entre o profissional e o paciente requer cuidados essenciais. Afinal, está sentado na cadeira um ser humano, com toda a complexidade de sentimentos e em suas diversas dimensões: biológica, psicológica, social e espiritual.

A importância dos esclarecimentos
É preciso ressaltar também que este paciente tem diversas expectativas sobre o seu tratamento bucal. O paciente tende a acreditar que o resultado almejado por ele poderá ser garantido, sendo um equívoco considerar que procedimentos odontológicos são simples ou meramente previsíveis, tampouco que se pode prometer resultados precisos.

Assim, para evitar falsas ilusões do paciente, o cirurgião-dentista – que tem autonomia para diagnosticar, planejar e executar tratamentos – deverá esclarecer de forma clara e objetiva sobre o procedimento que será realizado, explicando sobre as limitações técnicas e biológicas, riscos e alternativas de tratamento. É fundamental, ainda, que o profissional esclareça quais são as responsabilidades, compromissos e cuidados que o paciente deve ter durante e após o tratamento.

Há, ainda, a necessidade de observar melhor a maneira de divulgação dos serviços odontológicos. Algumas formas de publicidade e marketing podem induzir o paciente a acreditar que o tratamento alcançará suas expectativas. Se o profissional anuncia e oferece seus serviços com fortes promessas e garantias de resultado, sua responsabilidade civil poderá transformar-se de subjetiva para objetiva, com o dever inequívoco de indenizá-lo caso não alcance o esperado.

Quando há o dever de indenizar
De acordo com o Código Civil, aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, ficando obrigado a repará-lo. Este dever de reparação é chamado de responsabilidade civil.

A responsabilidade civil do cirurgião-dentista é subjetiva, apurada mediante verificação de culpa, conforme se vê no §4º, do Art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, se o profissional gerar algum dano ao paciente será verificada a ocorrência de eventual negligência, imperícia, imprudência, caso fortuito ou de força maior ou outra situação imprevisível ou inevitável.

A responsabilidade civil pode alcançar danos morais, caracterizados como ofensa ou violação dos bens de ordem moral de uma pessoa, tais como aqueles que se referem à sua liberdade, à sua honra, à saúde mental ou física, à sua imagem, e pode também alcançar a esfera dos danos materiais, abrangendo os que atingem o patrimônio das pessoas físicas ou jurídicas.

Enquanto a responsabilidade civil subjetiva é verificada através da análise de negligência, imperícia ou imprudência, nos casos da responsabilidade civil objetiva não se questiona se houve culpa do agente. Há o dever de indenizar em razão do risco da atividade que se realiza.
Importante destacar que a indenização será medida pela extensão do dano, não eximindo o agente causador do prejuízo de eventual responsabilização no âmbito ético profissional e/ou no âmbito criminal.

Responsabilidade Civil das Pessoas Jurídicas
Clínicas odontológicas, cooperativas, operadoras e seguradoras de planos odontológicos têm responsabilidade civil objetiva. Isso porque, ainda que não tenham agido com culpa de sua parte, respondem pelos atos praticados por terceiros, responsáveis pela prestação do serviço odontológico em seu nome.

Isso significa dizer que um tratamento odontológico realizado por intermédio dessas pessoas jurídicas, caso gere algum dano ao paciente, deverá ser reparado independentemente de qualquer situação, sem prejuízo de verificação posterior de culpa daquele cirurgião-dentista que executou o ato danoso e que poderá responder pelos problemas causados não só ao paciente como à empresa demandada.

Exclusão da Responsabilidade Civil
Os prestadores de serviços odontológicos só não serão responsabilizados quando provarem que, tendo prestado o serviço, o defeito não existe. Ou então em situações nas quais é possível comprovar culpa exclusiva do paciente ou de terceiros.

Nesse sentido é importante relembrar a importância do atendimento individualizado, correto e eficiente, em que o paciente é respeitado em sua essência, e o cirurgião-dentista se mostra disponível e apto a ouvir seus anseios, suas queixas e necessidades. E mais, confere ao paciente a preservação de sua autonomia e a ciência efetiva, de forma clara, para que o tratamento seja consentido, sabendo dos objetivos e riscos daquilo que foi proposto.

Odontologia: obrigação de meio ou de resultado?
Há muita discussão no meio jurídico e odontológico sobre essa temática. Aos que vivenciam diariamente a realidade da profissão, não há dúvidas de que a Odontologia, em sua essência, é uma ciência cuja obrigação deve ser considerada como de meio. Na obrigação de meio observa-se que o agente é profissional legalmente habilitado a praticar aquele ato, empregando suas ações com diligência e prudência.

Outras obrigações do cirurgião-dentista incluem o compromisso de aplicar técnica reconhecida cientificamente e indicada a cada caso, usar material de qualidade, e usar todo o conhecimento disponível para preservar e favorecer a saúde. As condições biológicas e as respostas do organismo do paciente às técnicas empregadas, os fatores externos ou internos, a colaboração e a participação do paciente durante ou após o tratamento podem interferir totalmente no planejamento apresentado – esteja ele em execução ou finalizado. Nesse contexto, é fundamental que o cirurgião-dentista considere as necessidades do paciente e seus desejos, mas, sobretudo, suas limitações biológicas e outras situações que podem favorecer, dificultar ou prejudicar o tratamento.

Como minimizar riscos com o prontuário odontológico
O prontuário odontológico, conjunto dos documentos obtidos durante o tratamento, é um importante fator nessa relação, pois contém informações relevantes para o exercício profissional. Ferramenta que o cirurgião-dentista dispõe para registrar de forma correta e detalhada os dados do paciente. É indicado que seja realizado de forma individualizada e de acordo com as necessidades do paciente e da especialidade tratada.

Quando feito de maneira apropriada, o prontuário permite ao cirurgião-dentista comprovar, em qualquer época, que o diagnóstico e o tratamento foram realizados dentro dos padrões recomendados. Além disso, o documento pode servir como objeto de proteção do profissional no caso de ações judiciais e de instrumento de consulta em situações de identificação humana.

Ainda que determinada conduta tenha sido solicitada pelo próprio paciente ou por seu responsável legal, o cirurgião-dentista responde por seus atos. Por isso, ele deve se guiar no tratamento por suas convicções técnico-científicas, por sua experiência clínica e por pesquisas e estudos. Também é importantíssimo que o profissional invista em um relacionamento transparente e de confiança com seu paciente.

É certo que as exigências sociais da atualidade valorizem cada vez mais o padrão estético, e que muitos pacientes procurem os cirurgiões-dentistas com esse foco. Mas logicamente caberá ao profissional mostrar ao paciente que um tratamento odontológico deve ter um objetivo muito mais nobre e profundo do que o mero apelo estético. Vale lembrar que o investimento em saúde bucal envolve a saúde como um todo.

Fonte: Revista do CROSP (Ano III - Número 04 - Janeiro 2016, p. 10-13)