PORTUGAL
A eutanásia "já é de alguma forma praticada nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde", disse Ana Rita Cavaco, bastonária dos enfermeiros. Médicos apresentam queixa.
A bastonária da Ordem dos Enfermeiros disse no sábado que a eutanásia "já é de alguma forma praticada nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde" (SNS) e as reacções não se fizeram esperar. O ministro da Saúde pediu à Inspecção-geral das Actividades em Saúde uma intervenção com carácter de urgência e a Ordem dos Médicos, além de pedir igualmente a intervenção da IGAS, anunciou que vai apresentar uma participação ao Ministério Público.
“Considerando as declarações proferidas pela senhora bastonária da Ordem dos Enfermeiros sobre alegadas práticas de eutanásia no Serviço Nacional de Saúde (SNS), o ministro da Saúde solicitou, com carácter de urgência e tendo em vista o cabal esclarecimento dos cidadãos, uma intervenção da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) com vista ao apuramento dos factos”, refere o ministério em comunicado enviado na manhã desta segunda-feira, reafirmando a “total confiança nas instituições e nos profissionais do SNS.
No sábado passado, a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, disse no programa “Em nome da lei”, da Rádio Renascença, que a eutanásia "já é de alguma forma praticada nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS), com médicos que sugerem essa solução para alguns doentes”.
“Vivi situações pessoalmente, não preciso de ir buscar outros exemplos. Vi casos em que médicos sugeriram administrar insulina àqueles doentes para lhes provocar um coma insulínico. Não estou a chocar ninguém, porque quem trabalha no SNS sabe que estas coisas acontecem por debaixo do pano, por isso, vamos falar abertamente. Não estou a dizer que as pessoas o fazem, estou a dizer que temos de falar sobre essas situações", concluiu.
A reacção do ministério surgiu pouco depois de também a Ordem dos Médicos ter anunciado que vai apresentar uma participação ao Ministério Público e à Inspecção-Geral das Actividades em Saúde contra a bastonária dos enfermeiros, Ana Rita Cavaco, que no sábado admitiu a prática da eutanásia em hospitais públicos.
Em comunicado hoje divulgado, a Ordem dos Médicos considerou a afirmação “gravíssima”, adiantando que vai enviar as declarações de Ana Rita Cavaco para a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS), para o Ministério Público e para os próprios órgãos disciplinares da Ordem dos Enfermeiros, para os “procedimentos tidos por convenientes”.
A Ordem adiantou desconhecer concretamente qualquer caso de “eutanásia explícita ou encapotada nos hospitais do SNS ou noutras instituições de saúde”, considerando que os portugueses devem manter a total confiança nos profissionais de saúde”.
No comunicado, a Ordem salientou que, “independentemente das posições individuais relativamente à legalização da eutanásia, o teor destas declarações é extraordinariamente grave, pois envolve médicos e enfermeiros na alegada prática encapotada de crimes de homicídio em hospitais do SNS”.
No entender da Ordem dos Médicos, “não denunciar crime, se presenciado ou de conhecimento concreto, é cometer um crime”.
“Estas declarações não podem passar em claro com a ligeireza com que foram proferidas, pois são difamatórias e atentam contra a dignidade de médicos e enfermeiros, pelo que devem ser provadas ou inequívoca e formalmente desmentidas”, pode ler-se no comunicado.
De acordo com a Ordem dos Médicos, “não é tolerável que alguns comecem a dizer que já se pratica eutanásia nos hospitais porque ‘outros’ o afirmaram. Ou viram ou não viram, ou praticaram ou não praticaram, ou conhecem casos concretos ou não conhecem”.
“As palavras assumidamente proferidas pela senhora bastonária da Ordem dos Enfermeiros podem enquadrar-se numa violação muito grave do Estatuto e Código Deontológico da Ordem dos Enfermeiros”, é realçado.
A Ordem dos Médicos sublinhou ainda, no comunicado, que o debate "deve continuar para um correcto esclarecimento das pessoas, até porque continua a verificar-se uma grande confusão de conceitos, nomeadamente entre eutanásia e distanásia”.
A agência Lusa tentou, sem sucesso, obter um comentário da bastonária da Ordem dos Enfermeiros.
A Lusa enviou também um pedido de esclarecimento à Procuradoria-Geral da República a questionar sobre se vai ser aberto um inquérito com base nas declarações públicas da bastonária da Ordem dos Enfermeiros.
Fonte: PUBLICO.pt
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.