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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Câncer: para que ocorram menos erros, cirurgião oncológico discute condutas

Erros são comuns, inclusive no diagnóstico do câncer

Sim, o paciente está com câncer. E precisa tratar, retirar o tumor e iniciar uma rotina de radio ou quimioterapia. Mas para chegar até este ponto, há um processo bem delicado que envolve desde a suspeita da doença, passando pelo correto diagnóstico até chegar à melhor conduta de tratamento. Muitos erros podem acontecer durante esse processo. “Até pacientes com doença disseminada podem necessitar de cirurgias paliativas para deter sangramento, tratar uma obstrução ou aliviar a dor”, afirma Alfredo Guarischi, que é médico cirurgião geral e oncológico, especialista em fator humano.

Em entrevista exclusiva ao IBSP – Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente, o Dr. Alfredo desvenda alguns mitos e ressalta a importância do patologista neste processo, muitas vezes, doloroso tanto do ponto de vista emocional quanto físico. E ainda pontua: “A experiência da equipe multidisciplinar faz diferença, inclusive para evitar o falso positivo em caso de câncer”.

IBSP – Erros de diagnóstico de câncer ocorrem por falta de experiência dos médicos ou falha nos exames?
Alfredo Guarischi – Erros podem ocorrer por diversas causas, desde as dificuldades diagnósticas relacionadas a alguma forma menos frequente de câncer ou doenças que podem confundir o diagnóstico. Médicos experientes e exames de boa qualidade ajudam, porém também não são de absoluta precisão. Em todo mundo há casos duvidosos. Como ter certeza? É necessário buscar pessoas especializadas e locais adequados com exames de qualidade. Como, então, saber se o profissional e os exames são adequados? A recomendação é buscar pessoas que tenham passado por problemas semelhantes, escutar uma segunda opinião, e ir ao encontro de centros de referencia.

IBSP – Existe o falso positivo em caso de câncer?
Alfredo – Sim, existem doenças que se confundem com câncer, por isso é necessário que o diagnóstico seja feito não apenas por exames, mas levando em conta a história do paciente e o exame clínico, para que sejam compatíveis.

IBSP – Os erros ocorrem principalmente quando os médicos baseiam suas decisões apenas nos laudos dos exames sem antes verem as imagens?
Alfredo – Sim e não. Há casos duvidosos. Em casos de câncer de mama, mamografia, ultrassonografia e ressonância nuclear magnética são exames complementares para o diagnóstico da doença. Isso porque apenas um ultrassom dificilmente dará certeza de um câncer de mama microscópico. Porém, quando analisamos uma mulher na menopausa, que tem massa irregular no seio e com um crescimento progressivo, há alto nível de suspeição. Então, uma ultrassonografia, nesse caso específico, pode estabelecer o diagnóstico, mesmo que continue sendo necessária uma biopsia ou uma cirurgia com exame histopatológico para confirmar e realizar a cirurgia (se for o caso).

IBSP – Um nódulo pode não ser câncer, já que há casos complexos. Mas um profissional experiente consegue reduzir as chances de erros?
Alfredo – Casos complexos necessitam de condutas complexas.

IBSP – Há casos em que a intervenção cirúrgica é necessária para diagnosticar o câncer? Cite exemplo.
Alfredo – A certeza do diagnóstico vai depender do tipo do câncer. Um caso de leucemia vai ser feito com exame do sangue. Qualquer biopsia é um procedimento cirúrgico, que até pode ser realizado em regime ambulatorial (mama ou próstata, por exemplo). Uma massa no pâncreas e com marcador Ca 19-9 muito elevado, em paciente com mais de 60 anos, sem ser estar com pancreatite, também já pode levar à suspeita de câncer.

IBSP – Entre as causas dos supostos erros médicos, encontra-se o diagnóstico tardio do câncer de mama, que pode ocorrer devido à falta de valorização dos sintomas? Ou o radiologista tem responsabilidade civil pelos laudos?
Alfredo – Caracterizar o diagnóstico como tardio deve sempre ser contextualizado. A segurança em medicina visa entender porque as coisas não estão corretas e não há preocupação quanto à judicialização. Essa preocupação leva com frequência à prática de uma medicina defensiva, fazendo os pacientes sofrerem com excesso de exames. A prática profissional deve ser pautada pela confiança mútua: paciente e profissional de saúde. Hoje os mamógrafos e a ressonância são muito melhores do que os de dez anos atrás. Novas técnicas e exames surgem e desaparecem por não serem comprovadas.

IBSP – Buscar uma segunda opinião é o caminho para segurança do paciente?
Alfredo – Ouvir outra opinião pode ajudar, bem como atrapalhar. Alguns pacientes querem ouvir uma específica diretriz e a buscam até encontrar, o que pode significar atraso no tratamento ou a realização de um tratamento desnecessário. Uma conferência médica, nesses casos, ajuda.

IBSP – Qual a importância de se consultar um patologista?
Alfredo – A patologia cirúrgica é conduzida pelo médico especializado em diagnosticar por exames com a utilização de técnicas específicas. A cada dia há menos patologistas pela baixa remuneração. Esse é um enorme retrocesso que estamos assistindo, pois o patologista faz uma enorme diferença.

IBSP – A cirurgia oncológica é um dos tripés para o tratamento do câncer. Quais os cuidados específicos?
Alfredo – O câncer é uma doença muito prevalente. Não há cirurgiões oncológicos (com treinamento especializado) para operar todos os casos. A maioria dos pacientes pode ser operada por cirurgiões especializados na região anatômica na qual ocorre o câncer. Procurar um cirurgião oncológico urológico para operar um tumor de próstata ou um cirurgião oncológico torácico para operar um câncer de pulmão é preciosismo, já que há excelentes urologistas e cirurgiões de tórax capacitados. O câncer de mama pode ser operado por cirurgião oncológico, um mastologista, um ginecologista ou mesmo um cirurgião plástico experiente. Em alguns locais, há cirurgiões gerais ou mesmo torácicos capacitados. Um tumor de cólon pode ser perfeitamente ser operado, pela mesma razão, por um proctologista, cirurgião geral ou cirurgião oncológico. A grande questão é como ter certeza da boa escolha do profissional. Novamente, é fundamental ter referencias do profissional. A ideia de que apenas o cirurgião oncológico é o único capaz ou garantia de um bom resultado é equivocada.

IBSP – A margem de segurança, na cirurgia oncológica, varia de acordo com a localização e o tipo histológico do tumor. Como proceder em caso de dúvidas sobre essa margem?
Alfredo – Essa é uma questão muita técnica e deve ser individualizada. No tumor de mama a radioterapia pós-operatória seria suficiente na maioria dos casos de pequeno comprometimento para resolver o problema. No caso de margem comprometida no tumor de reto, o controle com a radioterapia pode não ser tão eficaz como na mama. E, mais do que isso, muitas das vezes a margem comprometida é irreal: em uma peça cirúrgica há tumor, mas no que restou do tecido no paciente está livre de tumor. Da mesma maneira pode estar diante de margem negativa na peça, porém ficou tumor no nível dos linfonodos, por exemplo, num tumor gástrico. As peças cirúrgicas mal fixadas (pouco formal ou colocadas em recipientes inadequados) podem distorcer o resultado, para mais ou para menos.
E é nesse momento que o papel do patologista durante a realização de uma cirurgia de câncer pode ser fator decisivo. A segunda opinião em patologia deve ser vista de forma cuidadosa, pois o envio de parte do material retirado para novo exame pode não ajudar (e acontece do patologista inicial não ter mais material para confeccionar novas lâminas ou utilizar técnicas de imuno-histoquímica). O que é fundamental é que todo o caso do paciente seja revisto para decidir o que fazer. Uma nova cirurgia nesses casos pode ser necessária, porém contextualizar os riscos e benefícios é fundamental.

IBSP – Em quais casos não se recomenda a cirurgia oncológica?
Alfredo – A maioria das pessoas tem benefício com a retirada completa do tumor. Pacientes com tumores em fase de metástase podem ter também benefício, porém os casos devem ser individualizados. Pacientes com doença disseminada, em casos selecionados, podem necessitar de cirurgias paliativas para deter um sangramento, tratar uma obstrução ou para alívio de dor.

Fonte: IBSP