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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Hospital de câncer no Rio tem calor, sujeira e falta de remédios e salários

Doentes denunciam precariedade e falta de medicamentos no Mário Kröeff.
Funcionários dizem que receberam o último salário em dezembro.


Pacientes com câncer do Hospital Mário Kröeff, na Penha, Zona Norte do Rio, têm sofrido com a falta de medicamentos necessários ao tratamento e quimioterapia. Além disso, a unidade enfrenta falta de limpeza e greve de funcionários, que afirmam não receberam salário desde dezembro. O G1 foi à unidade nesta quinta-feira (25) e apenas o segundo andar da internação e a quimioterapia seguem funcionando – ainda assim com problemas.

Como a reportagem constatou, todos os pacientes estão internados no segundo andar, onde não há distinção entre aqueles que estão em processo pré ou pós-operatório, ou que estejam em tratamento contra alguma infecção.

Em pleno verão carioca, o calor no corredor e nos quartos é sufocante. Só alguns ventiladores ligados amenizam a sensação contínua de incômodo.

A copeira Telma Cristina Santos da Rocha, de 73 anos, já tratou na unidade um câncer no seio. Ela voltou ao Mário Kröeff porque quebrou o fêmur. Internada dia 16 de janeiro, desde então a paciente espera por uma simples avaliação para receber tratamento, segundo ela.

Telma passa os dias deitada, com um travesseiro entre as pernas. Ela tem dificuldade para mudar de posição e não consegue ficar em pé. Para ela, o sofrimento maior é enfrentar as dores.

"As enfermeiras me dão injeções para melhorar a dor, mas eu ainda sinto muita dor. E não saio da mesma posição. Não dá para viver assim", afirma. A idosa chora e reclama bastante cada vez que tem que se mexer.

A irmã de Telma, Tânia Regina Santos de Souza, é quem a acompanha na maior parte do tempo. Ela conta que a família já perdeu a oportunidade de transferir Telma para o Hospital Salgado Filho porque o Mário Kröeff teria alegado não ter um médico disponível para acompanhar a idosa durante o trajeto, nem ambulância disponível. Da janela do quarto, porém, é possível ver três ambulâncias nos fundos da unidade.

"Eles aqui não têm recurso e também não resolvem o problema dela para mandar para outro hospital. Ela fica a noite toda sentindo dor por causa do fêmur. Ela está com o corpo todo roxo de tanta injeção que recebe, mas não resolvem o problema", afirmou Telma, enquanto banhava a irmã.

A situação também é dramática para Rosângela Fernandes dos Santos, que está no hospital há duas semanas acompanhando a sogra do filho. Maria de Fátima Rosário sofre de um câncer de mama em estágio avançado. A idosa precisa ser operada para a retirada dos dois seios, mas ainda não teria passado pela cirurgia por falta de equipe médica, ambulância e vaga para fazer o procedimento.

Com dificuldade de respirar, Maria de Fátima está com dois grandes buracos inflamados no seio e um outro na axila, ambos do lado esquerdo. Ela não consegue ir ao banheiro sozinha e usa fraldas. Apesar da dor e da dificuldade, a todo momento fala que quer lutar pela vida.

Rosângela conta que foi abordada por uma médica que pretendia dar alta a Maria. Segundo ela, outros pacientes, visivelmente enfermos, já foram liberados de outros setores do hospital.

"Os funcionários que ainda estão aqui nos tratam muito bem, apesar do lugar não ter condições. Acho que eles têm pena. Eu não durmo à noite porque não dão uma posição sobre possível transferência para um lugar onde ela possa fazer a cirurgia", afirmou Rosângela.

Um familiar de outra paciente internada em decorrência de uma infecção, que optou por não se identificar, conta que prefere que ela seja liberada do que permanecer no Mário Kröeff. O acompanhante acredita que a situação pode se agravar devido à situação da unidade.

Imagens enviadas ao G1 mostram o banheiro usado por acompanhantes e pacientes com roupa hospitalar jogada em um canto, além de fezes na tampa do vaso sanitário.

Ainda assim, os pacientes são unânimes em agradecer à equipe de enfermeiros e técnicos de enfermagem que ainda permanecem trabalhando. Eles ressaltam o profissionalismo dos funcionários.

Funcionários lamentam
As técnicas em enfermagem Patrícia Coelho e Edna Maria de Oliveira trabalham há 10 e 19 anos na unidade, respectivamente. Elas afirmam que suportaram a falta de pagamento até serem vencidas pelas contas a pagar.

Diante da entrada da unidade, cheia de cartazes de protesto pelo atraso nos pagamentos, elas contam que o último salário foi pago no dia 30 de dezembro e que o FGTS dos funcionários não seria depositado há um ano.

"Não tenho como pagar as minhas contas. Estamos passando dificuldades. Eu ainda tenho um outro emprego, mas tem gente que é pai e mãe e sustenta os filhos sozinhos. Conheço funcionários que arrumaram uma faxina para fazer para colocar comida na mesa", afirmou Patrícia, que tem uma filha adolescente.

Edna disse que, atualmente, conta com a ajuda dos familiares para se sustentar. "O dinheiro não está dando. Minha irmã, meu companheiro e o meu filho me ajudam", explicou a técnica em enfermagem.

Pacientes indignados
Perto do setor de quimioterapia, um dos poucos que ainda está funcionando, uma enfermeira fez questão de desabafar. "Estamos funcionando precariamente, com o que tem. É duro virar para alguém e falar que ela não vai fazer quimioterapia por falta de medicamento. E com poucos funcionários, eu faço o que posso. Pego prontuário, empurro maca. Eu não consigo virar as costas para eles. Como eu vou negar ajuda a uma pessoa que eu sei que tem um tumor que, muitas vezes, é curável?", afirmou a mulher, que não se identificou.

Entre os pacientes, o clima é de indignação. Célia Regina Vitória, de 48 anos, está tratando um câncer de mama há sete meses. Ela conta que chegou ao Mário Kröeff às 5h desta quinta-feira na expectativa de passar pela quimioterapia. No fim da manhã, soube que não poderia receber a medicação. Ela afirma que não é a primeira vez que sofre com a falta de tratamento na unidade.

"Eu não posso ficar sem a quimio, senão eu vou morrer. Ontem [quarta-feira (24)] eu estive aqui para fazer meu exame de sangue para fazer a quimio hoje. Porque nós temos que fazer exame de sangue em um dia, no outro a consulta e a quimioterapia. Eu e as outras pessoas não fizemos o exame porque está em greve. Eu passei pela consulta, mas por causa do exame de sangue não pude fazer a quimio e também não tem remédio. Não tem água", afirmou Célia.

Nos fundos da unidade, é possível ver um depósito onde são descartados os equipamentos que não são mais usados, com várias cadeiras de rodas entre eles. No local também há o esqueleto de uma obra, que teria começado há mais de quatro anos, para a construção de um hospital para o tratamento do câncer infantil. No local há apenas o descarte de caixas de papelão, papéis e outros objetos que não são mais usados. No meio do descarte, destacam-se vários cartões do SUS com nomes de pacientes e datas de nascimentos.

Outro lado
Atrás de respostas sobre a situação da unidade de saúde, o G1 buscou o Ministério da Saúde e as secretarias estadual e municipal de Saúde. O Hospital Mário Kröeff é uma unidade de saúde particular que presta serviços para o Serviço Único de Saúde (SUS).

Segundo relataram pacientes, estão em falta os seguintes medicamentos utilizados no tratamento de câncer: tamoxifeno, anastrozol, bicalutamida, dietilestilbestrol, megestrol 160 mg e aromasin/ exemestano 25mg. Inclusive, para encontrar locais mais baratos onde possam comprar os medicamentos, os próprios pacientes têm trocado informações sobre valores dos produtos.

"O remédio anastrazol vende na fármacia Calante está por R$119, e na Pacheco por R$ 198", diz uma das mensagens.

De acordo com a secretaria municipal, a pasta está em dia com o pagamento do hospital e autorizou nesta quinta-feira (25) a antecipação do repasse referente à produção do mês de fevereiro, que só deveria ser pago em abril.

Ainda segundo o município, "o pagamento aos serviços contratualizados é feito conforme prestação de contas". A secretaria municipal infoma também que os repasses futuros ocorrerão conforme cronograma do Ministério da Saúde e a prestação de contas da unidade.

O órgão ressalta, entretanto, que "o não reajuste da tabela pelo Ministério da Saúde nos últimos cinco anos certamente subfinancia as unidades prestadoras de serviços contratualizados".

Já de acordo com o Ministério da Saúde, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), é oferecida "assistência integral e gratuita aos pacientes com câncer, com ações de prevenção, diagnóstico e tratamento (cirurgias, quimioterapia e radioterapia)".

No caso de compra de alguns medicamentos, o Ministério da Saúde diz que programa a compra centralizada e a distribuição para a Assistência Farmacêuticas das secretaris estaduais de Saúde.

No caso, as exceções são de medicamentos oncológicos: trastuzumabe para quimioterapia prévia ou adjuvante do câncer de mama; talidomida para a quimioterapia paliativa do mieloma múltiplo; mesilato de imatinibe para a quimioterapia paliativa do tumor do estroma gastrointestinal do adulto, leucemia mielóide crônica e da leucemia linfoblástica aguda cromossoma philadelphia positivo; L-asparaginase para leucemia linfoblástica aguda; rituximabe para linfoma folicular e linfoma não-Hodgkin; e dasatinibe e nilotinibe para leucemia mielóide crônica – 2ª Linha.

A direção do Mario Kroëff disse que não comentaria a situação do hospital.

Fonte: G1/Rio de Janeiro